terça-feira, 6 de julho de 2021

A verdade sobre a guerra colonial sempre foi escondida nos midia Portugueses, sujeitos à censura. Sabia-se a verdade lendo a imprensa estrangeira

 Diz o  historiador Manuel Lof:

 1961: quando começou a guerra?

 «Há 60 anos, a 9 de junho de 1961, Portugal era condenado pela primeira vez no Conselho de Segurança das Nações Unidas por causa da Guerra Colonial. Nove dos 11 países representados votaram a favor, incluindo os EUA (principal motivo de preocupação e irritação para Salazar), de uma resolução que recordava a Portugal o dever de proceder à “transferência de todos os poderes, sem condições ou reservas, para as populações dos territórios [sob dominação colonial]” e apelava à “cessação de todas as medidas repressivas” em Angola que o Governo português adotara desde a rebelião de fevereiro, em Luanda, recordando o seu dever de “respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais” das populações sujeitas ao seu domínio colonial. 
  Nesse mês de junho, as tropas que Salazar  mandara para Angola depois do seu discurso do “depressa e em força” estavam a começar o processo de reconquista do Norte. Três meses antes, os massacres do 15 de Março (em que terão morrido 800 colonos portugueses e várias centenas de serviçais angolanos) tinham dado lugar à organização de milícias de colonos, que, com a ajuda das primeiras tropas enviadas para o Norte, terão sido responsáveis pelos chamados contra massacres perpetrados nos primeiros seis meses nos quais se estima tenham sido mortos 30 a 50 mil angolanos. As notícias das represálias portuguesas circulavam livremente em Angola, transformando em heróis figuras como o alferes Robles e o capitão Mendonça, mas sempre na condição de não serem abertamente divulgadas pelos meios de comunicação por forma a não alimentar as campanhas internacionais contra a repressão portuguesa.
  É que esta não começara no Norte, nem depois do 15 de Março. Começara em fevereiro, e diretamente em Luanda, como represália pelas duas tentativas (4 e 11 de fevereiro) de assalto feitas por independentistas angolanos para libertar vários presos políticos que receavam a sua iminente transferência para Portugal. Em resposta aos cinco guardas mortos (face a 54 independentistas, no mínimo), muitos colonos lançaram-se logo no primeiro dos funerais em represálias desenfreadas sobre os habitantes dos muceques de Luanda, não simplesmente no calor dos acontecimentos, mas ao longo do resto do mês de fevereiro. James Wardrop, o cônsul britânico na cidade, descreveu como, “noite após noite, brancos armados de gatilho fácil [trigger-happy] Fizeram incursões nos bairros nativos, matando os habitantes e queimando as suas palhotas”.

 Com a chegada de refugiados a Luanda vindos do Norte depois do 15 de Março, o processo recomeçou, desta vez, segundo as informações que chegavam ao consulado, já com a participação “menos inibida” [sic] de soldados recém-chegados de Portugal que se juntavam a colonos em carrinhas de caixa aberta e iam literalmente fazer tiro ao alvo para os muceques. Estava-se em Luanda, não nas fazendas do Norte. No início de maio, três meses depois dos assaltos às cadeias e seis semanas depois do 15 de Março, os raides aos muceques continuavam.

 A desvalorização que na memória coletiva portuguesa se faz do 4 de Fevereiro decorre essencialmente da omissão pura e simples destes acontecimentos. A memória portuguesa da violência concentra-se na que foi praticada contra fazendeiros portugueses e muitos dos seus serviçais mas, na sua grande maioria, tende a omitir as represálias maciças praticadas depois do 15 de Março no Norte de Angola e a ignorar, talvez pelo sucesso da censura, aquela que vinha sendo praticada desde fevereiro pelos colonos nos muceques de Luanda. Fora esta, aliás, que levara a que, ainda em março, antes dos massacres do Norte, a questão fosse discutida no Conselho de Segurança, mas ainda sem consequências. O que se não sabia em Portugal, divulgava-se por todo o mundo. 

 Como em todas as histórias, situar o início dos processos históricos é o primeiro procedimento argumentativo para os explicarmos. Quando falamos de conflitos que envolvem violência, e violência de massa, situarmos num momento ou noutro o seu início tem sempre implicações de natureza moral que contribuem decisivamente para o processo de atribuição de responsabilidades. Dizer que a guerra em Angola começou com os massacres do 15 de Março e não com a rebelião do 4 de Fevereiro em Luanda e as represálias que se lhe seguiram ajuda à narrativa da violência legítima, como se tivessem sido os independentistas a provocar a guerra
(fonte: jornal Público)

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