Manuel Loff análisa com muita nitidez a intervenção do presidente Marcelo
Manuel Loff
«Não, não é minimamente proporcional! Não, não é aceitável que o Presidente da República finja que se esqueceu de tudo quanto escreveu sobre Direito Constitucional democrático e, intimidado pelos Torquemadas todos que difundem o vírus do pânico e acusam de “cobardia” quem não está em pânico como eles, se coloque à frente do partido do alarmismo e banalize o recurso ao estado de emergência num momento em que não há qualquer indício social de desprezo pelas medidas sanitárias já impostas!
O Presidente faz mal em dar ouvidos aos alarmistas (autarcas, académicos do “eu bem vos avisei”, Chicões e influencers do terror social no Facebook) que, depois de fecharem milhões em casa (ajudando a que quem é já portador do vírus contamine depressa os seus conviventes forçados 24/24 horas), se horrorizam com gente a correr ao ar livre ou sentada num parque público, e que, só por isso, quer polícias e soldados transformados em gestores improvisados de saúde pública, a deterem cidadãos pela rua. Era bem melhor que, por cima da sua idiossincrática visão da doença e da saúde (cada um tem direito à sua, mas o Presidente de uma República não tem o direito de a impor sem boa fundamentação científica e ponderação política), ele ouvisse mais a Direção-Geral da Saúde, gente que lhe explique o necessário equilíbrio entre medidas de contenção e esse mínimo de vida social e afetiva que permite produzir, distribuir, assegurar a vida daqueles a quem se recomenda ficar em casa.
Ou será que o Presidente também quer mandar para casa quem trabalha? Não se dá ele conta que o estado de emergência só vem aumentar o estado de alarme social que serviu de justificação para o encerramento de tudo quanto é público, fazendo com que aqueles que têm mantido o país a funcionar se perguntem porque não podem/deveriam eles fechar-se em casa também? Julga ele que o estado de emergência aumenta a segurança sanitária para quem tem, deve, continuar a trabalhar? Quando o número de casos continuar a subir (como sobe em Itália desde que se impuseram as medidas de restrição absoluta à mobilidade, ao mesmo ritmo que subia sem elas), não percebeu ele que o partido do pânico clamará que “isto não está a funcionar!” e vai pedir que se parem transportes públicos, se fechem fábricas, se imponha o recolher obrigatório, se limite a uma hora por dia a saída de casa? Cedeu-se ao pânico uma vez, ceder-se-á sempre...
Não, sr. primeiro-ministro, não diga que “sempre que o Presidente assim considerar, o Governo cá estará para executar essa ordem”! Diga-lhe não agora para não ter de lhe dizer sim cada 15 dias, quando, perante uma situação inevitavelmente pior que a atual, o Presidente continuar a insistir que há que renovar o estado de emergência, ou pedir um upgrade para o estado de sítio! Não, não deixe que o partido do pânico venha pedir a revisão da Constituição para permitir tornar permanentes exceções que só se deviam permitir por 15 dias! Não, peça à Assembleia da República que não deixe que o homem dos afetos se transforme em contagiador de pânico! Se ao fim de uma vítima mortal já aqui estamos, como estaremos ao fim de cem? Não nos deixe morrer da cura.»
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