PSP, GNR e PJ: uma desigualdade a corrigir?
O último relatório da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) destacou falhas organizacionais, constrangimentos de recursos humanos e deficiências estruturais na Polícia de Segurança Pública e na Guarda Nacional Republicana (GNR), reforçando a urgência de reformas para garantir eficácia, transparência e confiança pública.
Ao conhecer esse relatório, despertei para uma reflexão antiga: a diferença de tratamento entre as forças policiais e os mecanismos de escrutínio a que estão sujeitas. Este cenário obriga a olhar criticamente para a PSP, a GNR, a Polícia Judiciária (PJ), a própria IGAI e o Inspetor Nacional da PSP, num sistema que deveria assegurar igualdade, transparência e confiança.A PSP e a GNR, dependentes do Ministério da Administração Interna (MA), estão sujeitas a dupla fiscalização: interna, através do Inspetor Nacional da PSP ou estruturas congéneres, e externa, pela IGAI. Em contrapartida, a PJ, sob a alçada do Ministério da Justiça (MJ), não é abrangida por este modelo, ficando sujeita apenas a mecanismos internos e à supervisão do Ministério Púbico (MP). A questão é inevitável: será esta diferença de tratamento uma desigualdade a corrigir?
A missão da IGAI é clara: auditar, inspecionar e fiscalizar forças e serviços do MAI, garantindo legalidade e respeito pelos direitos fundamentais. Em paralelo, a PSP dispõe do seu Inspetor Nacional, que assegura conformidade, prevenção de riscos de corrupção e melhoria organizacional. Assim, um agente da PSP pode ver a sua atuação avaliada pelo comando, pelo Inspetor Nacional e pela IGAI, num sistema que, em teoria, reforça transparência e responsabilização.
Contudo, este modelo não se aplica de forma uniforme. A PJ, que investiga crimes graves como corrupção, terrorismo ou criminalidade económico-financeira, não está sujeita ao escrutínio da IGAI. A sua supervisão resulta da dependência hierárquica do MJ e da orientação processual do MP. Embora tal lógica jurídica faça sentido, dado que diligências são validadas por magistrados, levanta dúvidas de equidade. Porque razão forças de segurança com atribuições igualmente sensíveis devem ser fiscalizadas de forma diferente?
Do ponto de vista democrático, a assimetria é preocupante. O cidadão que contacta com a PSP ou GNR encontra forças permanentemente escrutinadas, alvo de relatórios e inspeções, muitas vezes públicos. Já na PJ, o controlo é difuso, dependente do sigilo processual. Isto cria perceção de desigualdade: de um lado, forças hiperfiscalizadas; do outro, uma polícia que atua sem equivalente grau de transparência.
A desigualdade estende-se também a salários, suplementos e estatuto. Enquanto a PJ oferece carreiras mais atrativas e prestigiadas, a PSP e a GNR enfrentam remunerações mais baixas, horários mais exigentes e menor reconhecimento social, apesar de assegurarem ordem pública, trânsito, policiamento de proximidade e prevenção criminal. Esta disparidade mina a coesão entre forças e gera frustração.
É neste contexto que se compreende porque tantos jovens oficiais, recém-saídos do Instituto Superior de Ciências Policiais, desejam transitar para a PJ. A perceção é clara: na PJ terão melhores salários, maior prestígio, horários mais estáveis e menor escrutínio externo. Para muitos, a PSP surge apenas como trampolim inicial, e não projeto de carreira. Este fenómeno fragiliza a fidelização de quadros e traduz-se em perda de capital humano para uma força que precisa de estabilidade e motivação.
Num Estado que se proclama democrático, faz sentido manter esta clivagem? A igualdade perante a lei deve refletir-se também na igualdade institucional. Se todas as forças são pilares da segurança, porque razão umas são hiperfiscalizadas e menos compensadas, enquanto outras são menos escrutinadas e mais bem remuneradas? Esta contradição fragiliza a coesão policial e gera incompreensão entre profissionais com o mesmo objetivo: servir cidadãos e proteger o Estado de Direito.
Reconhece-se a especificidade da PJ e a sua missão na criminalidade complexa, mas tal não justifica um fosso institucional. A democracia mede-se pela forma como o Estado valoriza, fiscaliza e equilibra as forças de segurança. A confiança dos cidadãos depende também da perceção de justiça e equilíbrio no tratamento das polícias.