Saber escutar o silêncio daqueles que sofremHá um sofrimento em Portugal que não aparece nos jornais. Um sofrimento silencioso e silenciado. Que não grita, que não protesta, que não enche praças nem se torna viral nas redes sociais.
É o sofrimento doloroso de milhares de portugueses que, todos os dias, sobrevivem num país que lhes virou costas.
Não fico tranquilo perante as muitas “ilhas” sociais deste Portugal atlântico e insular.
• É a mãe que passa fome para alimentar os filhos;
• É o idoso que tem de escolher entre os medicamentos, a conta da água e da luz;
• É o jovem que sonha com uma vida digna, mas encontra portas fechadas às suas próprias iniciativas, desvalorização das suas competências, salários indignos, privados de comprar ou arrendar casa;
• São as famílias da classe média e as várias classes de trabalhadores, muito deles especialistas, que todos os dias trabalham e todos os dias têm de fazer contas à vida e, mesmo assim, ficam à porta de entrada da vergonhosa lista de pessoas que trabalham, mas estão em risco de pobreza;
• São as famílias com rendimentos baixos (não tributáveis), mas que veem o Estado a assobiar para o lado perante um custo de vida altíssimo e que teimam em não minimizar esse sofrimento.
São rostos anónimos, mas reais. Gente que não pede esmolas. Gente que vive envergonhada. Gente que pede respeito e justiça. Gente que pede que o Estado cumpra aquilo que promete.
Mas o Estado falhou e continua a falhar.
• Falha quando trata a habitação como um negócio, em vez de um direito;
• Falha ao empurrar doentes para listas de espera intermináveis;
• Falha quando fica indiferente ante a morte de todos aqueles que morrem devido à falta de assistência médica e urgência fechadas;
• Falha quando abandona o interior do País e permite que o povo das Regiões Autónomas continue prisioneiro na sua própria ilha;
• Falha quando marginaliza os mais velhos e os mais frágeis;
• Falha quando deixa de valorizar o mérito e fez com que tantos se sentissem “estrangeiros” no seu próprio país.
Hoje, mais do que nunca, temos de saber escutar esse silêncio. Porque o silêncio dos que sofrem é, muitas vezes, o grito mais profundo de um país em desequilíbrio.
E não basta apontar o dedo. É preciso coragem para mudar. Coragem para construir um Estado que não abandona, que não promete e depois esquece. Coragem para pôr as pessoas (todas as pessoas), no centro das decisões políticas.
Porque estar na política é, acima de tudo, um compromisso com os que mais precisam, com os que já perderam a esperança e com os que nunca tiveram voz.
Se queremos um país mais justo, temos de começar por ouvir os que nunca foram ouvidos.
E isso exige mais do que palavras. Exige ação. Exige presença. Exige empatia.
Enquanto houver portugueses esquecidos, não ficarei calado, porque a política serve para transformar o silêncio em dignidade.
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