quarta-feira, 6 de julho de 2022

É muito perigoso exercer a liberdade de expressão em Portugal

 Vejam o caso do jornalista Emídio Rangel aqui referido pelo advogado José Preto


«Com teimosia assombrosa, o sistema continua a ignorar o massacre - porque não há outro nome - dos direitos fundamentais pelo aparelho judiciário.

A condenação do Estado em Estrasburgo no caso Emídio Rangel dá conta - evidentemente - da radical falta de respeito por estas condenações, porque o respeito exige a eliminação do problema que deu origem à condenação - mas também dos níveis de abuso e prepotência e da incapacidade desta Ex.ma gente perceber, até e sequer, as figuras que faz e a repulsa que geram.
Esta condenação, como as outras em matéria de violação do art. 10º da Convenção - o Tribunal Europeu anda sempre a repetir a mesma coisa, o que evidentemente é, no mínimo, um abuso do seu tempo - confirma integralmente o que fomos dizer ao parlamento com mais nove mil pessoas (das quais só perto de oito mil viram validadas as correspondentes assinaturas).
Neste momento e por consequência já não é possível dizer, como o disse o Advogado-Geral do Tribunal da Justiça no Luxemburgo, que a violação do Direito dos Tratados por um tribnal, ainda que confirmada pela Hierarquia dos Tribunais, não basta para comprometer o Estado na integralidade da sua existência institucional com a violação.
Ocorre aqui e porém que não é só a organização judiciária - alinhando dezenas de milhares de condenações aberrantes q.e.d. - mas o parlamento também (a universidade também, a propósito).
Diria pois e portanto ser clara a violação do Direito dos Tratados e possível, por consequência, endurecer a posição face à doentia gente que tais coisas perpetra.
(Com espírito de desafio ao Direito, aliás).
Motivo pelo qual quem haja subscrito coisas dessas, talvez deva ver a sua posição revista. Desde logo no plano da responsabilidade solidária com o Estado. E no plano da inviabilidade do desempenho de funções de aplicação da Lei por parte de gente que a viola para terror dos seus concidadãos.
Porque, para usar a expressão do aresto do caso Emídio Rangel, a quebra de proporção apta a interferir pela inibição temerosa na liberdade do debate político, não pode olhar-se de modo que a distinga, sem grandes dificuldades, do exercício do terror.
Mas a Lei ordinária é péssima. Indecorosa, mesmo. Incompatível com qualquer forma de Democracia, como disse a senhora Condoleezza Rice (em Timor) referindo-se especificamente a tais normas. (Não há apenas o problema da sua doentia aplicação).
E o Parlamento, interpelado por nove mil dos seus concidadãos - em pretenso debate no plenário- veio ostentar a indigência intelectual mais confrangedora no tratamento desta questão. Que é uma gravíssima questão.
Decidiram - além disso e em sequência - elevar os números de peticionantes necessários à discussão em plenário para sessenta mil (o número necessário à iniciativa legislativa popular) e só o veto presidencial o impediu.
O Advogado Geral do Tribunal de Justiça da União já não pode com facilidade dizer que o Estado se não encontra integral e completamente comprometido. Porque a verdade é que o está.
E talvez não seja pior, por consequência, reunir sessenta mil assinaturas (como eles queriam) numa queixa contra o Estado á Comissão Europeia, com cópia ao Senhor Secretário-Geral do Conselho da Europa (a título meramente informativo).
Depois, ou a Comissão não vê nisto violação do Direito dos Tratados (o que é difícil) e do que disser cabe recurso para o Tribunal de Justiça, ou a Comissão vê nisto a violação séria em presença e toma a posição que entender (apresentando ela em Tribunal a queixa contra o Estado, designadamente).
Estas coisas não podem continuar a acontecer. E gente que tenha subscrito coisas destas... Não está plausivelmente a desempenhar as funções de juiz da República, mas de qualquer outra entidade para a qual deve talvez ser remetido. se a tanto não obstar o Direito por exigência de diverso destino.»

Estado condenado a indemnizar Emídio Rangel 7 anos após a sua morte

O Estado português vai ter de pagar 50 mil euros às herdeiras do jornalista por danos materiais e custas e despesas.

OTribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou esta terça-feira o Estado português a pagar mais de 50 mil euros às herdeiras do ex-diretor da SIC Emídio Rangel após este ter sido obrigado judicialmente a indemnizar sindicatos das magistraturas.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou o Estado português a pagar 31.500 euros às herdeiras do jornalista e fundador da TSF a título de danos materiais e 19.874,23 euros a título de custas e despesas, num caso relacionado com liberdade de imprensa.

Segundo o Tribunal de Estrasburgo, o caso reporta-se à condenação de Emídio Rangel por declarações proferidas sobre os sindicatos dos juízes e dos magistrados do Ministério Público durante uma audição numa comissão parlamentar sobre o tema da liberdade de expressão e os meios de comunicação social.Na sua então intervenção, Rangel criticou a alegada interferência política daquele sindicatos e responsabilizou procuradores e juízes pelas constantes violações do segredo de justiça em processos sensíveis e de natureza política.

Em consequência, de ações interpostas por estes sindicatos, Emídio Rangel foi condenado a pagar 56 mil euros à Associação Sindical dos Juízes Portugueses e ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, sendo que parte desse valor foi já pago pelos herdeiros após a morte do jornalista em 2014.

Por unanimidade, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou que, na condenação de Emídio Rangel pelos tribunais portugueses, houve uma violação da liberdade de expressão (artigo 10) consagrada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.No acórdão, o TEDH entendeu que a indemnização a que Emídio Rangel foi obrigado judicialmente a pagar foi "totalmente desproporcionado" e terá tido um efeito "desencorajador na discussão política".

Considerou ainda o TEDH, que os tribunais portugueses não fundamentaram adequadamente a decisão judicial na qual condenaram Emídio Rangel e que tudo o que se passou não era necessário numa sociedade democrática.

Emídio Rangel nasceu em 1947 e residia em Lisboa. Morreu em 2014 e as suas duas filhas assumiram o pedido formulado ao TEDH.

De acordo com o TEDH, foi em meados de 2010 que a Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) apresentaram separadamente queixas criminais contra Emídio Rangel por "ofensa a pessoa colectiva.

Rangel foi condenado em 2012 pelas duas acusações de ofensa a pessoa coletiva pelo Tribunal Criminal de Lisboa, tendo sido obrigado ao pagamento de uma indemnização de 50 mil euros a cada um dos sindicatos e ainda multado em 6.000 euros.Conforme relata o TEDH, o tribunal português deu como provado que Emídio Rangel agiu com dolo e proferiu juízos e declarações consideradas ofensivas para as duas organizações judiciárias . Esta sentença foi confirmada pela Relação de Lisboa, que reduziu contudo a indemnização a pagar a cada um dos sindicatos para 10 mil euros.

As duas associações profissionais recorreram ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo este tribunal superior decidido a favor dos sindicatos, aumentando o valor da indemnização para 25 mil euros para cada um dos sindicatos/associações.

A indemnização a pagar ao SMMP foi pago já após a morte de Emídio Rangel através da herança do jornalista.

Emídio Rangel morreu em agosto de 2014.

https://www.dn.pt/sociedade/portugal-condenado-a-pagar-50-mil-euros-a-herdeiras-de-emidio-rangel-14480459.html

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