Os ideais da Revolução Francesa e o Direito moderno
No dia 14 de julho, comemora-se o Dia Internacional da Liberdade. A data é uma referência à Queda da Bastilha que, em 1789, marcou o início da Revolução Francesa. "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", esse foi o lema dessa luta que marcou a história e que determinou as diretrizes do que hoje entendemos por justiça e democracia.
Os fatores que desencadearam a Revolução Francesa, no final do século XVIII, são fundamentalmente de ordem ideológica e econômica. A miséria assolava a população, ao passo que a monarquia e o clero viviam no luxo exploratório. Os ideais iluministas propunham um Estado laico e que representasse o povo; paralelamente, a burguesia revoltava-se contra o regime absolutista, que impunha uma pesada carga tributária e dificultava o desenvolvimento do comércio.
Diante dessas condições, a população uniu-se para tirar o governo das mãos da monarquia, então representada por Luis XVI. A primeira medida foi a invasão da Bastilha, prisão política símbolo da monarquia francesa. Depois, a Assembleia Constituinte cancelou todos os direitos feudais e, no dia 26 de agosto de 1789, promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, este documento efetivava uma ruptura na política francesa, e dispunha de dezessete artigos e um preâmbulo, comprometidos em estabelecer princípios até hoje conhecidos, que funcionaram como pontapé inicial na elaboração das constituições ocidentais.
. Uma nova constituição passou a vigorar a partir de 1791. A Igreja teve seus bens confiscados e a França tornou-se uma monarquia constitucional, separando o poder em três: Legislativo, Executivo e Judiciário.
"Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não tem Constituição". Artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
Apesar de limitar os poderes reais, o novo governo foi dominado pela burguesia que, por sua vez, subdividiu-se em grupos divergentes: jacobinos (média burguesia), girondinos (alta burguesia) e sans-cullotes, que defendiam medidas populares que beneficiassem os mais pobres e tinham grande poder de mobilização política.
Os jacobinos, liderados por Robespierre, Danton e Marat, uniram-se aos sans-cullotes e, juntos, entraram em conflito com os girondinos. A instabilidade política tomou conta da França e monarquias vizinhas se sentiram ameaçadas com o avanço da revolução. Na tentativa de fugir, a família real francesa foi capturada e, em 1793, Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta morreram na guilhotina.
A Revolução Francesa significou o fim do sistema absolutista e dos privilégios da nobreza. O povo ganhou mais autonomia e os direitos sociais passaram a ser respeitados. Entretanto, a burguesia conduziu o processo de forma a garantir seu domínio social. Foi nessa época que se estabeleceram as bases da sociedade burguesa e capitalista. Os ideais iluministas difundidos na Revolução também influenciaram a independência de alguns países da América Espanhola e o movimento de Inconfidência Mineira no Brasil.
Após marchas e contramarchas entre girondinos (classes favorecidas) e jacobinos (povo) e a execução em praça pública, na guilhotina, de adversários do regime – posteriormente, também de líderes da Revolução e, até, do rei Luiz XVI e de sua família –, acabaram emergindo da Revolução Francesa legados que nem a era napoleônica, que a ela se seguiu 20 anos depois, conseguiu abafar e que hoje são patrimônio da humanidade.
Entre eles, cabe destacar:
- A abolição da escravatura nas colônias francesas;
- a reforma agrária, com o confisco das terras da nobreza emigrada e da Igreja, que foram divididas em lotes menores e vendidos a baixo preço aos camponeses pobres;
- a Lei do Máximo ou Lei do Preço Máximo, estabelecendo um teto para preços e salários;
- a entrega de pensões anuais e assistência médica gratuita a crianças, velhos, enfermos, mães e viúvas;
- auxílios a indigentes;
- a proclamação da Primeira República Francesa (setembro de 1872);
- elaboração da Constituição do Ano I (1793), que pregava uma ampla liberdade política e o sufrágio universal masculino (anda não o direito de voto da mulher). Essa Carta, inspirada nas ideais de Rousseau, era uma das mais democráticas da história;
- a Elaboração de outra Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita por Robespierre (um dos ideólogos da Revolução), em que se afirmava que a finalidade da sociedade era o bem comum e que os governos só existem para garantir ao homem seus direitos naturais: a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade;
- a criação do ensino público gratuito; - a fundação do Museu do Louvre, da Escola Politécnica e do Instituto da França;
- a elaboração do sistema decimal, até hoje praticado em grande parte do mundo.
O Iluminismo foi uma das causas mais importantes que deram origem à Revolução Francesa. Esse movimento intelectual tinha como crença um novo ideal – o Progresso. Priorizavam a explicação racional ao invés das antigas tradições. A relação entre os homens, dentro de uma sociedade, eram regradas pelas leis naturais segundo os iluministas. Pontificavam ainda que os desvios ocorridos dentro da mesma eram provocados pelo próprio povo, e a única maneira de serem solucionados os problemas era: “dando a todos liberdade de expressão e culto, e proteção contra a escravidão, a injustiça, a opressão e as guerras”
Entre os principais pensadores do Iluminismo, destacam-se alguns filósofos. São eles:
- Montesquieu: em uma das suas obras 11, o autor destaca que a única possibilidade de ter a liberdade garantida é com a autonomia dos poderes – Legislativo Executivo e Judiciário; essa autonomia estava presente na Constituição influenciada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
- Rousseau: em sua célebre obra “O Contrato Social”, e por sua enfática ideia de liberdade, o filósofo teve grande influência na Declaração, logo em seu primeiro artigo 12.
-Diderot: organizador da Enciclopédia defendia a liberdade econômica.
-Gournay: pontificava a liberdade de comércio.
- Adam Smith: enfatizava o livre exercício de trabalho
Heranças da Revolução no Direito brasileiro
O Direito que conhecemos hoje recebeu influências da Revolução Francesa. De lá para cá, mais de 200 anos depois, muitas constituições foram elaboradas no mundo todo tendo a democracia como bandeira. Na história do Brasil, a primeira constituição foi outorgada no dia 25 de março de 1824, pelo imperador Dom Pedro I e, seguindo ideais liberais, dividiu o poder em Executivo, Legislativo e Judiciário. Além disso, criou também um quarto poder, o Moderador.
Liderado exclusivamente pelo imperador, tinha a autonomia para interferir nos demais. Ou seja, era um governo monárquico disfarçado de liberal. Essa foi a primeira e, graças à evolução do Direito, a constituição brasileira chegou à oitava edição, a Constituição de 1988, vigente até hoje.
O lema central da revolução francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” é a base constitucional da Constituição Federal Brasileira de 1988. Os princípios nela presente visam a bem-estar da sociedade. Concluímos este artigo mostrando o lema central dessa Revolução presente em nossa Carta constitucional:
“Preâmbulo:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
A Constituição Federal Brasileira de 1988 enfatizou de forma bem abrangente à proteção dos direitos individuais – DIREITOS HUMANOS.
“As Constituições nasceram para limitar o exercício do poder do Estado e para assegurar direitos”.
Alguns autores vinculam a existência do Estado Brasileiro à promoção e proteção dos direitos humanos. Esses direitos encontram-se em sua maioria no artigo 5º da nossa Constituição. O “caput” desse artigo já menciona alguns direitos. Entre os principais reflexos da Revolução Francesa nos Direitos Humanos, os maiores foram os princípios da liberdade e da igualdade – mencionados no “caput” do art. 5º – os quais sem eles, não existiriam os outros direitos.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]
Segundo Robespierre, a constituição deve diminuir o poder dos governos em beneficio da liberdade do povo, “a lei só pode proibir o que prejudica a sociedade, só pode ordenar o que lhe for útil”.
O autor estabeleceu que a regulação dos impostos deveria acontecer de acordo com a capacidade contributiva, de maneira a não explorar os pobres, sendo que os ricos seriam incumbidos de ajudar a sustentar a sociedade como um todo.
Este princípio é similar ao Art. 145 da Constituição brasileira: “§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
Já a ideia de progressividade estabelecia uma alíquota maior, quanto maior o valor do bem, proporcionalmente. Na nossa Constituição a progressividade é encontrada no:
Art. 156 - “§ 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I - ser progressivo em razão do valor do imóvel;
II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”.
Consta ainda na Declaração a possibilidade de ajuda mútua entre os cidadãos para obter progresso no liberalismo. Conhecida como fraternidade, era um dever de mútua assistência, aliança dos povos contra os tiranos
Os homens de países diferentes eram também considerados irmãos, e deveriam ajudar-se mutuamente bem como os cidadãos do mesmo estado. No Brasil de hoje, a fraternidade se confunde com solidariedade, trata-se de um dever moral, não necessariamente traduzido de forma direta em normas jurídicas. Existem, no entanto, exemplos de solidariedade na constituição:
Art 195 – “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais.”
Ao longo dos anos, emendas foram acrescentadas, atualizações e reformulações foram feitas, estando o Direito em constante evolução.
"Conhecer o direito, na atualidade, não é tarefa fácil. (...) quando a Revolução Francesa consolidou um novo e extraordinário modelo de direito, fundado na lei, bastava ler e entender as leis e os códigos (napoleônicos). No tempo do legalismo (todo direito estava fundado na lei) era mais tranquilo aprender o direito e aplicar o direito. Em 1945, nos julgamentos de Nuremberg, diante do argumento dos nazistas de que mataram com base na lei, decidiu-se que o direito nem sempre se confunde com a lei. Lei injusta não faz parte do direito (Radbruch). A partir daí, para se conhecer o direito, necessitava-se saber a lei (e os códigos), a constituição e a jurisprudência.
Agora, com o advento do internacionalismo (a terceira onda do direito que foi consolidada no Brasil em 3/12/08, com a famosa decisão do STF – RE 466.343/SP), não sabe (mais) o direito quem não domina a lei (e os códigos), a constituição, a jurisprudência interna, os tratados internacionais e a jurisprudência internacional.
No século XXI, como se vê, o direito ficou mais complicado porque ele é construído (diariamente) pelos legisladores e pelos juízes. O direito vai do constituinte ao juiz (Villey). Todos os dias o direito muda (ou por obra dos juízes nacionais ou internacionais ou por obra do legislador). O que ele ostenta de permanente, portanto, é a contínua mudança (...)". Luiz Flávio Gomes [fonte]
"Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não tem Constituição". Artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
"Conhecer o direito, na atualidade, não é tarefa fácil. (...) quando a Revolução Francesa consolidou um novo e extraordinário modelo de direito, fundado na lei, bastava ler e entender as leis e os códigos (napoleônicos). No tempo do legalismo (todo direito estava fundado na lei) era mais tranquilo aprender o direito e aplicar o direito. Em 1945, nos julgamentos de Nuremberg, diante do argumento dos nazistas de que mataram com base na lei, decidiu-se que o direito nem sempre se confunde com a lei. Lei injusta não faz parte do direito (Radbruch). A partir daí, para se conhecer o direito, necessitava-se saber a lei (e os códigos), a constituição e a jurisprudência.
Agora, com o advento do internacionalismo (a terceira onda do direito que foi consolidada no Brasil em 3/12/08, com a famosa decisão do STF – RE 466.343/SP), não sabe (mais) o direito quem não domina a lei (e os códigos), a constituição, a jurisprudência interna, os tratados internacionais e a jurisprudência internacional.
No século XXI, como se vê, o direito ficou mais complicado porque ele é construído (diariamente) pelos legisladores e pelos juízes. O direito vai do constituinte ao juiz (Villey). Todos os dias o direito muda (ou por obra dos juízes nacionais ou internacionais ou por obra do legislador). O que ele ostenta de permanente, portanto, é a contínua mudança (...)". Luiz Flávio Gomes [fonte]
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