quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Elogio da loucura !

 A maior das loucuras, disse o grande humanista a dado passo, é querer ser-se sensato num mundo de cegos, loucos e bárbaros.

 Releio uma obra que será sempre de referência para quem aprofunde o saber das Humanidades: o Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdão. Este célebre ensaio de 1509 (editado em Paris, em 1511, com grande sucesso e alargado debate) é uma sátira filosófica, emocionada e lúcida sobre o estado de insânia, vilania e crueza a que pode chegar o género humano. A maior das loucuras, disse o grande humanista a dado passo, é querer ser-se sensato num mundo de cegos, loucos e bárbaros. Uma verdade cristalina que se aplica como uma luva ao nosso presente tempo de cinzas. Tenho visto e lido, com crescente desgosto, debates televisivos e notícias sobre o “estado da Nação”, Çagelado por uma campanha organizada em escala inaudita pela ignomínia anti-humanista e pelo crescendo de desumanização a que chegou a política. É a mais baixa das políticas: xenófoba, odiosa, salazarenta, que já nem esconde ao que vem. Trata-se de uma verdadeira cruzada que estes novos bárbaros apregoam: anti-humanista, antidemocrática, anti-Estado social, antidireitos dos trabalhadores e até mesmo, na sua sanha contra o valor da fraternidade, o mais possível anticristã na sua essência. Todos sabemos que o regime democrático, que tem tantas imperfeições, precisa de aprofundamento social, cultural, ecológico, etc., estabelecendo direitos e deveres e fazendo cumprir escrupulosamente a Constituição. Mas de certeza que não precisa de conspiradores “anti-sistema”, que o minam com impune descaro... A tolerância e partilha que os valores constitucionais ainda asseguram têm de ser um tampão contra a barbárie. A defesa dos grandes valores da ética, da estética, da cultura de partilha, da sustentabilidade ambiental e da mais elementar dignidade humana continuam a assumir-se como o imperativo que une a grande maioria das pessoas contra a barbárie neofascista que avança.Leia-se, pois, o Elogio da Loucura à luz do nosso tempo. Na nossa legítima diversidade de pensar, sejamos loucos lúcidos, e não cúmplices na indiferença — como era Erasmo de Roterdão, que enfrentou as injustiças do seu século — e cerremos fileiras contra estes profetas do ódio à solta, e da intolerância mais abjecta que envergonham o 25 de Abril e a nossa democracia. 

Vítor Serrão

1 comentário:

  1. Coelho grande louco merece ser elogiado. Viva Coelho e Coelhinha.

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