quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

A revista VISÃO fala-nos acerca da justiça corrupta na ilha da Madeira, a funcionar com dois pesos e duas medidas

 Jardim insiste em ter inquilina a julgá-lo Líder histórico da Madeira contesta que magistrada, a quem aluga casa, tenha escusa num caso que se arrasta há 26 anos e em que é acusado de três crimes. Por isso, recorreu ao Supremo
 Alberto João Jardim está apostado em amarrar a um processo, em que responde por vários crimes, uma juíza que pediu para ser afastada do caso, por ser sua inquilina há alguns anos. Joana Dias, a magistrada do Juízo Local Criminal do Funchal, que já teve em mãos outro julgamento do qual o histórico social-democrata saiu sem mácula, obteve a autorização para se desligar da ação. Apesar de a decisão da Relação de Lisboa ter ido ao encontro da vontade da magistrada judicial, o antigo presidente do Governo Regional da Madeira avançou, agora, para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), reclamando do veredito. 
 Com este gesto, levado a cabo pelo seu advogado Guilherme Silva, antigo deputado do PSD na Assembleia da República (AR), Jardim impõe mais um adiamento àquele que é o processo que há mais tempo se arrasta na Comarca do Funchal. É que, durante duas décadas, ao chefe do Governo Regional da Madeira foi-lhe valendo a imunidade enquanto conselheiro de Estado – lugar em Belém que lhe cabia por inerência pelo cargo no executivo madeirense. Aliás, confrontado pela Justiça, aquele órgão consultivo do Presidente da República fez questão de nunca levantar tal privilégio. 
 O Ministério Público (MP) acusa o social-democrata pelos crimes de abuso de liberdade de Imprensa, difamação e injúrias, que ele terá cometido ao publicar dois textos da sua pena no Jornal da Madeira, em novembro de 1994, sob o título A Loja dos Rancores, contra o historiador e ex-deputado do PS na AR, António Fernandes Loja. “O homenzinho, ao ler isto, caem-lhe mais três dentes, dois de raiva e um de senilidade” e “tão pirado [é] que não vê as próprias grosserias e descobre-as nos outros”, escreveu o ex-líder do PSD/ Madeira contra o socialista que, na prosa, foi apelidado de “ordinarote” e “pirado”. O processo esteve suspenso, tal como outros, até à saída de Jardim, em abril de 2015, após 37 anos de poder com maiorias absolutas. 

SUPREMO TRAVA MAIS RECURSOS

 A escusa da juíza foi pedida em abril de 2019 e aceite logo nesse verão, cerca de três anos depois de terem começado a marcar as primeiras sessões do julgamento. Audiências, essas, que nunca chegaram a arrancar, tendo em conta que, pelo meio, Jardim recorreu para a Relação de Lisboa, invocando uma alegada prescrição devido a diversas questões processuais, e ainda chegou ao Constitucional. 
 Entre os vários argumentos, o advogado Guilherme Silva defendeu que o antigo presidente da Madeira, que completou 78 anos há duas semanas, não tinha responsabilidade na decisão do Conselho de Estado e questionou a ausência da então direção do Jornal da Madeira no banco dos réus. A Relação respondeu com a necessidade de não transmitir a sensação de uma “total impunidade” de governantes que se escudem na imunidade.
  Afastada Joana Dias, que alegou relações de conflitualidade perante o facto de a casa onde vive pertencer a Jardim e ao filho deste, o processo passou para as mãos de Elsa Serrão, uma magistrada conhecida, na região, por ter sido noticiada como companheira do empresário local

António Henriques, amigo do antigo líder do PSD regional e com ligações à gestão laranja. Em junho de 2019, o Diário de Notícias da Madeira avançou que esta última juíza teve, em cerca de três meses, oito acórdãos corrigidos pela Relação de Lisboa. 
 Todavia, desde então, Guilherme Silva tem-se batido para que Joana Dias volte a pegar no caso. E, apesar de, após diligências junto do Supremo, a escusa não ser recorrível, o advogado de defesa de Jardim entregou, então, na mesma instância da capital, a 4 de fevereiro, uma reclamação – a única figura legal que restava para contestar. Isto porque, a 21 de janeiro de 2021, um juiz-desembargador recusou admitir o recurso, ao subscrever a decisão da Relação, apurou a VISÃO. 
 O antigo deputado do PSD vem agora alertar para o risco de a interpretação do Supremo estar a cometer uma inconstitucionalidade. Limitar um recurso é uma decisão gravosa que “deve ser [usada de forma] o mais parcimoniosa possível”. “A questão do ‘juiz natural’ e a excecionalidade do seu afastamento assumem uma relevância e dimensão que não podem ser destratadas”, escreveu num texto onde cita Paulo Pinto de Albuquerque, o juiz que representou Portugal durante nove anos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e Jorge Miranda, um dos pais da Lei Fundamental.
  A magistrada que foi afastada deste caso é a mesma que absolveu Jardim, em março de 2017, pelo crime de violação da Lei Eleitoral das Autarquias Locais. Em causa estava uma acusação do MP contra a atuação do social-democrata nas autárquicas de 2009, em que terá usado a viatura oficial da Presidência para uma ação de campanha com a então líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, e inaugurado diversas infraestruturas em poucos dias – como a ligação rodoviária ao porto do Funchal. Vários militantes do Partido da Nova Democracia (PND), fundado por Manuel Monteiro e, entretanto, extinto, tentaram boicotar essas cerimónias, provocando a ira de Jardim que classificou tais ações de “palhaçadas”. 
 Mais tarde, a juíza viu a Relação anular a condenação e a multa de mais de 11mil euros que aplicou a oito militantes do PND, que invadiram o Jornal da Madeira nas Regionais de 2011. Contestavam, então, o passivo de mais de 50 milhões de euros deste jornal e o noticiário viciado pelo poder.

CARTA PARA ENTERRAR MACHADO

 Entretanto, neste período, Alberto João Jardim já teve oportunidade de desculpar-se junto de António Fernandes Loja, que está agora com 87 anos. “Mandou- -me uma carta escrita pelo seu punho, a tentar acabar com este processo. Esqueceu-se de um pormenor: é muito fácil pedir desculpa privadamente. Mas não estou disposto a abdicar das minhas convicções e coerência que tive sempre ao longo da minha vida”, disse o historiador à VISÃO.
 O antigo deputado, que entrou no Parlamento pelo círculo do Funchal, no final da década de 1970, como independente nas listas do PSD, transitando depois para o PS, constituiu-se assistente neste processo há 26 anos, exigindo uma indemnização de 600 contos [3 000 euros]. “O valor, como se vê, não é o que me move, mas, antes, passados tantos anos, lembrar-me da sensação de mal-estar, principalmente quando lecionava numa escola, onde os tais textos mereceram a atenção dos alunos. Tive de evitar reagir e acreditar numa ação rápida e transparente do tribunal. Lamento que a Justiça não tenha evitado que se prolongasse por tanto tempo este caso”, salientou. 
 
(o jornal tinha distribuição gratuita. Era pago com o dinheiro dos contribuintes)

O Jornal da Madeira, meio usado por Jardim para publicar as suas crónicas, foi propriedade da administração regional, durante muitos anos. Era o órgão que dava voz ao regime laranja e que custava anualmente cerca de dois milhões de euros ao erário público. Em 2015, assim que Jardim saiu da Quinta Vigia, residência oficial do presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, sucessor do histórico social-democrata, levou cerca de dois anos a libertar-se daquele fardo pesado. Para o atual líder do executivo, que criou uma animosidade com Jardim desde que foi presidente da JSD/Madeira, tratava-se de cumprir uma promessa eleitoral. O jornal acabou por ser vendido por 10 mil euros, cerca de 100 vezes menos do que o valor de investimento na publicação exigido ao comprador e já após um saneamento financeiro, que custou mais de três milhões de euros e levou ao despedimento coletivo de vários jornalistas e funcionários.
 

OUTROS FILMES

 Jardim já respondeu em vários casos judiciais, principalmente pelo que disse contra os opositores. Num deles, foi condenado e depois absolvido. No mais conhecido de todos, o da dívida oculta, viu a acusação ser arquivada.

 “CUBA LIVRE” SEM ACUSADOS 

Em 2011, com o País a iniciar a execução de um memorando da Troika, que teria levado em conta o estado das contas públicas, percebeu-se que a dívida da Madeira era de 6,3 mil milhões de euros, dos quais 1,1 mil milhões estavam ocultados. O então procurador-geral da República, Pinto Monteiro, abriu um inquérito contra Jardim e seis responsáveis das finanças regionais pela suspeita de crimes de abuso de poder, violação de execução orçamental e prevaricação com dolo e na forma tentada. Em maio de 2017, o Ministério Público pediu o arquivamento do caso “Cuba Livre” no debate instrutório. O tribunal do Funchal concordou.

 COLAR OPOSITOR A TRÁFICO
 A Relação anulou, há dois anos e meio, a condenação que o Juízo Cível da Madeira aplicou a Jardim e ao então líder da JSD/Madeira, Marco Freitas, em março de 2015 [e confirmada em 2017], por associarem um dirigente do PND, Gil Canha, ao tráfico de droga. O incidente ocorreu numa inauguração, a 7 de outubro de 2009, quando o chefe do governo madeirense mandou os jovens da JSD abrir uma faixa em que se lia: “Canha foge para o Brasil! A Justiça venezuelana te procura.” Jardim e Freitas tinham sido obrigados a pagar oito mil euros a Canha, com juros.

 PERDOADO ESTILO “BOÇAL”

 Jardim acusou num evento, em 2008, o líder do PS/Madeira, Carlos Pereira, de ter tido o Turismo de Portugal a comprar-lhe uma empresa, que passou a fazer “trabalhos bem pagos para o governo dos Açores”. O socialista exigiu 35 mil euros de indemnização. A Vara Mista do Funchal ainda frisou que se tratou de uma mentira, que causou a Pereira “vergonha, vexame e humilhação”, mas ressalvou que, no “arquipélago e continente”, Jardim atacava os adversários com “um estilo contundente, descortês e, por vezes, boçal”, a que todos se habituaram e que “acabam por desvalorizar”.---NUNO MIGUEL ROPIO

JOANA DIAS ABSOLVEU JARDIM NUM OUTRO PROCESSO, EM 2017. CONTUDO, DESTA VEZ, NÃO QUIS FICAR COM ESTE CASO QUENTE EM MÃOS. A RELAÇÃO DEU LUZ VERDE AO PEDIDO

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