sábado, 17 de maio de 2025

A guerra na Ucrânia é comandada pelos EUA e pelo Reino Unido a partir da base alemã sedeada em Wiesbaden


 Quem o afirma são o general : Valery Zalujny (à esquerda), à época chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Ucranianas, e o almirante Tony Radakin, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas do Reino Unido [Ingl. Chief of Defense Staff]
1.As duas fases principais da guerra em curso na Ucrânia
A guerra em curso na Ucrânia — a 2.ª guerra, a que se seguiu à que começou em Maio de 2014 entre a Ucrânia, de um lado, e a RPL + RPD, do outro — teve, até agora, política e militarmente, duas fases principais bem distintas. A segunda fase teve o seu início na terceira semana de Abril de 2022 e prolongou-se até aos nossos dias, sem fim à vista [1].
Durante a primeira fase, havia quatro beligerantes em liça: de um lado a Rússia, coadjuvada pela República Popular de Lugansk (RPL) e pela República Popular de Donetsk (RPD) na região da Donbass; do outro lado, a Ucrânia.
Estes dois lados chegaram a um acordo de paz no fim da última semana de Março de 2022, em Istambul, cujo teor tive ocasião de descrever em pormenor noutras ocasiões [2].
2. O ultimato de Boris Johnson
Porém, no dia 8 de Abril de 2022, Boris Johnson, à época primeiro-ministro do Reino Unido, fez uma visita-surpresa a Zelensky, em Quieve. Era o mensageiro portador, como noticiou na altura o jornal ucraniano Ukrainska Pravda, de uma proposta-ultimato previamente acordada entre o Reino Unido, EUA, Alemanha e França. Essa proposta-ultimato tinha, em substância, o seguinte, conteúdo:
«Putin não é confiável e a hora não é de negociações com a Rússia, mas de luta para a derrotar. Se a valente Ucrânia estiver disposta a fazê-lo, como esperamos, nós ⎼ e connosco a OTAN [/NATO], a UE e todo o “Ocidente alargado” ⎼ garantimos-lhe uma ajuda e um apoio totais (salvo em tropas no campo de batalha) e pelo tempo que for necessário.
Sr. Presidente Volodymyr Zelensky: se o governo da Ucrânia decidir ir por diante e celebrar com a Rússia o acordo de paz elaborado em Istambul de que tivemos conhecimento, recusando a generosa proposta que lhe acabo de fazer, então, sr. Presidente ⎼ lamento ter de o dizer tão incerimoniosamente, mas as coisas são como são ⎼ a Ucrânia ficará, doravante, por sua conta e risco».
3. O fim abrupto dos Acordos de Istambul e o massacre de Bucha
Sabemos qual foi o resultado da proposta-ultimato de Boris Johnson. Algures entre os dias 10 e 15 de Abril de 2022, seis semanas depois do início da OME da Rússia, a Ucrânia repudiou oficialmente o acordo de paz com a Rússia (muito vantajoso para a Ucrânia) que o chefe da sua delegação de negociadores, Davyd Arakhamia, tinha rubricado em Istambul, no início de Abril, em nome do presidente e do governo da Ucrânia, e empenhava-se numa guerra de alta intensidade com a Rússia (+ RPL + RPD) que perdura até aos nossos dias, com os efeitos calamitosos para a Ucrânia que todos conhecemos.
Para justificar este abrupto volte-face de 180.º aos olhos da opinião pública do “Ocidente alargado”, as tropas russas ⎼ que tinham retirado em 30 de Março dos arredores de Quieve, num gesto de boa-vontade destinado a assinalar o resultado positivo das negociações de Paz de Istambul ⎼ foram acusadas de terem perpetrado a matança de mais de 700 civis em Bucha (uma das pequenas cidades próximas de Quieve onde as tropas russas tinham estado estacionadas). A partir dos primeiros dias de Abril de 2022, foi orquestrada uma campanha cerrada de desinformação destinada a apresentar os russos como monstros sanguinários, com os quais não é possível estabelecer qualquer acordo de paz e que seria necessário exterminar sem dó nem piedade [3].
Há uma dupla mistificação em torno desta matança, conhecida como o “Massacre de Bucha”. A primeira mistificação diz respeito ao número das suas vítimas, que são da ordem das dezenas, e não das centenas. As centenas de civis que foram encontrados em valas comuns em Bucha foram vítimas colaterais dos violentos combates que tiveram lugar nesta cidade, durante cerca de um mês, entre as tropas russas e ucranianas, assim como dos bombardeamentos constantes de que a cidade de Bucha foi alvo por parte das tropas ucranianas enquanto esteve ocupada pelas tropas russas.
A segunda mistificação diz respeito às dezenas de civis cujos corpos foram encontrados insepultados em ruas, quintais, poços e caves e que parecem ter sido assassinados à queima-roupa. Há muitos factos e indícios que apontam no sentido de atribuir a autoria dessa matança não às tropas russas que estiveram estacionadas em Bucha, mas a uma das duas unidades militarizadas ucranianas, ou a ambas ⎼ o regimento AZOVE e o regimento especial SAFARI da Polícia Nacional Ucraniana ⎼ que entraram em Bucha em 31 de Março e 1 de Abril com a missão declarada de a “limpar de sabotadores e cúmplices” — entenda-se: de liquidar a tiro alegados sabotadores ucranianos ao serviço da Rússia e aqueles moradores de Bucha que tivessem alegadamente estabelecido um modo de convívio pacífico com as tropas russas [4].
4. Alteração da natureza da guerra na segunda quinzena de Abril de 2022
Seja como for, uma coisa é certa. A partir da segunda quinzena de Abril de 2022 a guerra na Ucrânia entra numa segunda fase em que o número e qualidade dos beligerantes se altera drasticamente. A partir dessa data os beligerantes em liça são: de um lado, a Rússia (coadjuvada pela RPD e a RPL) e do outro lado, a Ucrânia, coadjuvada pelos EUA, o Reino Unido, a Alemanha, a França, a UE (com excepção da Hungria), a OTAN [/NATO] (com excepção da Hungria e da Turquia), a Suíça, a Noruega e o resto do “Ocidente alargado” — Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova-Zelândia.
Assim aconteceu, de facto, com as armas (incluindo mísseis, artilharia, defesa aérea, carros de combate e outros veículos blindados, helicópteros e aviões de combate, drones), as munições, o treino militar, o aconselhamento militar, as informações militares (incluindo a obtenção de imagens por meio de satélites e aeronaves de vigilância e reconhecimento), a contra-informação e a logística militar que, desde há três anos, têm vindo a ser fornecidas continuamente, em quantidades gigantescas, à Ucrânia pelo “Ocidente alargado” — além do apoio económico e financeiro (também ele gigantesco) para ajudar o regime político, a administração pública e a economia da Ucrânia a manterem-se à tona.
5. EUA e Reino Unido assumem o comando das tropas ucranianas
Só não sabíamos até que ponto e como, concretamente, é que os EUA e o Reino Unido (os dois principais patrocinadores e aliados militares da Ucrânia) estiveram e estão envolvidos no planeamento e na condução prática (incluindo comando e controlo) dessa guerra contra a Rússia por interposta Ucrânia.
Pois bem, ficámos a sabê-lo muito recentemente por intermédio de dois extensos e pormenorizados artigos: um da autoria de Adam Entous, no The New York Times, em 29 de Março de 2025, relativamente ao envolvimento dos EUA, e outro da autoria de Larisa Brown, no The Times (de Londres), em 11 de Abril de 2025, relativamente ao envolvimento do Reino Unido.
Através destes artigos, ambos traduzidos por Fernando Oliveira, ficámos a saber que os EUA e o Reino Unido não são apenas os principais patrocinadores e aliados militares do esforço de guerra da Ucrânia contra a Rússia em todas as facetas descrita no fim da secção 4. São também quem assegura o comando e controlo centrais das operações militares ucranianas, em parceria com o Estado Maior ucraniano, através de um Posto de Comando sediado na base militar americana de Wiesbaden, na Alemanha. Segundo o general Valery Zalujny, ex-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Ucranianas, o Posto de Comando de Wiesbaden foi, até há poucas semanas, a “arma secreta” da Ucrânia (Realcei a amarelo essa afirmação de Zalujny no artigo de Larisa Brown por ela constituir o seu mais curto e melhor resumo).
A tradução, na íntegra, do artigo de Adam Entous foi publicada em 16 de Abril de 2025 na Tertúlia Orwelliana,

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