sábado, 8 de novembro de 2025

UM BASTA! Moradores clamam por paz em favela carioca:

 Moradores clamam por paz em favela carioca: o símbolo do Comando Vermelho ao fundo mostra quem manda
Carros queimados, estacas de ferro, trilhos de trem, cancelas — eis uma lista das barreiras que precisam ser cotidianamente vencidas por um naco expressivo da população do Rio de Janeiro para tão simplesmente chegar em casa. São obstáculos carregados do mais deletério dos simbolismos: fincados nas entradas de populosas favelas, eles têm o propósito de frear a polícia e demarcar onde termina o poder do Estado, com tudo o que embute, e começa o domínio do crime, que vem se apossando ao longo de décadas de vastos territórios à base da intimidação e do medo — medo não, pavor. Quem leva o dia a dia na mira dos fuzis sabe bem que a vida sob as regras das quadrilhas, seja do tráfico, seja da milícia, depende da régia obediência a uma cartilha que todo mundo conhece de cor. “Carro de aplicativo não sobe aqui, esquece. Somos obrigados a usar o sistema de mototáxis dos bandidos e, se recebo alguém, preciso ir buscar fora da comunidade, para não correr riscos”, diz uma residente de Itaboraí, na região metropolitana, que, como outras pessoas ouvidas pela reportagem de VEJA, não revela o nome e prefere nem dar as iniciais. O avanço territorial dos criminosos não apenas no Rio, mas por todo o Brasil, espanta pela velocidade e a dimensão que tomou. Entre os especialistas, não há dúvida de que as barreiras dos marginais devem ser derrubadas e o terreno que eles mantêm à sombra da violência, retomados — medida essencial do ponto de vista dos que sofrem com os desmandos da bandidagem e sob o ângulo do funcionamento da sociedade de forma mais ampla. É tarefa de elevada complexidade, como se viu na Operação Contenção, no último dia 28, quando o governo Cláudio Castro despachou 2500 agentes para os complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte carioca, onde está instalado o QG do Comando Vermelho, a maior facção do Rio. Os policiais foram recebidos com saraivadas de tiros de fuzis e até drones lança-granadas. No confronto, quatro policiais morreram. Do outro lado, as baixas foram muito maiores: 117 mortos (dos quais, 95% tinham vínculo comprovado como o CV, segundo o governo fluminense) e 99 prisões. Após essa ação que bateu recorde histórico de letalidade, uma questão essencial — que, aliás, mobiliza a classe política, de olho no impacto eleitoral do emergencial tema da segurança (leia a reportagem “A segurança no palanque”) — segue candente: como extirpar de vez esse mal do castigado tecido social? Não há resposta única nem simples. Na segunda-feira 3, na Penha, o cenário era de aparente normalidade — ao menos para os padrões de uma comunidade tutelada pelo crime. Uma funcionária de uma loja de celular, vizinha à praça onde corpos ficaram estirados no dia seguinte à operação, disse à reportagem, resumindo o tom geral de resiliência: “A vida tem que continuar”. E, apesar do baque sofrido pelo Comando Vermelho (CV), ela continuava sob a vigília de olheiros monitorando o movimento e mototaxistas circulando sem capacete para facilitar a identificação pelos soldados do crime.
A TEIA DO PREJUÍZO Bandidos ingressaram no ramo da internet: ai do morador que contratar uma operadora

“Só hoje consegui dormir”, contava uma mulher a uma amiga que, mesmo calejada, constatou: “Nunca vi tanto fuzil”. Ninguém ousa pronunciar palavras comprometedoras nem lá nem em outras bandas onde as gangues sofisticam seus negócios, assim como seus métodos de coação. “O segredo para sobreviver é cabeça baixa e boca fechada”, resume a empregada doméstica V.D., 58 anos, residente de uma área de milícia na Baixada Fluminense, que comprou a duras penas seu apartamento e agora paga ágio de 50% no condomínio por incluir uma certa “taxa da portaria”, montante que, sabidamente, vai parar no bolso dos grupos armados.
DAQUI NÃO PASSA Carro queimado serve de barricada: os marginais é que autorizam a entrada.

“Nossa segurança é garantida por eles”, justifica a síndica, que não ousa dar nome aos bois. O domínio de imensas áreas pelo crime tem suas raízes plantadas no Rio de Janeiro dos anos 1980, quando o CV, nascido dentro de um presídio, tal como outras facções, alastrou suas atividades: dos roubos armados saltou para o tráfico de drogas, percebendo no aumento do fluxo de mercadoria vinda de países produtores uma oportunidade. “Como o tráfico exige o controle dos pontos de venda da droga, se fez necessário ter poder sobre os territórios”, afirma o sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da UFF. Dissidências internas dariam mais tarde origem a gangues como o Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigo dos Amigos (ADA), o que fez ingressar no glossário da violência as “guerras por território”, não raro sangrentas. Na década de 1990, as milícias, compostas de policiais e ex-policiais vistos no princípio com equivocada benevolência, escalaram um degrau ao tomar posse de bairros inteiros e monopolizar o fornecimento de serviços básicos como gás, transporte, moradia, internet e até água — prática que os traficantes depois assimilaram. “É consenso que, com a proporção que ganharam, os variados negócios do crime somados já dão mais lucro do que o comércio de drogas”, pontua Hirata. Não há um único estado brasileiro sem a presença de uma facção dando as cartas, quase sempre em áreas de maior concentração de pobreza e menor atuação do poder público. Sob seu jugo vivem atualmente 28,5 milhões de brasileiros, 19% da população (veja no quadro ao lado). Nessas áreas, é dura a vida de quem quer empreender. Um morador de Rio das Pedras, sede de uma milícia na Zona Oeste, inaugurou um pequeno mercado por ali que ia muito bem, mas tantas eram as extorsões — na linha de “se não pagar, leva bala” — que encerrou o negócio em questão de meses. “Me sinto refém em minha própria casa”, desabafa G.H., 32 anos. Segundo o Atlas da Violência, as perdas anuais decorrentes dessas ilegalidades chegam a 5,9% do PIB do país, o que abrange desvalorização de imóveis, impactos no turismo e concorrência desleal na exploração de serviços.
EM EXPANSÃO Muzema, no Rio: tráfico avança até no mercado imobiliário.

São, infelizmente, fartos os exemplos de como a bandidagem atrapalha diferentes mercados, como ocorre com as operadoras de celular, que acabam não conseguindo alcançar os 270000 domicílios da região metropolitana do Rio. De um lado, esbarram com os fuzis. Do outro, têm como competidores os marginais, não por acaso donos de clientela cativa nesse setor em que também atuam. “A competição é feita na bala, e não pelas regras de mercado, o que mina a produtividade e alimenta o crime”, aponta o economista Daniel Cerqueira, à frente do Atlas da Violência. “Ou você vai na empresa dos bandidos, um lugar a portas fechadas, ou fica sem internet em casa”, resigna-se outra moradora da Baixada Fluminense. No caso da Light, a concessionária de energia, quase um quarto dos clientes cadastrados não paga a conta, porque os técnicos não conseguem furar as trincheiras nas favelas para pôr fim aos “gatos”. O avanço dos criminosos no ramo imobiliário é mais um nó difícil de desatar — eles grilam a terra, sobem o prédio e, quando já está de pé, vão atrás da legalização. Muitas vezes, dá certo: vendem o imóvel mesmo sem alvará. “As facções entenderam que poderiam ganhar em cima do déficit habitacional do país”, observa Rodrigo Pimentel, ex-integrante do Bope, a tropa de elite do Rio. Os efeitos da violência diária com a qual tanta gente precisa lidar são sentidos desde cedo. O ano letivo dos 217000 alunos da rede municipal que estudam em zonas conflagradas é marcado por constantes interrupções em razão de tiroteios que obrigam a criançada a se jogar no chão para se proteger de balas perdidas. “Se nós que somos adultos temos medo, imagina quem ainda não amadureceu suas emoções”, pondera Y.A., uma educadora de localidade dominada pelo CV em Brás de Pina, na Zona Norte. Os atendimentos na área da saúde mental nessas comunidades são frequentes e crescem — 25% na rede municipal só neste ano. “Surge muita síndrome do pânico, depressão e ansiedade”, diz a psicóloga Lurdes Oberg. Os profissionais na linha de frente garantem que os números, já altos, são subestimados. “Vizinhos passam mal cada vez que os marginais aparecem para cobrar a taxa de segurança. Idosos lhes entregam todo o benefício que recebem do governo para comprar remédios e não falam nada por medo”, lamenta um residente da Muzema. A taxa, criada pela milícia, hoje é operada pelo tráfico, que recentemente dominou a região. Quem precisa de socorro muitas vezes vive uma epopeia para ser atendido, como se vê em Costa Barros, também na Zona Norte. “Duas barricadas ali impedem a passagem da ambulância, aí o paciente precisa ser conduzido de cadeira de rodas por duas quadras até chegar a ela”, conta Daniel Soranz, secretário municipal de Saúde.








1 comentário:

  1. A culpa disto tudo é dos burgueses ricos que ignoram os pobres e os empurram para uma vida de crime. São vítimas da sociedade. Depois tem os bandido-puliça que é tão ou pior que os bandido-bandido. Brasil não tem remédio.

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