quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Gil Canha escreve no Funchal/Notícias sobre a perseguição judicial ao extinto jornal "Garajau"

A lei da Selva


Há dias, estava a sair da Assembleia Legislativa quando fui abordado por um emigrante da África do Sul, que me perguntou se ainda era publicado o jornal Garajau, pois o familiar que o enviava para África tinha falecido, e desde então nunca mais tinha tido notícias sobre o jornal. E alegre referiu: “Fartei-me de rir com as caricaturas e com os artigos, aquilo fazia abrir os olhos a muita gente”.Expliquei ao senhor que fôramos obrigados a encerrar o jornal, porque já não aguentávamos a perseguição levada a cabo pela justiça portuguesa, cujos tribunais, por dá cá esta palha, nos condenavam a duras penas. Aliás, Alberto João Jardim, sabendo desta persecutória característica do nosso aparelho judicial, ordenou aos seus apaniguados que abafassem o jornal com processos judiciais, o que foi feito, pois chegámos a ter mais de 40 processos em litígio nos tribunais da região, cujos valores de indemnização somados, chegaram a ultrapassar um milhão de euros, fora as custas judiciais milionárias que fomos obrigados a pagar, sem contar, obviamente, com os honorários dos nossos advogados.E veja lá – disse-lhe eu – só numa sentença sobre a célebre “Mafia dos Portos”, um tribunal Civil condenou-nos a pagar uma indeminização de 40 mil euros a um deles. E para o senhor perceber melhor, expliquei-lhe que para a justiça portuguesa, denunciar um crime de colarinho branco num jornal de “vão de escada” é três ou quatro vezes mais grave, que esfaquear um cidadão ou praticar um acto terrorista. Por exemplo, o tipo contratado pela “laranjada” para incendiar e destruir os meu património e o da minha família, e que foi apanhado pela Polícia Judiciária, foi condenado pelo tribunal a pagar uns míseros 9 mil euros de indemnização, ou ir para a cadeia. Até hoje, nem pagou nem foi para a cadeia. Ora, nove mil euros, foi quando pagámos por escrevermos uma reportagem no Garajau, onde denunciávamos uma marosca levada a cabo por um ex administrador do Jornal da Madeira que, para receber os suprimentos do Governo Regional, “mascarou” umas dívidas que o Jornal tinha ao fisco.Depois, começámos a perceber que certos juízes usavam a formalidade excessiva da lei portuguesa para perseguirem os jornalistas, por um lado, e por outro, utilizavam essa mesma formalidade para absolver os corruptos. E dei-lhe o exemplo do caso “Bragaparques”, em que o denunciante passou, num ápice, a vítima de uma teia judicial inimaginável de contornos verdadeiramente kafkianos.É por isso que este país está neste buraco, não só por culpa dos políticos, mas também porque o aparelho judicial, nomeadamente os magistrados do MP, não cumpriram cabalmente o seu trabalho, optando por arquivar a eito os inúmeros crimes de corrupção que eram denunciados na comunicação social, com as justificações mais absurdas que alguém possa imaginar.E referi ainda que, sob o pretexto generalista da difamação e da ofensa, os senhores juízes fecharam um jornal satírico e humorístico, que tinha um papel fundamental na denúncia de “crimes de colarinho branco” dos barões do regime jardinista, e a provar que a nossa luta era importante, hoje estamos todos a pagar os impostos mais caros do país e a passar grandes dificuldades, precisamente porque aqueles que foram pagos para zelar pelos nossos interesses, leia-se os magistrados do MP, nada fizeram. E não é inocente este caracter persecutório da justiça portuguesa relativamente à liberdade de expressão. Durante a Monarquia Constitucional e a I República, havia em Portugal centenas de jornais humorísticos, que eram verdadeiras janelas de liberdade, cidadania e de discussão de ideias. Com o advento do Regime Salazarista, a lei acabou logo com essas saudáveis liberdades, caindo sobre o país um verdadeiro manto de cinzentismo bolorento de sacristia, que tem perdurado até hoje nos nossos tribunais.E em jeito de despedida, disse ao senhor: – Mas não se apoquente, porque o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) já começou a estender a sua jurisprudência ao nosso país, apesar da resistência de certos juízes retrógrados, casmurros e intolerantes que ainda empestam os nossos tribunais.Nota final: Segundo dados oficiais do TEDH, os tribunais portugueses estão no top europeu das condenações por violações à liberdade de expressão. Entre Janeiro de 2005 a Janeiro de 2015, Portugal foi condenado 18 vezes pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, por a justiça portuguesa ter violado o direito à liberdade de expressão, ao condenar jornalistas e outros cidadãos por difamação. O próprio TEDH considera que a lei portuguesa tem normas de criminalização da difamação que são “obsoletas” e não cumprem os actuais padrões internacionais sobre as liberdades de opinião, e de informar e ser informado. O TEDH propõe inclusivamente, a revogação de diversas normas do Código Penal, e critica a nossa lei por haver falta de equilíbrio entre a liberdade de expressão e reputação, assim como a aplicação de penas desproporcionadas nos casos de difamação de titulares de cargos públicos. “Qualquer pessoa que possua um cargo de responsabilidade pública deve estar aberta ao escrutínio por parte do público, já que reflecte um entendimento básico da responsabilização democrática”, defende, Gil Canha.(Funchal/Notícias)
O deputado Gil Canha intervindo no debate esta manhã na ALRAM

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