O silêncio das sindicalistas
«A
Joana era trabalhadora na
empresa Gota Amarga desde
1995 e dirigente sindical do CESP
— Sindicato dos Trabalhadores
do Comércio, Escritórios e
Serviços de Portugal.
Em Julho de 2020, em três momentos
distintos (17/06/2020, 18/06/2020 e
20/06/2020) e perante órgãos de
comunicação social diferentes, a Joana
afirmou que 50% das lojas da Gota Amarga de
Lisboa tinham trabalhadores infectados ou de
quarentena. Em tribunal provou-se que
existiam 40 lojas Gota Amarga em Lisboa, 17
das quais tinham trabalhadores infectados.
Em 14 delas existia apenas um infectado.
A Joana relatou, ainda, que tinham sido
feitos exames apenas numa loja, existindo 17
contaminados e que não se faziam testes. Em
julgamento provou-se que na referida loja
havia 11 trabalhadores positivos. A loja ficou
em quarentena. Joana declarou também que
os trabalhadores tinham tido de assinar um documento em como não contavam a
situação. Em julgamento provou-se que
nenhum responsável tinha dado a assinar
qualquer documento desse tipo. Porém, um
outro dirigente sindical relatou essa situação,
tendo o próprio sindicato emitido um
comunicado que disso dava conta.
Para além disto, provou-se que nas 17 lojas
com infectados, tanto os trabalhadores, como
os contactos, não ficavam a trabalhar. Se o SNS
confirmava a suspeita, os trabalhadores iam
para área de isolamento, sendo retirados da
loja os que os tinham contactado
directamente e colocados em quarentena.
A Joana acusou, ainda, publicamente a Gota
Amarga da falta de testagem e de não
colocação dos trabalhadores em isolamento.
Em julgamento provou-se que as suas
declarações eram resultado de decisão do
sindicato com base nas informações que tinha
recolhido, sendo certo que tinha havido
testagem e cumprimento das normas do SNS.
Provou-se, ainda, que as declarações
prestadas pela Joana tinham sido antecedidas
de um comunicado emitido pelo CESP sobre a
pandemia covid-19, no qual era referido que
tinham tido conhecimento que em diversas
lojas da Gota Amarga em Lisboa se estava a
verificar um grande aumento do número de
trabalhadores infectados.
Joana foi despedida pela Gota Amarga,
alegando justa causa por a trabalhadora ter
proferido publicamente afirmações que eram falsas e punham em causa o bom nome da
entidade patronal. Joana dirigiu-se ao tribunal
pedindo que o seu despedimento fosse
considerado ilícito e, em consequência, a Gota
Amarga condenada a reintegrá-la e a pagar-lhe
todos os vencimentos que tinha deixado de
receber. Mas não teve sorte — nem no tribunal
da primeira instância nem no Tribunal da
Relação de Lisboa lhe deram razão; neste, os
juízes desembargadores António José Alves
Duarte e Maria José Costa Pinto, no passado
dia 30 de Junho, embora afirmando aceitar
que “a liberdade de expressão e o direito de
crítica terão uma latitude maior quando está
em causa um representante eleito dos
trabalhadores, em ordem a permitir o exercício das correspondentes funções, admitindo
eventuais exageros”, acrescentaram que “tal
não legitimava a trabalhadora a propalar
factos falsos — não meras opiniões ou
reivindicações — através de meios de
comunicação social” e, assim, confirmaram a
licitude do despedimento da Joana.
Houve, no entanto, um louvável voto de
vencida, da juíza desembargadora Manuela
Bento Fialho, que, entendendo que o
despedimento tinha sido ilícito, escreveu:
“Podemos concluir que nem todas as
declarações proferidas corresponderam à
verdade. Mas andaram lá muito perto, pois
efetivamente o número de lojas com
contaminados era de cerca de 50%. E,
sobretudo, resultaram de dados
disponibilizados pelo próprio sindicato. Não
foram uma invenção” da Joana e, tendo esta
actuado “em sintonia com as informações de
que dispunha o sindicato, e sendo sua
representante, parece-me que cumpria o papel
que cabe às estruturas sindicais — denunciar,
alertar, exigir. Ainda que exagerando. Algo
próprio da luta sindical”. Não se justificava,
assim, que fosse punida com o despedimento,
“porquanto, neste caminho, dificilmente
alguém quererá assumir as funções que a
mesma exerceu”. Acrescento eu: a Joana foi,
sem margem para dúvidas, punida por ter
sido dirigente sindical. »
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