Camarada Cunhal
A grande evasão
Rodado no Forte de Peniche
O novo filme do realizador Sérgio Graciano centra-se na fuga que o prisioneiro Álvaro Cunhal ali protagonizou, em 1960.
Olhando simplesmente para o título, muitos espectadores podem ir aos cinemas pensando que vão ver um filme biográfico sobre o histórico líder do Partido Comunista Português. Mas Camarada Cunhal, que nesta quinta, 24, se estreia nas salas portuguesas, não é isso. O novo filme do realizador Sérgio Graciano (que em 2024 estreou Soares É Fixe, centrado na segunda volta das eleições presidenciais de 1986, disputadas por Mário Soares e Freitas do Amaral) está totalmente focado na espetacular fuga de Álvaro Cunhal e outros oito prisioneiros do Forte de Peniche em 1960. Praticamente toda a ação de Camarada Cunhal se desenrola dentro desse edifício (hoje Museu Nacional Resistência e Liberdade), recriando o ambiente opressor da época. O líder comunista esteve detido em Peniche duas vezes. A primeira entre 13 de dezembro de 1937 e 24 de maio de 1938 (em velhas instalações de antigas casernas militares). Quando ali chegou em 1956 (transferido de Lisboa, onde estava detido desde 1949), já foi para ocupar uma cela na nova penitenciária. E aí esteve (com uma passagem de oito meses pela enfermaria do Estabelecimento Prisional de Lisboa, em 1958) até à rocambolesca e bem planeada fuga, que aconteceu a 3 de janeiro de 1960, domingo, dia de um Belenenses-Benfica, que ajudava a distrair guardas e possíveis bufos. O facto de nove prisioneiros (além de Álvaro Cunhal, fugiram Jaime Serra, Joaquim Gomes, Carlos Costa, Francisco Miguel, Pedro Soares, Guilherme da Costa Carvalho, Rogério de Carvalho, José Carlos e Francisco Martins Rodrigues) se terem evadido daquela que era considerada a prisão de alta segurança mais moderna do País (pensada e construída tendo as modernas prisões norte-americanas como modelo) foi, naturalmente, um golpe forte e humilhante num regime que se orgulhava da sua força e autoridade.
PLANO (INCLINADO) PARA A FUGA
Planeada nos dois últimos meses de 1959 pelo secretariado do Comité Central do PCP (Octávio Pato, Joaquim Pires Jorge e Dias Lourenço), essa fuga só foi possível com a cumplicidade de um guarda da prisão (Jorge Alves, interpretado no filme por Tiago Teotónio Pereira) e depois da neutralização de outro guarda (Serrado, de seu nome) com clorofórmio. Foi Joaquim Gomes (Frederico Barata), que tinha chegado à prisão no início de 1959 com outros dois membros do comité central do PCP, Pedro Soares e Jaime Serra, quem se aproximou do guarda Jorge Alves, numa manobra arriscada, ao pressentir que ele não era assim tão fiel aos valores do Estado Novo (estava, aliás, insatisfeito com uma questão de promoção profissional) e até tinha alguma solidariedade em relação aos prisioneiros que guardava… A troco de uma generosa quantia (em negociações feitas com comunistas naturalmente fora da prisão) e da promessa de que seria enviado para o estrangeiro em segurança, com a família, depois da fuga, Jorge Alves acabou por aceitar ser cúmplice, apesar de várias hesitações (incluindo no dia em que tudo aconteceu, surpreendido por descobrir já com o plano em marcha que eram nove os prisioneiros que ele deveria levar, disfarçados debaixo do seu capote, para a muralha exterior, fugindo à vigilância das sentinelas). A história não acabaria bem para ele, que se suicidaria na Roménia, país para onde foi enviado meses depois dessa histórica e fria noite em Peniche. A complexa logística da fuga, dentro da prisão e em comunicação com o exterior, baseou-se num ardiloso sistema de troca de mensagens escritas em minúsculos papéis escondidos no forro da roupa ou na comida (nozes, bananas...) que os familiares dos detidos estavam autorizados a enviar para a cadeia. A narrativa do filme é um plano inclinado na direção do dia da fuga, e interrompe-se abruptamente assim que vemos que Álvaro Cunhal já está em liberdade.
RETRATO DE UM MOMENTO SÓ
O argumento de Camarada Cunhal baseou-se no livro de Adelino Cunha Álvaro Cunhal – Retrato Pessoal e Íntimo, publicado em 2019 na editora Desassossego, que conta pormenorizadamente o episódio da fuga da prisão. O realizador Sérgio Graciano preocupou-se, sobretudo, em ilustrar, passo a passo, o processo que levou à fuga – o que faz de Camarada Cunhal mais um filme sobre uma evasão (quase um género cinematográfico por si só, com vários exemplos made in USA) do que um retrato do protagonista que lhe dá título. O ator Romeu Vala consegue, fisicamente, ser bastante convincente na interpretação do jovem Cunhal (que, na verdade, no momento desta fuga já não era tão jovem assim, tinha 46 anos). Mas o filme não está feito de modo a que as personagens tenham uma grande densidade e identidade, e mesmo Cunhal parece ser, ali, só mais um prisioneiro interessado em fugir. É-nos apresentado, no início, numa cena de grande violência, quando está a ser torturado e espancado (o que, na verdade, não aconteceu antes da entrada, que vemos logo a seguir, no Forte de Peniche). O contexto político da época e o decisivo papel de Álvaro Cunhal no Partido Comunista Português são dados de forma tão superficial e passageira que quem vir o filme sem nenhuns conhecimentos da História portuguesa do século XX pouco ficará a saber de toda a conjuntura à volta daquela ação narrativa. Não há qualquer flashback ou preocupação em revelar a vida de Cunhal depois da fuga (que passaria pelo exílio em Moscovo, de onde regressou só em 1974), apenas a intenção de filmar o quotidiano da prisão enquanto se desenha um plano de evasão. Essas opções podem estar, também, ligadas ao baixo orçamento com que Camarada Cunhal foi, aparentemente, realizado, apostando mais numa linguagem de série televisiva ou telefilme. O final brusco, como se não houvesse tempo ou dinheiro para mais, parece involuntariamente inspirado na última página da longa “biografia prisional” de Álvaro Barreirinhas Cunhal, um documento oficial extenso, com caligrafias variadas, em que ficaram registadas, de forma burocrática e palavrosa, todas as suas passagens pelo sistema prisional, desde a detenção no Aljube, em julho de 1937, quando tinha apenas 23 anos. Esse relatório pode ser consultado, em fac-símile, no site da Torre do Tombo, e na derradeira página só tem uma breve inscrição, feita muito provavelmente com boas doses de raiva, vergonha e humilhação pelo funcionário de serviço: “Evadiu-se em 3/1/60.”
http://silenciosememorias.blogspot.com/2021/01/2965-fuga-de-peniche-3-de-janeiro-de.html
Há chibarros com sorte
ResponderEliminarPadre das esmolinhas, denunciado em tempos por AJJ como um dos ex-padres e ex-seminaristas que mandavam na Blandy's Folha, consegue pôr AJJ a cantar a Grândola. Só visto.
ResponderEliminarEle sempre disse que saiu de Peniche com um andar novo.
ResponderEliminarEstava bem oleado... ninguém o apanhou....
esse guarda deveria ser fuzilado
ResponderEliminarGuerra na Ucrânia: a Estupidificação das Elites Portuguesas !
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=thuUtHc5OeY
Viva o herói camarada Cunhal
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