quarta-feira, 18 de maio de 2022

Ucrânia, o campo de treino militar para a extrema-direita mundial (Noticiava o jornal público em 2020)

 


Lúcidas palavras
contra a corrente

« E isso é facilitado por uma coisa que já antes aqui escrevi e que tem passado tranquilamente face à indiferença geral: estamos perante a mais unilateral cobertura mediática de um conflito a que alguma vez assisti. Não culpo por isso directamente a imprensa ou os jornalistas, que relatam o que vêm e o melhor que podem, cumprindo a sua missão de denunciar o horror de uma guerra e o estendal de morte e destruição que a Rússia levou à Ucrânia. A questão é que eles estão apenas junto de um dos lados e reportando apenas aquilo que esse lado deixa e só depois de as coisas acontecerem: não assistem aos combates nem aos invocados massacres, não falam com o outro lado nem têm acesso à sua versão do mesmo acontecimento. E é sobre isso que depois os “analistas” e os “especialistas” extraem as suas conclusões, sempre de sentido único.

Um bom exemplo disso é o que se passou com os civis encurralados com os militares na fábrica Azovstal, em Mariupol. Durante dois meses foi-nos contado que mais de 1200 civis, mulheres e crianças, estavam refugiados nos subterrâneos da Azovstal, impedidos de sair pelos russos, que violavam sistematicamente todos os acordos de evacuação estabelecidos, incluindo os propostos pelos próprios russos. Ninguém nunca contestou a versão ucraniana e ninguém no terreno a confirmou. Mas quando António Guterres conseguiu colocar pessoal da ONU em Azovstal, em dois ou três dias, como que por milagre, todos os civis que quiseram foram evacuados sem qualquer incidente. A pergunta é: por que razão nunca alguém levantou a hipótese de os civis estarem a ser retidos pelos próprios militares do Batalhão Azov, que os usou como escudo, tentando assim garantir uma coisa impossível na guerra — saírem em liberdade juntamente com os civis sem terem de se render? O mesmo aconteceu em relação às incansáveis imagens de destruição de edifícios civis bombardeados pelos russos e às infindáveis entrevistas aos sobreviventes civis desses bombardeamentos. As imagens são tão revoltantes como as de qualquer outro conflito, como no Iémen ou na Síria, só que aqui, em maior escala e diariamente filmadas por centenas de jornalistas, transmitem uma narrativa de absoluto caos e de destruição quase sem precedentes. Em contrapartida, são escamoteadas quaisquer imagens dos alvos militares onde se sabe que os russos têm concentrado o grosso dos seus bombardeamentos, de modo a passar a ideia de que o alvo é indiscriminado e atinge sobretudo civis. E, todavia, segundo os números divulgados pela ONU em 9 de Maio, morreram na Ucrânia, ao fim de 75 dias de guerra, 3381 civis, embora estes números possam vir a ser “consideravelmente maiores”. Mas sabem quantos civis morreram no bombardeamento aéreo de dois dias dos Aliados a Dresden, durante a II Guerra Mundial? 22 mil. E em Hamburgo 50 mil. E 100 mil em Hiroxima e 70 mil em Nagasáqui, só no primeiro dia após despejada a bomba atómica, sem que em nenhum caso se tenha falado em “crimes de guerra” ou em “genocídio”, como agora se fala a propósito dos mortos civis na Ucrânia.» - Miguel Sousa Tavares no ultimo «Expresso».

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