Militante abandona Bloco desiludida: “Democracia interna é uma miragem”
Chama-se Deesy Pinto. Tem 35 anos, é doutorada em engenharia mecânica e acaba de bater com a porta ao Bloco de Esquerda. De forma frontal, conta ao FN o que se passa lá dentro.
Bastaram três anos e meio para fazer a radiografia à forma como a estrutura regional do Bloco de Esquerda tem funcionado na Madeira. E aquilo que Deesy Pinto descobriu não a agradou.
Apego aos cargos pelas mesmas figuras, fraca valorização de novos quadros e enfraquecimento na luta por causas e ideais são algumas das críticas elencadas pela militante 9020 para justificar a saída recente do partido liderado na Região por Roberto Almada.
Um bater de porta refletido, mas tenso e frontal. Embora sem ressentimentos, não deixa de lamentar o quanto o partido se afastou das suas iniciais expetativas. “Entrei no Bloco com ideais, tendo como principal preocupação o interesse das populações, pelo que é, de facto, uma desilusão a situação que se vive atualmente, em que as decisões estão centralizadas nas mesmas pessoas. Cá para fora, passam a imagem de unidade, mas o Bloco nunca deixou de ser a UDP radical, muito aquém e diferente do que se passa ao nível nacional. Democracia interna é miragem.”
É desta forma contundente que Deesy Pinto traduz ao FN o seu sentimento no rescaldo da desvinculação do BE-Madeira. E o alvo do descontentamento daquela que até há pouco tempo se afirmava como militante de base ativa é a direção do partido na Região. Uma estrutura a quem não reconhece capacidade de renovação nem de diálogo, condições necessárias na luta pelos interesses da população e à consolidação do partido junto dos eleitores.
“Apresentei a minha desfiliação no início de abril, logo depois da convenção regional, assim que verifiquei que apenas se apresentava uma única moção, liderada pelas mesmas pessoas. Como estava à espera de uma alternativa e isso acabou por não acontecer, decidi sair”.
Doutorada em engenharia mecânica, Deesy Pinto abraçou o projeto bloquista em finais de 2012 por acreditar numa forma inovadora de fazer política, mas cedo se apercebeu que para muitos dos que continuam à frente dos órgãos decisores da estrutura na Madeira o que interessa é a manutenção do “status quo”. E o ponto de viragem, diz, foram as eleições legislativas regionais, em março de 2015, altura em que o BE recuperou a representação parlamentar, com dois deputados, após um afastamento de quatro anos da ALR.
“Depois das eleições, comecei a notar uma mudança, um agarra-se ao poder e aos cargos. O partido esmoreceu. Já não há garra na luta pelas causas e os que decidem e acumulam cargos são sempre os mesmos. Esquecem-se que, se hoje existem dois deputados, se deveu ao contributo e ao trabalho de bastidor de muitas pessoas”.
A falta de renovação de quadros e a desvalorização de diferentes contributos são as principais falhas apontadas e geradoras de descontentamento interno. “Perde-se na democracia e as pessoas, porque não são valorizadas, acabam por afastar-se”.
Erros estratégicos, sintetiza, que poderão vir a custar o crescimento do Bloco na Região. “O partido tem gente válida e suficiente, jovens bem preparados e com vontade que poderiam assumir novas frentes de intervenção e manter o Bloco na crista da onda. Mas não desta forma. Está tudo viciado e até a paridade de género que tanto defendem é camuflada”.
Nascida na Venezuela, a engenheira e investigadora de 35 anos filiou-se no BE em finais de 2012, muito por incentivo de amigos da estrutura do partido em Coimbra, onde se encontrava a concluir o pós-doutoramento. Em 2014, foi convidada a assumir o cargo de mandatária às eleições Europeias e, em 2015, integrou o terceiro lugar da lista do BE às legislativas regionais, da qual foi “acérrima defensora”.
Um período de realização na breve passagem pelo BE. Foi de pouca dura, assim que deu voz às suas ideias sobre o rumo que entendia ser o melhor para o partido. Acabaria incompreendida. “Senti que era vista como uma ameaça ao cargo, algo que nunca fiz. Não foi eu que me impus, foram eles quem me convidou”.
Apesar dos últimos contratempos, confessa que gostaria de manter-se ligada ao projeto bloquista, sobretudo na terra dos seus pais e que a viu crescer. “Para já, não tenho projetos, estou em período reflexão”.
Mesmo já sem vínculo, não se coíbe de antecipar outro erro na estratégia partidária para as autárquicas 2017. “Perspetiva-se possível coligação para o Funchal, quando na minha opinião teríamos capacidade de avançar com candidatura própria”. Uma posição que poderá ter contribuído para o agudizar do clima de crispação.
Deesy Pinto é atualmente membro do Centro de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. Parte do seu percurso profissional tem passado pela investigação, encontrando-se a elaborar projetos com vista à captação de financiamento para a Região nas áreas das energias renováveis.
(FN)
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