Tudo se conjugaria para a consumação da desejada ditadura eleitoral. Ficará apenas por esclarecer quem iria fazer o triste papel de Américo Thomaz
O Instituto Nacional de Estatística publicou os números da crescente pobreza que nos assola. Dois milhões de portugueses vivem com menos de 409 euros por mês. Muitos deles com muito menos. Isto, em 2012. Hoje, em 2014, certamente tudo se agravou muito mais. Para além dos números, já por si cruéis, escondem-se os dramas pessoais de milhões de pessoas, desde casais desempregados e sem subsídio de desemprego a crianças com frio e mal alimentadas, idosos sem dinheiro para medicamentos ou uma mãe a empurrar a filha, numa cadeira de rodas, durante dez quilómetros, numa estrada nacional, para uma consulta médica. É um retrato desolador de um país cujo governo apostou no empobrecimento, nos salários baixos, nos serviços de saúde mínimos ou na miséria de reformados e pensionistas como "saída" da crise que a ganância dos bancos provocou.
A maioria dos portugueses ainda está longe de ter chegado ao fim da sua caminhada para o calvário da pobreza. Todos os dias o discurso oficial nos avisa disso. Ora é o senhor Presidente da República a anunciar, num prefácio, que nem daqui a 30 anos os portugueses deixarão de empobrecer para pagar as dívidas que o Estado contraiu em seu nome, ora são as luminárias da situação, como o conselheiro de Estado Vítor Bento que, do alto do seu bem-estar, diz: "O país empobreceu menos do que parece." Ou seja: ainda pode empobrecer mais, muito mais, como já tinham avisado outras luminárias, como por exemplo, o banqueiro Fernando Ulrich, com o " ai aguenta, aguenta" mais pobreza. Ou como disse uma "fonte oficial" do Ministério das Finanças: o empobrecimento é definitivo. Ponto.
A Direita portuguesa - o PSD e o CDS-PP -, estimulada pelos ventos favoráveis que sopram na Europa, começou já a gizar os cenários políticos que lhes permitem perpetuar por décadas um país feito à imagem dos seus ideais ideológicos, uma sociedade assente em profundas desigualdades sociais, democraticamente aprisionada, cabisbaixa, reverente, miserável e culturalmente amorfa. Goradas, por ora, as insistentes tentativas, desde Belém a São Bento, passando por Bruxelas e Berlim, de comprometer o maior partido da oposição na formação de uma nova União Nacional, remeteram a concretização desses objectivos para depois das eleições de 2015. O cenário já está desenhado, segundo as suas previsões: caso o PS ganhe as eleições legislativas, não alcançará a maioria absoluta. Se assim acontecer, o senhor Presidente da República, invocando os "supremos interesses da Nação", sempre colaborante com os desígnios dos "mercados", recusar-se-á a dar posse a um governo sem maioria absoluta no parlamento. E, segundo pensam, ao PS não restará, então, outro caminho para formar governo senão aceitar participar na almejada União Nacional, apadrinhada por Belém. Depois, no governo, em comunhão de cama e mesa, PS, PSD e CDS-PP escolheriam um candidato comum à presidência da República, como defende Durão Barroso em entrevista ao semanário "Expresso". Tudo se conjugaria para a consumação da desejada ditadura eleitoral. Ficará apenas por esclarecer quem iria fazer o triste papel de Américo Thomaz.
Para mal dos portugueses, este cenário político desenhado pela Direita portuguesa pode acontecer, caso o maior partido da oposição não enfrente o pensamento único dominante, aqui e na Europa. E, na pior das hipóteses, quando perguntarem a António José Seguro, qual é a alternativa, deve responder como o fez o economista dinamarquês Bengt-Ake Lundvall, um dos subscritores estrangeiros do "manifesto dos 74", perante a mesma pergunta: "O que parece ser realizável hoje em dia está a levar-nos para muito próximo do fim do projeto europeu. Deste modo, a única estratégia possível é propor o que parece estar fora do alcance. Sabemos que a História nos reserva sempre surpresas de vez em quando - esperemos por uma surpresa positiva." {jornal I}
Obituário
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