Cunhal, PIDE e PCP nos relatórios dos espiões americanosDocumentos sobre Portugal, secretos há mais de meio século, foram desclassificados. Provam a fragilidade da PIDE e a capacidade do líder histórico do PCP para escapar à polícia política
Almoço, na Presidência do Conselho com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Raul Fernandes. Pires de Lima, ministro da Educação Nacional, Caeiro da Mata, ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Oliveira Salazar, Raul Fernandes, Cancela de Abreu e Samuel Leão Gracie, diplomata brasileiro
A agência de espionagem norte–americana NSA desclassificou vários documentos sobre Portugal que eram secretos há mais de 60 anos. Entre eles está um relatório em que um comité de inteligência especial, composto por elementos da CIA e do FBI, entre outros, analisa o papel da PIDE no combate ao PCP em plena Guerra Fria e alerta para as fragilidades desta polícia. “O Partido Comunista é ilegal, por isso não há como medir a sua força. Mas a sua eficácia em escapar à ação policial ficou demonstrada pela incapacidade da PIDE em capturar o secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal”, dizem os agentes norte-americanos, lembrando que o líder comunista apenas foi apanhado em março de 1949, ao fim de três anos em fuga.
Para os espiões, a “capacidade de Cunhal para escapar à PIDE” talvez possa ser explicada por um comentário feito por um elemento da polícia política portuguesa em 1948: “O inspetor disse que estava razoavelmente seguro de que havia agentes nas fileiras da PIDE.”
Este relatório de 16 páginas tem data de 13 de julho de 1951 e surgiu por os EUA estarem preocupados com a ausência de serviços de inteligência eficazes em Portugal e com a falta de segurança nas comunicações nacionais, numa altura em que o país integrava a NATO e tinha acesso a documentação confidencial. Os EUA temiam que a negligência dos serviços de Salazar pusesse em risco a confidencialidade das informações da NATO, facilitassem a espionagem dos russos e prejudicassem a segurança interna portuguesa. FONTE
Segundo aquele relatório feito a pedido do United States Comunications Intelligence Board, e que esteve classificado pela NSA como confidencial até 13 de novembro de 2014, a PIDE negligenciava os mecanismos de proteção de informação classificada e apostava, de facto, quase todos os seus recursos no controlo dos opositores internos. E, nesse campo, as informações que chegavam à Casa Branca garantiam que a PIDE estava a ser eficaz e tinha conseguido fazer baixar o PCP de 4500 militantes em 1950 para 2500 em 1951 e de 7500 simpatizantes para cinco mil. "Não há provas para confirmar os números da PIDE", defendiam os autores do documento.
O que pareciam ter era a certeza de que a forma de atuar da polícia política portuguesa revelava muitas limitações. Apesar de a PIDE fazer uma investigação profunda dos futuros agentes e de os pôr sob vigilância durante algum tempo, depois "não era rigorosa" a fazer a segurança das suas instalações. "É fácil passar pelo guarda que está à porta antes de entrar na área mais restrita", refere o relatório, acrescentando que os visitantes que já eram conhecidos podiam até entrar e dirigir-se a uma sala de espera sem serem acompanhados. Além disso, era comum serem deixados papéis em cima das secretárias em gabinetes vazios em zonas restritas e os funcionários nem sequer tinham um cartão de identificação. "Nada indica que haja mais cuidado com a segurança noutros departamentos governamentais", constatam.
Terá sido na sequência de relatórios como este que alguns elementos da PIDE foram aos EUA. "Em 1957, uma delegação da PIDE foi receber formação da CIA sobre como fazer vigilância de pessoas, instalações, etc.", conta ao DN Irene Pimentel.
Outra das preocupações dos espiões americanos eram as "fortes ligações" de Portugal a Espanha. Havia suspeitas de que membros do governo português tinham fornecido relatórios da NATO à Espanha, que naquela época não fazia parte da Aliança Atlântica. "Os portugueses não teriam grandes problemas morais em entregar segredos militares e políticos aos espanhóis. Ainda mais verdade seria se estivesse em causa a segurança da Península Ibérica", lê-se. Também "o temperamento falador dos portugueses", num país sem grandes problemas de segurança, e o "comportamento benevolente" do governo até para com o inimigo deixavam os americanos em alerta. "A atitude de benevolência pode ser vista na forma como o governo trata o PCP", escrevem, sublinhando que quando Cunhal foi a julgamento, como membro de um partido político ilegal, o juiz encarregado do caso deu-lhe uma "pena leve", com o argumento de que as leis portuguesas não diziam claramente que o PCP era ilegal.
Para os americanos, parecia não haver dúvidas de que as falhas de segurança da polícia política portuguesa faziam que "o PCP tivesse potencial para adquirir informações do governo através de "infiltrados". No entanto, admitiam que o PCP pudesse não tirar a "vantagem máxima" da fragilidade da PIDE, por "não estar devidamente organizado para isso". (veja mais em DN/Lisboa)
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