Coisas que não se entendem: fugiu da prisão de segurança máxima de Vale de Judeus em Abril de 1998, Portugal pediu então explicações diplomáticas ao Brasil, que lhe dera o passaporte que permitiu a fuga, mas, depois disso, nada mais se soube, excepto que o seu mandado de detenção e o resto da pena que faltava cumprir expiraram em 8 de Abril de 2018. A indemnização devida à família da vítima (1.600 contos, na altura), essa, nunca foi paga - nem pelo padre, nem pelo Estado, nem pela Igreja. E, mesmo após a condenação transitada em julgado, e da sua fuga da cadeia, a diocese do Funchal não lhe abriu qualquer processo canónico, algo que impedisse Frederico Marcos da Cunha de voltar a exercer funções sacerdotais: "pelo que é dado a saber de então, não existiu qualquer processo canónico, pois tudo se iniciou e decorreu no âmbito civil, com o desfecho que todos conhecemos", esclareceu a diocese ao semanário Sol, de 31/7/2015. E o "desfecho que todos conhecemos" é que a República Federativa do Brasil, que se saiba, nunca prestou as explicações pedidas por Portugal - pelo menos, as que permitissem ao nosso governo ter informado o país sobre o sucedido: se era para não dizer nada, para quê pedir explicações? -, e também todos conhecemos que Frederico Cunha reside hoje num apartamento em Copacabana, que ganha a vida vendendo fotografias abstractas, e que, segundo diz, reza missas "numa pastoral", que não quer especificar. Afirmou ainda o padre, ex-padre ou padre a meio-tempo, não pertencer à diocese do Rio, já que continua ligado à igreja do Funchal ("a minha diocese é a Diocese do Funchal, sempre foi. Nunca mudei a minha diocese"). A Cúria Metropolitana da Arquidiocese do Rio de Janeiro diz desconhecê-lo ("Não consta qualquer registo de documento autorizando o exercício do ministério para o padre Frederico Marcos da Cunha") e a diocese funchalense reconhece o óbvio: nunca moveu um dedo para impedir que Frederico Cunha, mesmo condenado e fugido por crime de homicídio - repete-se: homicídio -, continuasse a exercer o sacerdócio. Numa reportagem de Bárbara Reis ("Padre Frederico, outro país", Público, de 9/12/2012), ficamos a saber que, durante dez anos, Frederico Cunha acumulou suspeitas de pedofilia em todas as paróquias por onde foi passando: Caramanchão, São Jorge, Ilha, Machico, Ribeira Grande, Maroces, Água de Pena. Numa delas, a do Piquinho, falava-se da sua "técnica do sofá": aos domingos à tarde, depois da missa, o padre pedia às crianças que se sentassem no sofá, todas ao mesmo tempo, aos sete, oito e dez de cada vez, para que, quando não restasse um milímetro de espaço livre, ele se atirasse para cima de todos em grande divertimento. Sempre que as suspeitas se avolumavam, o bispo D. Teodoro de Faria transferia-o para outra paróquia. Conheciam-se bem, desde os tempos de Roma, quando o prelado aí dirigia o Pontifício Colégio Português e o jovem brasileiro professava na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz. Frederico foi ordenado na Madeira, para onde Teodoro o trouxera, fazendo-o seu secretário particular; depois, prescindiu dos seus serviços, mas nunca impediu, e até promoveu, que continuasse a exercer funções em diversas e sucessivas paróquias madeirenses. Numa delas, São Jorge, onde esteve de 1987 a 1990, conheceu Miguel Noite, filho de uma família pobre, que se tornou seu afilhado, amante e cúmplice, pois acabou condenado a 15 meses de cadeia, com pena suspensa, por falsas declarações e encobrimento do homicídio de Luís Miguel Escórcio Correia, de 15 anos, cujo cadáver seria encontrado na manhã de 2 de Maio de 1992 na pequena praia abaixo dos penhascos do Caniçal, Ponta de São Lourenço.
Anos depois, o procurador do processo, Marques de Freitas, diria ter sido "vítima de muitas pressões, vindas de muitos quadrantes, não só da Igreja". O bispo D. Teodoro protestaria com veemência contra a prisão de Frederico, comparando-o a Nosso Senhor no Calvário, e dizendo ser ele "inocente como Jesus Cristo". De seu lado, o presidente do governo regional, Alberto João Jardim, diria que "certa comunicação social do Continente" estava a usar o caso "para denegrir a imagem da Madeira". Em 1993, o Tribunal do Funchal condenou Frederico Marcos da Cunha na pena única de 13 anos de prisão, pelo crime de homicídio e homossexualidade com menor, sentença confirmada pela Relação de Lisboa. Em Abril de 1998, aproveitando a sua primeira saída precária, concedida pela juíza Margarida Vieira de Almeida, o padre fugiu para Madrid num carro alugado e dali, na companhia da mãe, apanhou um avião para o Brasil ("em rigor, o padre Frederico não fugiu, o padre Frederico apenas não se apresentou", na curiosíssima interpretação do seu advogado de defesa, Romeu Francês). Usou para o efeito uma segunda via do passaporte brasileiro, já que o original fora apreendido à ordem do tribunal, logo que foi condenado. Foi isso que motivou o pedido de explicações ao país-irmão, sobre o qual pouco mais se soube, como também não se soube que responsabilidades se apuraram para o facto tão bizarro e estranho de os serviços prisionais só terem dado conta de que Frederico fugira mais de 24 horas depois de ter expirado o prazo para regressar à cadeia. Mal chegou ao Brasil, o padre disse em entrevista à SIC que fugira para tentar provar a sua inocência ("em Portugal eu não conseguiria provar que era inocente"), coisa que, passados 25 anos, ainda não fez nem tentou fazer. Quanto ao processo que o condenou, em primeira e em segunda instância, diz ter sido alvo de um "método fascista", que resume assim: "Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler que matou os filhos e a esposa e se suicidou, disse uma coisa muito interessante: "uma mentira muitas vezes repetida torna-se verdade, ou pelo menos aparenta ser verdade". Foi o que aconteceu comigo."
Mais recentemente, em Setembro de 2020, no programa "Depois do Crime", da RTP, Frederico qualificou o julgamento que o condenou como "um lixo" e, no mesmo programa, o bispo D. Teodoro voltou a protestar a inocência do seu antigo secretário; sem apresentar provas que infirmassem a decisão do Tribunal do Funchal e da Relação de Lisboa, Teodoro considerou que "afinal ele não era culpado daquela morte que eles diziam", dizendo ainda que Frederico "nunca matou ninguém." "Quanto ao resto, não me pronuncio", rematou o bispo. Reagindo às sucessivas entrevistas televisivas dadas por Frederico, o procurador Marques Freitas acabou perguntando o óbvio: "como é possível que aquele indivíduo, que ainda é padre, diga que pertença à diocese do Funchal e ninguém diga nada?". O procurador recordou ainda, a este propósito, que, em tribunal, quatro testemunhas disseram ter sido abusadas pelo padre quando crianças. Mais grave ainda: em declarações ao Notícias do Funchal, prestadas em Abril de 2002, D. Teodoro reconheceu a prática de actos pedófilos por parte do seu antigo secretário. Por telefone, o padre e a mãe disseram-se "chocados" com as palavras do prelado - e nós também. É que, em 2005 e em 2007, já depois de reconhecer a pedofilia de Frederico, o mesmo Teodoro Faria nada fez quanto a denúncias chegadas à Judiciária sobre outro sacerdote, o padre Anastácio Alves, e limitou-se, como sempre, a transferi-lo de paróquia. Porque se calou o bispo durante tantos e tantos anos? Porque não impediu a reiteração daqueles crimes? E porque permitiu que se chegasse à situação caricata de um condenado à justiça portuguesa permanecer sacerdote da sua diocese, sem lhe abrir qualquer processo canónico?
A questão, entendamo-nos, não está em saber se Frederico Cunha é ou não inocente, pois sobre isso sempre haverá muitas e desencontradas opiniões, ou sobre se, para a decisão condenatória do tribunal do Funchal, não terá pesado a homossexualidade e algumas estranhezas do arguido (o trajar de negro, sempre de óculos escuros, a caveira no seu Volkswagen carocha, também preto, as caveiras nas fivelas dos cintos). O problema está, isso sim, no facto de alguém ter fugido à justiça portuguesa sem que nada se saiba como terá escapado, quem lhe terá dado o passaporte do Brasil, que cúmplices terá tido, dentro ou fora da Igreja. Não se percebe, de igual sorte, o atroz silêncio da diocese funchalense, quase parecendo que Teodoro receia e teme Frederico. Sobretudo, acima de tudo, não se compreende o facto de a indemnização à família jamais ter sido paga, o mínimo que o Estado deveria fazer, após ter deixado fugir um homicida condenado, e o mínimo que a Igreja também deveria fazer, após tê-lo protegido durante anos e anos, em total e abjecto desprezo pelas suas vítimas.
A mãe de Frederico Cunha já morreu e este, com 73 anos, vive hoje no Rio de Janeiro, tendo dito reiteradamente, pudera, que não tenciona regressar a Portugal. O cúmplice Miguel Noite estudou Sociologia na Bélgica e trabalha actualmente em França, como jornalista. A mãe de Luís Miguel, Gorete Correia, morreu em 2018, e o padrasto deixou a ilha. Quanto ao pai do miúdo morto, que encontrou o cadáver do filho no fundo da ravina do Caniçal, encontra-se, parece, emigrado em Inglaterra. Ou seja, e em suma, nenhum dos protagonistas da história reside hoje em
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .
(Alexandre O"Neill, "Portugal", in Feira Cabisbaixa, 1965)
https://www.dn.pt/cultura/padre-frederico-coisas-que-nao-se-entendem-16990669.html
É de estranhar nenhum comentário dos criminosos PPD, por aqui.
ResponderEliminarFaltou acrescentar que Carlos Machado também já morreu e o seu VW Carocha preto há muito que desapareceu...
ResponderEliminarO Macedo na ilha já não tinha "saida"e foi abafar para outras paragens e fugiu.
EliminarQuis imitar o Frederico.
Sim. O conhecido pedófilo Machadinho, chefe de gabinete de AJJ.
ResponderEliminarMACHADINHO!
ResponderEliminarMas o sucateiro do Estreito apareceu morto e ninguém investigou porquê…
ResponderEliminarO dom Teodoro também andou com o padre das esmolinhas
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