sábado, 15 de maio de 2021

«Calar os críticos, uma ambição persistente» escreve Francisco Teixeira da Mota

 


 Há dias, João Galamba, actual secretário de Estado da Energia, referindo-se ao programa Sexta às 9, na RTP, da jornalista Sandra Felgueiras, classiÆcou-o como “estrume” e “coisa asquerosa que quer ser considerada um programa de informação”, numa tentação e tentativa de condicionar ou destruir a informação que sobre si se produz. Infelizmente para o ar que respiramos, o secretário de Estado de Energia não foi capaz de reconhecer o seu grave erro, limitando-se a apagar o comentário da rede social em que o publicara. As interferências do poder político na comunicação social têm um rico historial no nosso país, parecendo útil lembrar dois episódios: No dia 4 de Outubro de 2004, Gomes da Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares do Governo de Santana Lopes, afirmou publicamente sentir-se “revoltado com as mentiras” e “as falsidades”, bem como as expressões de “ódio”, produzidas sobre o Governo por Marcelo Rebelo de Sousa, nos seus comentários políticos semanais no Jornal das 8 da TVI. Dois dias depois, o actual Presidente da República anunciou que cessava o seu comentário político, após uma reunião no dia anterior com Miguel Pais do Amaral, presidente do Grupo Media Capital, proprietário da TVI. Ouvido na Alta Autoridade para Comunicação Social (AACS), Pais do Amaral afirmou que a reunião fora marcada antes das declarações do ministro dos Assuntos Parlamentares e que a mesma tinha sido “um encontro de amigos” para pedir um aconselhamento jurídico, tendo constituído, para ele, uma surpresa a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de cessar o seu programa na TVI. Marcelo Rebelo de Sousa, também na AACS, esclareceu que Pais do Amaral não lhe havia solicitado nenhum aconselhamento jurídico, antes lhe tendo dito que, para viver, uma estação de televisão dependia de uma licença estatal e de condicionalismos económicos e financeiros do Estado e do Governo e que era inaceitável haver na TVI uma informação e uma opinião sistematicamente antigovernamentais, pelo que era necessário que Marcelo Rebelo de Sousa repensasse a orientação dos seus comentários, dando-lhe um prazo, para o efeito, de “duas semanas ou um pouco mais até ao final do mês”. Marcelo Rebelo de Sousa demitiu-se no dia seguinte. Na altura, a AACS concluiu que a intervenção de Gomes da Silva constituía uma “pressão ilegítima”. José Sócrates, então secretário-geral do Partido Socialista, considerou que este caso era uma questão “indigna de uma democracia adulta”, estando-se perante “aquilo a que vulgarmente se chama censura”, e Nuno Melo, presidente do grupo parlamentar do CDS, afirmou que a questão era “basicamente empresarial” e, por isso mesmo, “não tinha dignidade bastante para ser tratada no Parlamento”. Quase cinco anos depois, no congresso do Partido Socialista no início de 2009, foi aÆrmado que a TVI estava a contribuir para uma “campanha negra” contra o PS e, em 21 de Abril, numa entrevista à RTP, o então primeiro-ministro, José Sócrates, classificou o Jornal Nacional de sexta-feira da TVI, coordenado e apresentado por Manuela Moura Guedes, de “telejornal travestido” e de “espaço noticioso que tem como único objectivo o ataque pessoal feito de ódio e perseguição pessoal”. O Jornal Nacional de sexta foi suspenso abrupta e definitivamente em 3 de Setembro de 2009 e, ouvidos pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), tanto José Eduardo Moniz como Manuela Moura Guedes sustentaram que o fim do programa se deveu a ingerências dos poderes político e económico, denunciando que o Governo, através de António Vitorino, tinha infuenciado, ilegitimamente, a administração da TVI na sua decisão de suspender o programa, nomeadamente através de contactos com a Prisa ou o Governo espanhol e do recurso a mecanismos de natureza económico-financeira. A ERC, após uma prolongada averiguação, não considerou demonstrada que a decisão da administração da TVI de suspender o Jornal Nacional de sexta tivesse sido determinada por interferências do poder político, interferências contudo que, hoje em dia, creio que pouca gente duvidará de que tenham acontecido... Desta vez, o caso Sexta às 9 não irá, seguramente, desembocar num fim abrupto do programa, antes constituindo, inequivocamente, uma indelével mancha na carreira política do actual secretário de Estado de Energia.

Escrever direito- Jornal PÚBLICO


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