Ouvi o embaixador Seixas da Costa a definir o Hamas como uma organização terrorista porque, e cito de cabeça, as Nações Unidas assim o dizem e a organização palestiniana faz ataques a civis no seu combate a partir da Faixa de Gaza. Este é um tema que daria para escrever um livro e, honestamente, nem sei bem por onde começar mas vou por aqui: o Hamas não é propriamente um grupo recomendável e até acho que prejudica mais a causa palestiniana do que para ela recolhe apoios, mas meus amigos, quem é que ajuda a luta da Palestina?
A definição das Nações Unidas sobre o Hamas é absolutamente irrelevante. Neste ou em qualquer assunto. Uma organização que aceita, durante 50 anos, um bloqueio a Cuba assente em dois votos favoráveis (Estados Unidos e Israel) contra 180 de nações que o rejeitam consecutivamente, não tem para mim qualquer legitimidade. As Nações Unidas servem para condenar (veemente, por norma) os ataques que o Governo de Washington mandar condenar. De resto, são como um garfo num prato de sopa.
Seixas da Costa dizia, nessa análise (de Domingo, julgo) que tinha toda a simpatia pela causa da Palestina mas que existiam limites para a barbárie. Outra analista, agora não me lembro qual, dizia que a solução dos dois Estados para o conflito israelo-árabe ficava agora mais distante. Não vou agora escrever que palavras me saíram quando ouvi estas análises, mas julgo, para o leitor, não serão difíceis de adivinhar, sabendo que ficam mal numa mesa de jantar com os avós.
Claro que existem limites para a barbárie, claro que atacar civis é condenável e claro que, mesmo uma guerra, tem regras. Mas porque é que toda essa solidariedade e compreensão só acontece, na comunidade internacional, para o lado de Israel? A Faixa de Gaza é bombardeada constantemente e o que vemos na comunidade internacional? Algumas palavras de ocasião, as habituais justificações de que se trata de uma resposta a um rocket que não matou ninguém.
Andamos há anos a ver uma luta entre David e Golias onde guerrilheiros de scooter desafiam um dos mais poderosos exércitos do mundo. Por cada morto no lado israelita há dezenas do lado da Palestina. Militantes do Hamas, civis, mulheres, crianças. O que estiver à frente, importa pouco. Quando morre um israelita estamos perante uma barbárie, quando morrem 10 palestinianos em Gaza foi porque o Hamas os usou como escudo. Andamos há décadas com estes dois pesos e duas medidas.
Quando nos dizem que AGORA a solução dos dois estados fica mais difícil, eu pergunto, quando é que estiveram mais próximas? Os 70 anos anteriores ainda não foram tempo suficiente para se chegar a uma
solução? Quem é que acredita que algum dia existirá uma solução quando as decisões e imposições israelitas são secundadas e protegidas pelo maior exército do mundo (o americano).
Eu acho até um pouco revoltante esta condenação generalizada pela luta armada de um povo invadido há décadas. Ou neste caso já não se aplica o direito a defender a integridade territorial? Não sei se alguma vez visitaram os territórios ocupados da Palestina e viram, por exemplo, a humilhação diária por que passam os habitantes da Cisjordânia para irem trabalhar do outro lado do muro.
Perceber que os milhões de palestinianos na Cisjordânia e, especialmente, em Gaza, vivem numa prisão a céu aberto com os passos controlados pelas forças de segurança israelita, é meio caminho andado para se discutir o conflito com alguma inteligência. Não são dois países independentes a disputar uma fronteira. É um povo invadido que tenta fugir de uma prisão há décadas, com o Ocidente todo contra eles. E não vale a pena dizer que “sou a favor da causa da Palestina mas isto de raptar pessoas não pode ser”.
Meu amigos, há décadas, não são meses, são décadas, aquele povo espera alguma ajuda enquanto é cercado e bombardeado repetidamente. Ninguém, que não sejam eles, percebe aquilo por que passam e a luta que travam sozinhos contra as potências do Mundo. Ninguém quer saber daquela gente, ninguém. Não suporto ouvir dirigentes a afirmar, o politicamente correto, apoio à Palestina. Se apoiam, condenam a invasão de Israel e fazem o que podem para libertar um povo que vive em condições desumanas. É uma invasão. Também ali se trata de uma invasão mas com regras de apoio bem diferentes das concedidas à Ucrânia.
Desta vez levaram a guerra para território inimigo e surpreenderam toda a gente. É daí que vem a condenação geral. Morreram israelitas, muitos. Normalmente não chegam aos dedos de uma mão. A espectacularidade militar da accão foi tal que, de imediato, os Estados Unidos destacaram um porta-avião para a zona de forma a refrear os ânimos de intervir por parte do Hezbollah.
Reparem nas diferenças para a situação Ucraniana. Ali a Europa e os Estados Unidos aliam-se para fornecer armas e dinheiro, de forma a combater o invasor. Em Gaza, ninguém vê problema algum de 2 milhões de pessoas viverem entre muros numa faixa de 60 km. E também ninguém se aborrece se de vez em quando lá deixarem cair umas bombas. Quase 70 anos disto e continuamos a fingir que é normal. A cada tentativa de sair da prisão, a cada rocket que atinge um prédio (maior parte deles ficam no Iron Dome), lá vai o exército israelita matar 10 vezes mais. E a comunidade internacional segue impávida e serena a pactuar com um erro histórico do pós-guerra mundial.
Mas no dia em que guerrilheiros palestinianos pisam solo israelita, as Nações Unidas cortam o financiamento aos projectos humanitários na zona, o exército israelita ganha ordem para matar indiscriminadamente e os Estados Unidos entram em menos de 24 horas no conflito.
Há claramente invasores do bem e invasores do mal. Do lado dos dirigentes judeus, devem por estes dias andar a amaldiçoar aquele momento, no século passado, em que ajudaram a formar o Hamas, para combater a Organização de Libertação da Palestina (OLP) de Yasser Arafat. Mesmo assim, que jeito deu a Netanyahu este conflito para desviar as atenções das reformas judiciais tão contestadas pelos povo israelita.
Acredito na repressão brutal do exército israelita e, enquanto escrevo, ouço os bombardeamentos a Gaza. Não acredito no envolvimento de outros países árabes e imagino que no fim, tenhamos novamente um número desproporcionado de mortos de um lado e a comunidade internacional a venerar o invasor. A solução dos dois estados não ficou mais longe porque não estava sequer perto. A única coisa real era, e é, a humilhação diária de um povo mártir e aprisionado na sua própria casa.
O resto é a pura hipocrisia do chamado Ocidente, que tanto declara solidariedade com a invasão israelita ou trata como democracia a sanguinária ditadura saudita. Que se choca porque um milionário morre a caminho do Titanic, mas dispensa apenas um rodapé de notícia para milhares de africanos que se afundam no Mediterrâneo. Já não tenho paciência ou estômago para tanta hipocrisia ou indiferença pela vida humana, consoante a cor da pele, credo ou tipo de negócio que nos proporciona. A nós, os tais civilizados do mundo bom.
Acabo como comecei: não acho que o Hamas traga uma grande vantagem à causa palestiniana. Mas não tenho qualquer dúvida que, com Hamas ou sem Hamas, eles, o povo da Palestina, já esperaram e em condições miseráveis, por alguém que lhes desse a mão. Ninguém os tirou daquela prisão. Ninguém. E não se pode dizer que tenham esperado pouco.
Aos ucranianos bastaram dois meses para terem o Mundo a combater os invasores. Na Palestina, não tarda, chegamos a um século sem uma solução que lhes traga, pelo menos, um cartão para sair da prisão.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
Operação Gaza Truth Flood
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=s602J5Sm3hg
Eu não mudo de opinião com a passagem do tempo. https://duas-ou-tres.blogspot.com/2014/07/israel.html
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