sábado, 19 de outubro de 2024

Teixeira da Mota analisa mais um caso relacionado com a liberdade de expressão

 Analisando o caso do Professor David Miller

Uma legítima crença anti-sionista


David Miller, professor de Sociologia Política na Universidade de Bristol, foi demitido em Outubro de 2021, na sequências de queixas por ter proferido comentários considerados anti-semitas — tinha afirmado, entre outras coisas, que a islamofobia, no Reino Unido, era motivada em grande parte por “cinco pilares”, um dos quais era o movimento sionista e que umas conhecidas associações de estudantes judias inglesas eram peãs políticas do Governo de Israel. Miller não aceitou ser silenciado e despedido e recorreu ao Tribunal de Trabalho para ser indemnizado pela universidade, já que tinha sido despedido injustamente em violação do Equality Act 2010 que proíbe o tratamento discriminatório, nas relações laborais e na utilização de serviços privados ou públicos, por diversos motivos, nomeadamente, em razão da religião ou das crenças (beliefs). Miller defendeu que a sua oposição ao sionismo era uma crença filosófica que devia ser respeitada e não podia ser discriminado (despedido) em virtude de a ter expressadopublicamente. Explicou Miller que, como consta na sentença que veio a ser proferida quando se refere ao “sionismo”, está a referir-se à “ideologia que defende que deve ser criado e mantido um Estado para o povo judeu no território que anteriormente constituía o Mandato Britânico da Palestina”. A sua convicção de que o sionismo, tal como o define, é inerentemente racista, imperialista e colonial baseia-se na sua constatação de que o sionismo “apela necessariamente à deslocação e à privação de direitos dos não-judeus a favor dos judeus e, por conseguinte, está ideologicamente vinculado a práticas de apartheid, limpeza étnica e genocídio na procura de controlo e expansão territoriais”. Miller, em tribunal, sublinhou o que considerava ser o enquadramento racista e colonial das obras dos ideólogos fundadores do sionismo, referindo também que a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch tinham considerado Israel como “um Estado de apartheid”, dando exemplos de “leis racistas” de Israel, que afirmou serem um corolário necessário do sionismo, como as relativas à emigração ou ao “regresso”. O tribunal ouviu testemunhas a que acresceram 5230 páginas de documentos, sendo que a questão central a responder era a de saber se o anti-sionismo de Miller preenchia os requisitos para se configurar como uma crença protegida em termos da Equality Law 2020 e pela liberdade de expressão consagrada na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Tinha de apurar também se o seu despedimento fora motivado por essa crença filosófica. Para o tribunal uma crença para ser protegida tinha de ser: a) genuína; b) uma crença e não uma opinião ou um ponto de vista baseado no estado actual da informação disponível; c) uma crença relativamente a um aspecto importante e substancial da vida e do comportamento humanos; d) tinha de ter um certo nível de coerência, seriedade, coesão e importância; e) tinha de ser digna de respeito numa sociedade democrática; f) tinha de não ser incompatível com a dignidade humana; e g) não entrar em conflito com os direitos fundamentais de terceiros. Os últimos requisitos (respeitabilidade democrática e compatibilidade com a dignidade humana) excluem as crenças que rejeitam o pluralismo social ou que aviltam outras pessoas. Em Fevereiro do corrente ano e agora em Outubro num julgamento final, o Tribunal do Trabalho de Bristol veio, neste processo Dr David Miller v University of Bristol dar razão ao professor Miller, considerando o seu despedimento injustificado, já que fora motivado pelo seu anti-sionismo, que classificou como uma crença filosófica legítima, pelo que deveria ser indemnizado, sublinhando o tribunal que Miller era, há muitos anos, um especialista em sionismo e que a sua oposição ao sionismo era uma crença filosófica que não significava uma oposição ou ódio aos judeus. Segundo o jornal Guardian, o Tribunal de Trabalho, numa decisão histórica, concluiu que “a convicção de que as acções de Israel equivalem a apartheid, limpeza étnica e genocídio é “digna de respeito numa sociedade democrática”. Não me parece que possa haver muitas dúvidas que é uma convicção/opinão mais do que legítima que cabe na nossa liberdade de pensamento e de expressão. 

P.S. 1. – Era muito importante, para comprovar que o nosso sistema de justiça não pode ser menosprezado pelos poderosos, que Ricardo Salgado comparecesse em tribunal. Já o minicalvário a que o sujeitaram (?) publicamente me parece ser não só inútil como uma perversão. 

P.S. 2. – Face à notícia que um juiz do Supremo Tribunal de Justiça recebia dinheiro e favorecia um clube de futebol, qual a posição pública do STJ? Assobiar para o lado? O que dirá a vox populi?


2 comentários: