domingo, 14 de maio de 2023

Élvio Sousa envia carta ao bastonário da Ordem dos Médicos sobre a falta de transparência das listas de espera para cirurgias e consultas médicas na Região


:CARTA AO BASTONÁRIO

 Ex. mo senhor Mui Ilustre Bastonário da Ordem dos Médicos

Doutor Carlos Diogo Cortes 

Registo o seu legítimo e manifesto interesse em reunir-se brevemente connosco. 

Foi pena não termos a oportunidade de concretizar a reunião em março, tal como estava previamente acertado por si. Naturalmente que aguardamos a sua vinda à Região, muito brevemente.

Passados que estão mais de dois meses após a nossa conversa, julgo ser do interesse mútuo, manifestar-lhe algumas preocupações que os cidadãos nos têm dirigido e com significativo impacte nos direitos dos utentes da Região Autónoma da Madeira.

No topo das preocupações, e que se destaca pela negativa, revela-se a infeliz situação dos utentes do Serviço Regional de Saúde estarem desprovidos, há sete anos, dos tempos máximos de resposta garantidos para todo o tipo de prestações sem caráter de urgência (artigo 27.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 3/2016/M, de 28 de janeiro). Prestações essas que se aplicam nomeadamente ambulatório dos centros de saúde, cuidados domiciliários, consultas externas hospitalares, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e cirurgia programada.

Perante esta situação, a Região Autónoma da Madeira é infelizmente a única parte territorial do País sem a aplicação destes direitos garantidos, e que visam a prestação dos cuidados de saúde num tempo considerado clinicamente aceitável para a condição de saúde de cada utente. Uma situação inédita de incumprimento jurídico que julgamos violar um dos direitos dos utentes consagrados na Constituição, na Lei de Bases da Saúde e na Carta dos Direitos dos Utentes. 

A Lei de Bases da Saúde (Lei n.º95/2019, de 4 setembro) estabelece que todas as pessoas têm direito a “a aceder aos cuidados de saúde adequados à sua situação, com prontidão e no tempo considerado clinicamente aceitável de forma digna” e a “receber informação sobre o tempo de resposta para os cuidados de saúde de que necessitam”. O Governo Regional da Madeira ao não garantir por “lei“ autonómica estes direitos essenciais e constitucionais está a privar os utentes dessas garantias, com prejuízo, verificando-se a aplicabilidade desses direitos aos cidadãos beneficiários do Continente e da Região Autónoma dos Açores.   

A cruel realidade senhor Bastonário é esta: acumulam-se casos humanamente inconcebíveis de utentes que aguardam há três, quatro, cinco, até oito anos, em lista de espera. Casos em que esses cidadãos não tiveram (nem tão-pouco têm) acesso à informação sobre o tempo clinicamente adequado que iriam aguardar para a resolução do seu ato clinico (sem recurso para o privado) e, também, à sua posição na lista de espera. E como é logicamente percetível; com manifesto prejuízo familiar, profissional e de qualidade de vida desses utentes.

Um dos últimos casos que tive a oportunidade de acompanhar na passada semana é o caso de uma senhora a residir em Machico, e que se encontra em lista de espera para cirurgia, há oito anos. Sem respostas do serviço público, sem tempo clinicamente definido para a realização da sua cirurgia, sem condições financeiras para recorrer ao privado, sem alternativa, sem ter acesso à sua posição na lista de espera, carrega esta senhora, e a sua família, a pesada dor da falta de um “Estado/Região” que lhe dê esperança. Disse-me a senhora: “vivemos, ainda, tempos de fascismo”.

Senhor Bastonário,

O Governo Regional da Madeira ao não regulamentar, há sete anos, os tempos máximos de resposta garantidos está a privar os utentes de direitos fundamentais. Ao não regulamentar, por portaria, os tempos máximos, não permite estabelecer a prestação dos cuidados de saúde em tempo considerado clinicamente aceitável, tendo em conta a gravidade da condição apresentada por cada utente, quer pelo Sistema Regional de Saúde, quer pelo Sistema convencionado. 

Sem a publicação da portaria, a que refere o citado Decreto Legislativo Regional n.º 3/2016/M, de 28 de janeiro, não é possível a definição dos tempos máximos de resposta garantidos, nem a informação ao utente desses tempos, e consequentemente, não pode o utente reclamar, pelo incumprimento dos tempos de espera. 

Tendo a perfeita noção que não só V. Ex.a, como a V. Ordem, primam pela defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes, consideramos que possam interceder para que tenhamos, no plano de igualdade, portugueses com direitos similares.

Aceite os meus sinceros cumprimentos, 

Atentamente 


Élvio Duarte Martins de Sousa


Gaula, 11 de maio de 2023

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