Coreia do Norte vista por quem entrou no buraco negro do jornalismo
Aceitar as regras ou não entrar. Não cumprir e ser condenado a trabalhos forçados. Assim se faz notícias no país de Kim Jong-un
CAROLINA MORAIS “Não existe liberdade de informação.” “Não existe jornalismo.” “Não existe livre acesso a telemóveis ou à internet.” Entrar no buraco negro que é a ditadura da Coreia do Norte é para poucos. Explorá-lo não é para ninguém, contam os jornalistas que passaram por lá.“Estive lá uma semana, sempre acompanhado por dois oficiais: um do Ministério da Informação e outro do Ministério da Segurança. Sabiam que eu era da TV portuguesa e sabiam exatamente o que queria fazer, porque fui autorizado a acompanhar o embaixador de Portugal nesse país”, relata Vítor Gonçalves, da RTP, que em novembro de 2013 se tornou o primeiro repórter de um canal de televisão português a visitar o país de Kim Jong-un. O resultado, a reportagem Paralelo 38, não obrigou a visionamento do material. Por uma razão simples: “Os oficiais andavam sempre connosco, de manhã à noite, sabiam tudo o que estávamos a filmar. Ficavam no mesmo hotel que nós. Acordávamos, e eles estavam lá. Íamos dormir, e eles estavam lá. Este não é um regime com liberdade de imprensa. Eu sabia que era assim e fui preparado”, diz ao DN o atual diretor adjunto de informação da estação pública.
Antes de aterrarem, Vítor Gonçalves e os repórteres de imagem que o acompanharam, Bruno Jesus e António Nunes, apresentaram uma proposta detalhada dos locais que queriam visitar. Alguns foram autorizados, outros não. “Pedi para visitar a universidade de Pyongyang, porque havia um curso de língua portuguesa frequentado por dez alunos norte-coreanos. Fomos. Pedi para ir a Panmunjon, na fronteira com a Coreia do Sul. E fomos. Visitei também uma fábrica do programa alimentar mundial das Nações Unidas. Mas quando pedi para ir às instalações da televisão nacional, por exemplo, já não nos autorizaram”, recorda.
Dentro de fronteiras norte-coreanas, toda a comunicação é altamente limitada. Incluindo a que é feita através de telemóveis. “Não dá para fazer chamadas para fora do país. Quanto à internet, não existe acesso livre, só uma rede interna. Não existe jornalismo, sequer. Existe uma televisão nacional, que faz propaganda ao regime, e depois há um jornal do partido [dos Trabalhadores]. Não há liberdade de informação. O conceito não existe. Fazer perguntas, não existe”, frisa. Proibido falar com estranhos Anna Fifield, atual chefe de redação do The Washington Post em Tóquio, no Japão, era correspondente do Financial Times – entre 2005 e 2008 – quando conseguiu ter autorização para fazer cinco reportagens na Coreia do Norte. A sexta fê-la já em agosto de 2014 para aquele jornal britânico. “Eles não gostam de repórteres estrangeiros. É muito difícil obter um visto para entrar no país e, uma vez lá, o itinerário é desenhado pelo governo. Com sorte, quando acordamos, dizem-nos o que vamos fazer nesse dia.”
As regras são as mesmas há décadas. Tal como Vítor Gonçalves e Anna Fifield , também Rita Colaço não pôde andar sozinha nas ruas. A repórter da Antena 1 viveu a mesma experiência dos colegas em agosto de 2006, ainda na era de Kim Jong-il (pai de Kim Jong-un). Mas entrou integrada num grupo de turistas. Todos sabiam que era jornalista mas, ainda em Pequim, de onde voou até Pyongyang, foi aconselhada a dizer que era professora de Marketing. “Nunca me explicaram a razão, mas acabaram por me deixar fazer entrevistas e andei sempre de gravador na mão.” Apesar de não haver uma “censura aberta, sentiu um “convite à edição de certas imagens ou sons”. “São regras que não podemos quebrar. Não podemos falar com estranhos ou fotografar militares em andamento”, diz a jornalista, cuja reportagem “Coreia do Kim Jong-un, 33 anos, sucedeu no poder ao seu pai, Kim Jong-il, que morreu em 2011. É um general de quatro estrelas do Exército do Povo Coreano Norte: Um Segredo de Estado” recebeu o prémio Jornalismo contra a Indiferença, da AMI.
Não há forma de escapar às limitações. “Ou aceitamos as regras ou não nos deixam entrar. Estando lá dentro, podemos enfrentar a prisão sob a acusação de espionagem ou traição ao regime.” “Andar com pés de lã”, como diz, não foi fácil. “Não poder perguntar livremente, não poder decidir onde ir, quando ir, tirar fotografias... Senti-me sufocada pela presença constante dos guias. O único momento em que estive sozinha foi à noite, no quarto. Se até aí nos vigiam ou não, não sei.” O infiltrado britânico No mesmo ano em que Vítor Gonçalves entrou na Coreia do Norte como jornalista, John Sweeney, repórter do programa da britânica BBC Panorama , fê-lo clandestinamente. “Infiltrei-me entre turistas e nunca me comportei como jornalista. Foi complicado porque, à medida que a internet foi crescendo, a vigilância nestes grupos [de turistas] aumentou. Eles pesquisam-te no Google para ver se és jornalista e, se te descobrem, não te deixam entrar”, revela ao DN.
Tudo começou quando visitou a London School of Economics para dar uma das suas “habituais palestras”. “No final, convidaramme a mim e aos estudantes para fazer uma visita à Coreia do Norte.” Foi assim que se fez passar por professor. Quando a reportagem North Korea Undercover foi emitida, Sweeney foi fortemente criticado por ter negligenciado a segurança dos jovens que o acompanharam. “Não me arrependo de nada. A alternativa era não fazer [a reportagem].” As ruas não têm cor Daquilo a que assistiu, John retirou as mesmas conclusões do que os profissionais portugueses.
Antes de aterrarem, Vítor Gonçalves e os repórteres de imagem que o acompanharam, Bruno Jesus e António Nunes, apresentaram uma proposta detalhada dos locais que queriam visitar. Alguns foram autorizados, outros não. “Pedi para visitar a universidade de Pyongyang, porque havia um curso de língua portuguesa frequentado por dez alunos norte-coreanos. Fomos. Pedi para ir a Panmunjon, na fronteira com a Coreia do Sul. E fomos. Visitei também uma fábrica do programa alimentar mundial das Nações Unidas. Mas quando pedi para ir às instalações da televisão nacional, por exemplo, já não nos autorizaram”, recorda.
Dentro de fronteiras norte-coreanas, toda a comunicação é altamente limitada. Incluindo a que é feita através de telemóveis. “Não dá para fazer chamadas para fora do país. Quanto à internet, não existe acesso livre, só uma rede interna. Não existe jornalismo, sequer. Existe uma televisão nacional, que faz propaganda ao regime, e depois há um jornal do partido [dos Trabalhadores]. Não há liberdade de informação. O conceito não existe. Fazer perguntas, não existe”, frisa. Proibido falar com estranhos Anna Fifield, atual chefe de redação do The Washington Post em Tóquio, no Japão, era correspondente do Financial Times – entre 2005 e 2008 – quando conseguiu ter autorização para fazer cinco reportagens na Coreia do Norte. A sexta fê-la já em agosto de 2014 para aquele jornal britânico. “Eles não gostam de repórteres estrangeiros. É muito difícil obter um visto para entrar no país e, uma vez lá, o itinerário é desenhado pelo governo. Com sorte, quando acordamos, dizem-nos o que vamos fazer nesse dia.”
As regras são as mesmas há décadas. Tal como Vítor Gonçalves e Anna Fifield , também Rita Colaço não pôde andar sozinha nas ruas. A repórter da Antena 1 viveu a mesma experiência dos colegas em agosto de 2006, ainda na era de Kim Jong-il (pai de Kim Jong-un). Mas entrou integrada num grupo de turistas. Todos sabiam que era jornalista mas, ainda em Pequim, de onde voou até Pyongyang, foi aconselhada a dizer que era professora de Marketing. “Nunca me explicaram a razão, mas acabaram por me deixar fazer entrevistas e andei sempre de gravador na mão.” Apesar de não haver uma “censura aberta, sentiu um “convite à edição de certas imagens ou sons”. “São regras que não podemos quebrar. Não podemos falar com estranhos ou fotografar militares em andamento”, diz a jornalista, cuja reportagem “Coreia do Kim Jong-un, 33 anos, sucedeu no poder ao seu pai, Kim Jong-il, que morreu em 2011. É um general de quatro estrelas do Exército do Povo Coreano Norte: Um Segredo de Estado” recebeu o prémio Jornalismo contra a Indiferença, da AMI.
Não há forma de escapar às limitações. “Ou aceitamos as regras ou não nos deixam entrar. Estando lá dentro, podemos enfrentar a prisão sob a acusação de espionagem ou traição ao regime.” “Andar com pés de lã”, como diz, não foi fácil. “Não poder perguntar livremente, não poder decidir onde ir, quando ir, tirar fotografias... Senti-me sufocada pela presença constante dos guias. O único momento em que estive sozinha foi à noite, no quarto. Se até aí nos vigiam ou não, não sei.” O infiltrado britânico No mesmo ano em que Vítor Gonçalves entrou na Coreia do Norte como jornalista, John Sweeney, repórter do programa da britânica BBC Panorama , fê-lo clandestinamente. “Infiltrei-me entre turistas e nunca me comportei como jornalista. Foi complicado porque, à medida que a internet foi crescendo, a vigilância nestes grupos [de turistas] aumentou. Eles pesquisam-te no Google para ver se és jornalista e, se te descobrem, não te deixam entrar”, revela ao DN.
Tudo começou quando visitou a London School of Economics para dar uma das suas “habituais palestras”. “No final, convidaramme a mim e aos estudantes para fazer uma visita à Coreia do Norte.” Foi assim que se fez passar por professor. Quando a reportagem North Korea Undercover foi emitida, Sweeney foi fortemente criticado por ter negligenciado a segurança dos jovens que o acompanharam. “Não me arrependo de nada. A alternativa era não fazer [a reportagem].” As ruas não têm cor Daquilo a que assistiu, John retirou as mesmas conclusões do que os profissionais portugueses.
Como Kim gere o segundo país com mais censura no mundo
Na Coreia do Norte, todos os jornalistas têm de ser membros do Partido. O acesso a telemóveis e à internet é muito limitado
RETRATO Para se manterem no poder, países repressivos como a Coreia do Norte “usam uma combinação de monopólio mediático, perseguição, espionagem, ameaças de captura e restrições à entrada de jornalistas”. A descrição é do Comité para a Proteção de Jornalistas, cujos dados de 2015 apontam Pyongyang como o segundo país com mais censura no mundo (a seguir à Eritreia), ocupando há mais de dez anos essa ou a última posição do ranking .
Controlar as notícias e a cultura é um dos principais métodos usados para manter o poder, porém a realidade é escondida atrás da legislação: o Artigo 53.º da Constituição apela à liberdade de imprensa, mas o acesso à informação internacional é extremamente limitado. Quase todo o conteúdo oferecido pelos jornais, rádios e televisões vem da Agência Central de Notícias Coreana, que difunde, sobretudo, comunicados e atividades dos líderes políticos. Aqueles que querem aceder a informações para lá da fronteira, têm de recorrer a “sinais ilegais de rádio e televisão estrangeiros e ao contrabando de DVD”, explica a CPJ.
Nesta lógica, quase todos os acessos à internet são proibidos – só uma parte da elite tem acesso à rede global, podendo as escolas e outras instituições apenas entrar numa intranet controlada. A firmeza do líder Kim Jong-un em esconder factos inconvenientes dos norte-coreanos é tal que ele próprio mandou eliminar todos os vestígios de existência do tio, Jang Song-taek, executado no final de 2013 por traição ao regime. Jong-un fez mesmo questão de que os media descrevessem Song-taek como “desprezível escumalha humana, pior do que um cão”.
Funcionando os órgãos de comunicação social locais sob rígido controlo, todos os repórteres norte-coreanos têm de ser membros do Partido dos Trabalhadores. Os candidatos ao curso de comunicação social têm até de provar estar ideologicamente em sintonia com o governo e só nessa condição, e se forem membros de famílias apoiantes dos atuais líderes, serão aceites.
Uma investigação dos Repórteres sem Fronteiras frisa que, “como o governo parte do princípio de que o público não tem direito de acesso à informação de outros países, a missão dos media é providenciar uma defesa ininterrupta do regime”. “A imprensa, a rádio e a televisão continuam a proclamar a grandiosidade do socialismo norte-coreano, do eterno presidente Kim Il-sung [líder desde a fundação do país, em 1948, até à sua morte, em 1994] e do atual líder do Partido dos Trabalhadores.”
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