As mulheres madeirenses deram um amplo e importante contributo ao processo de contestação do modelo organizativo do setor do leite, preconizado e imposto pelo Governo de Salazar, através do Decreto-lei nº 26655 de 4 de Junho de 1936. Em todos os concelhos que aderiram de início à Revolta do Leite, Santana, Machico, Santa Cruz, Funchal, Câmara de Lobos, Ribeira Brava e Ponta do Sol, as mulheres ombrearam com os homens nos protestos e manifestações de rua, enfrentando a polícia. Embora não se tenha encontrado registo do número exato de mulheres presas, sobretudo ao nível dos diversos concelhos, sabemos o suficiente para dizer que a sua participação foi significativa e vigorosa. Porém as suas condições de prisão foram bem mais degradantes do que as dos homens.As mulheres presas tanto no Funchal como o grupo das dez jovens enviadas para Lisboa foram alojadas em prisões conjuntas com prostitutas, uma situação que escandalizou a sociedade madeirense de então, pois no Funchal houve conhecimento público deste facto. Na sua maioria as presas eram mulheres casadas, pessoas respeitadas, como comentou alguma imprensa da época ou ainda o Pe. César Miguel Teixeira da Fonte, na altura pároco do Faial e também um dos presos da Revolta, em documento enviado a Oliveira Salazar e ao Ministro do Interior Pais de Sousa. Apenas o grupo enviado para Lisboa era constituido por jovens quase todas solteiras e algumas de menor idade (menos de 21 anos), como consta do documento do advogado José d`Albuquerque Rodrigues, que na qualidade de advogado das detidas, intercedeu por elas junto dos órgãos do poder salazarista, designadamente junto do ministério da justiça e da PVDE. Em Lisboa na cadeia das Mónicas, as dez jovens mulheres, naturais do concelho da Ribeira Brava, acusadas de participarem nos assaltos à Repartição de Finanças e Registo Civil foram obrigadas a conviver não só com prostitutas, como já o haviam feito no Funchal, mas ainda com ladras, assassinas e criminosas de toda a espécie. Estas condições prisionais perversas que a PVDE justifica alegando não existirem outras melhores condições devido à sobrelotação dos estabelecimentos prisionais, foram propositadas com o objectivo de quebrar o ânimo das jovens mulheres detidas. Num dos relatórios (ofício confidencial 42/36 de 28 de Setembro de 1936) enviado do Funchal pelo capitão de cavalaria Jorge Alcide dos Santos Pereira, na qualidade de inspector adjunto da PVDE, no comando das investigações desta polícia política aquando da Revolta após um resumo descritivo dos acontecimentos por concelho, pode ler-se: Sendo a população da ilha estimada em 200 mil pessoas- diz o adjunto da PVDE-Não é de estranhar que nestes acontecimentos tenham tomado partealguns milhares de indivíduos, tanto mais que há mulheres com responsabilidades maiores do que muitos homens… Num outro relatório, regista ainda o mesmo inspector: a maneira de atuar do povo amotinado consiste em juntar-se em grandes massas que se cobrem com mulheres e crianças…Não restam dúvidas que as mulheres tiveram um papel especial nesta Revolta e atuaram com imaginação e criatividade face aos homens. Esta última passagem do relatório é uma prova dessa imaginação.Barravam os ataques da polícia colocando-se à frente com as crianças ao colo ou sentadas no chão. As mulheres mostraram saber reagir e apoiar as lutas com firmeza. Mostraram bem o seu espírito solidário com a revolta popular. As mulheres eram bastante sensíveis à questão do leite. Sentiam-no como um produto genuíno do seu esforço. Quantas vezes não eram elas que tinham o trabalho de apanhar erva para a alimentação da vaca leiteira?! Quantas vezes não eram elas que mungiam a vaca e levavam o leite aos postos de desnatação?! Em muitos casos eram as mulheres quem cuidava das vacas. O leite vendido, gerador de pequeno rendimento, mas certo todos os meses, era assim um produto seu, do seu esforço e sentido como tal.
A cadeia das Mónicas
Na sociedade madeirense, pouco se soube da vida destas jovens vivida na prisão das Mónicas. As jovens estiveram praticamente isoladas do seu mundo, o meio rural madeirense, sem ligação e contacto a familiares, sendo que a maioria não sabia ler e só tardiamente lhes foi concedida permissão de se corresponderem com os namorados que estavam presos, eles também, em outras prisões do Continente, nomeadamente Caxias e Forte de Elvas, consoante eram militares ou civis. Sobre este problema da correspondência, mesmo tardiamente autorizada, não se obteve informação da forma como foi resolvido, dada a situação de analfabetismo referida. Acrescento ainda um terceiro aspecto.Se as presas soubessem escrever, como a correspondência era violada antes de ser expedida, não sairia informação, referindo a imagem real das condições prisionais, porque negativa para a PVDE e Governo. Tais cartas, no caso de descreverem a situação real, seriam apreendidas ou desviadas dos destinatários ou então motivo para a aplicação de castigos adicionais às presas. Estas dez jovens integraram a lista nº 5 da proposta global sobre o destino a dar aos presos, apresentada pelo adjunto da PVDE, Santos Pedreira, em 22 de Maio de 1937, ao Director Geral daquela polícia política. A proposta, elaborada em Lisboa depois do regresso da Madeira de Santos Pedreira foi aceite pela PVDE e pelo Ministro do Interior e executada tal e qual. Os presos “ditos” perigosos foram conduzidos para o Continente para diversas prisões e, no caso das jovens, detidas na Cadeia das Mónicas, onde permaneceram até à sua libertação. O pouco que há registado sobre a vida prisional destas jovens decorre da exposição do advogado que as acompanhou e lhes deu apoio jurídico. Estas mulheres não estiveram quietas. Várias démarches, junto das autoridades prisionais e do Ministro da Justiça, foram efectuadas, através do seu advogado, algumas com sucesso, embora tardio, como a autorização para se corresponderem com os namorados.
(extraído com a devida vénia da Revista Islenha, pág 110 do número de Janeiro-Junho de 2012 da autoria do economista madeirense Dr. João Abel de Freitas)