O livro «O Processo: tentativas de condicionamento da informação em Portugal”, de Orlando Raimundo, é apresentado esta quarta-feira, 19 de Setembro, na redacção de O MIRANTE.
Este caso, sendo emblemático, é apenas mais um de uma longa lista das situações lamentáveis vividas nos últimos anos em Portugal. A condenação absurda, inicialmente decretada pelo Tribunal Judicial de Santarém, que o Supremo Tribunal de Justiça acabou por anular, foi mais um episódio da tragédia de que fala o filósofo francês Gaston Morand, quando refere «a revolta dos factos contra os códigos». A nossa Justiça não está adequada aos tempos que correm e os cidadãos há já muito que deixaram de acreditar nela, conforme revelam os barómetros que auscultam o sentimento do país.O jornalista Joaquim Emídio andou seis anos de Herodes para Pilatos pelos tribunais de Santarém, Évora e Lisboa, até que o caso viesse a ter o seu desfecho. Não é possível passar por isto sem sentir revolta e foi esse o sentimento que se apossou da equipa redactorial do semanário O MIRANTE. O Direito à Indignação, adicionado por Mário Soares às regras essenciais da Ética Republicana, não sendo um direito constitucional, é um sentimento que nenhum jurista que abrace a ordem social estabelecida pela Constituição de 1976 hoje porá em causa.Interessado pela história deste insólito caso, que bem poderia servir de argumento a uma telenovela da vida real, onde não falta o suspense, fui a Santarém consultar os documentos que o suportam, no tribunal da cidade.Quando o funcionário judicial colocou o processo sobre o balcão de atendimento ao público deparei-me com o que poderia ser parte da maqueta do muro que o presidente norte-americano Donald Trump quer construir na fronteira com o México: 38 densos volumes, complementados por registos digitais, totalizando 16,778 (dezasseis mil setecentas e setenta e oito) páginas. Era a perfeita demonstração do que é um Estado de Direito formado por burocracia enfadonha, repleta de papel, muito papel. As descrições de pormenor, geralmente dispensáveis, são redundantes, labirínticas, por vezes imperceptíveis.A narrativa de O Processo é a resultante de seis meses da consulta, investigação e reflexão sobre os contornos essenciais deste caso rocambolesco. Para tranquilidade dos leitores, direi que procedi com todo o cuidado à interpretação e tradução do «Advocacês», o habitual linguajar da comunidade jurídica, para português corrente.A história que envolve O Mirante assume a dimensão de um «case study», que importa por isso analisar. Não se trata de um caso isolado de ataque à Liberdade de Imprensa. Bem pelo contrário. É parte integrante de uma situação bastante preocupante e mais frequente do que se possa pensar: as tentativas continuadas de condicionamento da informação em Portugal.O caso tem ainda o mérito de suscitar sérias reflexões não só sobre o direito à informação e a livre expressão do pensamento, mas, também, de nos convidar a pensar sobre o estado de degradação em que se encontra a Justiça no nosso país. Rui Rangel, o desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, agora debaixo de fogo, disse um dia que «os juízes são a classe menos confiável em Portugal». Ele lá sabe... (O MIRANTE)
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