Dia grande no planalto do PSD. A família laranja subiu em peso ao Chão da Lagoa para a tradicional festa anual, com bandeiras ao vento, copos na mão e o Ministério Público bem presente no pensamento. Entre barracas recheadas de carne, vinho seco e sorrisos nervosos, a pergunta mais repetida era simples: quem paga a rodada? A resposta, como quase tudo nestes tempos, parece estar sob escuta.
Miguel Albuquerque e Luís Montenegro estiveram presentes, lado a lado, mas com a distância estratégica de quem sabe que uma fotografia em má companhia pode acabar num inquérito ou num editorial impiedoso. Evitaram copos partilhados e brindes comprometores, sobretudo na presença de Custódio Correia, o empresário que terá financiado o partido através de contratos milionários com o Governo Regional. Custódio garante que tudo foi feito em nome da amizade, mas essa amizade incluía almoços pagos, brindes personalizados e, segundo se diz, até o pagamento de multas do partido. Fica a dúvida se também irá pagar a dívida à Herdade do Chão da Lagoa, de Martinho do Santo, onde tudo se celebra e, por vezes, se conspira.
Custódio não estava sozinho. O irmão, Domingos Correia, também circulava pelo recinto, discreto mas atento. No passado, foi cliente da Spinumviva, empresa de consultoria política de Montenegro, especializada em arranjos que iam das campanhas a hotéis na Calheta ou em Braga. Em 2022, Montenegro inaugurou um desses hotéis com o entusiasmo de quem ainda não sabia, ou fingia não saber, que os irmãos Correia se tornariam os protagonistas de uma contabilidade paralela que deixou rasto no universo social-democrata.
O ambiente estava carregado. Não pelas nuvens, já que o dia se manteve soalheiro, mas porque o processo "Ab Initio" deverá conhecer as suas primeiras acusações formais nas próximas semanas. Os nomes dos arguidos estão praticamente fechados, mas há uma ausência difícil de explicar: Nivalda Gonçalves. Apanhada em escutas a pedir dez mil euros a Humberto Drummond, não para o partido, mas para uso pessoal, justificando a quantia como uma espécie de "taxa de representação", desapareceu misteriosamente do radar judicial. Fica a dúvida: terá sido um erro processual ou apenas um descuido seletivo num clube cada vez mais exclusivo?
O dia ficou também marcado pela formalização de Rui Coelho como arguido. Braço-direito de Pedro Calado e figura de bastidores, Coelho funcionava como uma espécie de cobrador de fraque moderno. Conhecia todos os empresários, os que podiam e os que tinham de pagar, fosse por um licenciamento rápido, uma decisão favorável ou simplesmente por não quererem ser ignorados. Era ele quem geria os contactos, os envelopes e o sorriso de circunstância. Agora, gere o tempo entre reuniões com o advogado e chamadas não retornadas.
No meio disto tudo, os discursos mantêm-se fiéis à tradição. Fala-se de honestidade, de autonomia, do ataque de Lisboa e da inveja dos outros partidos. As palmas surgem com ritmo, algumas sinceras, outras simplesmente motivadas pelo vinho ou pela carne de vinha d’alhos que continua a sair fumegante das tendas. A Justiça, por seu lado, afia as acusações. E o país assiste a este arraial com o fascínio de quem vê uma novela repetida, onde os episódios mudam, mas os vilões renovam-se.
No fim, como sempre, a conta vai chegar. A única incerteza é quem a irá pagar desta vez. Talvez Custódio. Talvez Domingos. Ou, como tantas vezes, todos nós.
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