quarta-feira, 7 de junho de 2017

Gil Canha e o seu gato Bonifácio satirizam Miguel Iglésias, Paulo Cafôfo e Víctor Freitas

A memória do vovô e a cidade gatil
Uma enternecedora história do meu Gato Bonifácio

Gil Canha

Ontem, quando cheguei a casa encontrei o meu gato Bonifácio meio perturbado e tristonho. Perguntei se estava tudo bem, se o gato Glesias lhe prometera novamente porrada por causa da gata ou algo assim. Virou a cabecinha lãzuda para a janela, para eu não lhe ver duas gordas lágrimas que lhe escorriam pelos bigodes e, emocionado, murmurou:
- Viste os artiguinhos do Miguel e do Cafofo? Chorei toda a manhã… aquilo sim, é de apertar o coração! E tu, seu malvado, andas sempre a pegar com eles!..

- Ó Bonifácio, deixa-te de merdas e desembucha que não estou com pachorra para te aturar e às tuas pieguices lamechas.
- És um ser insensível e ressabiado – retorquiu o gato rispidamente.
E levantando as patinhas em arco, declamou Gabriele D´Annunzio, o seu poeta preferido:
- Não consegues ver nem sentir a poesia, a nostalgia, e os encantos dos seres, que após uma vida sacrificada, encontram finalmente o remanso aconchegante de uma existência que lhes faz poisar nas mãos os lírios e o cheiro a alfazema dos heróis que ascenderam ao Olimpo.
- Está bem! Pronto! Diz lá o que vai na tua alma – repliquei mais cordato.  
- Sabes…  o sr. Vereador Miguel Gouveia publicou no DN, um artiguinho sobre a avó, de fazer chorar as pedras da calçada. E hoje, o sr. Presidente Paulo Cafofo escreveu um comovente artigo sobre o seu avô, que coitadinho morreu sem ver o seu netinho mais velho chegar a Presidente da Câmara.  
- Ah… é por isso que estás todo nostálgico… essa coisa de falar dos avós tocou-te no fundo na alma.
- Sim… sim! – aquiesceu Bonifácio. - A história comovente do sr. Presidente, do seu avô e da cadelinha Violeta fez-me lembrar o meu pobre avozinho Tareco Caldeirita que viveu na Corujeira de Dentro. E já agora queria pedir-te um grande favor: Podes falar ao senhor Luís Calisto, saber se ele não se importa de publicar no seu Blogue este artiguinho que gatafunhei sobre a vida sofrida do meu avô Tareco?
Muito delicadamente e até um pouco vacilante, Bonifácio passou para a minha mão uma folhinha A 4, com a enternecedora história do seu avô, que após amável aceitação do sr. Calisto, aqui se transcreve
O meu avô Tareco Caldeirita era um felino de bom porte, mas com o pelo um pouco ralo na zona dos quadris, resultado de um ataque feroz de Tinha, a maldita micose que nos leva à odiada peladura, uma espécie de calvície dos humanos. Todos os dias, ele descia até à cidade e metia-se na Praça do Peixe (Mercado dos Lavradores) para amarfalhar guelras e restos de ventrecha de atum que os peixeiros atiravam ao chão. Em dias de sorte, podia-lhe caber um chicharro inteiro ou até uma cabeça de espada. Depois de atestar a barriguinha, o meu avô Tareco passava numa tasca que havia na Rua do Hospital Velho, onde o sr. António Costa, taberneiro e massagista, lhe passava-a-mão sobre o ralo pelo. E antes de apanhar o autocarro da Companhia do Monte de regresso a casa, o meu avô tirava fotos junto das velhas inglesas que vinham de viagem no paquete Camberra, agenciado pela Casa Blandy.
Quando ele chegava a casa, não ia dormir para cima da folha de zinco aquecida pelo sol da tarde, do chiqueiro do sr. Vitorino Freitas, ele aproveitava a penumbra para caçar murganhos e pequenos pássaros desprevenidos. Era como se existissem dois gatos distintos numa mesma cidade: um gato citadino agarrado aos chicharros, as ventrechas de atum e aos turistas ingleses, e o gato do campo, feroz caçador de pequenos roedores e de saborosas toutinegras.
O meu avô nunca sonhou que o seu neto mais velho um dia iria residir como um paxá, na casa dum deputado do grandioso Parlamento Regional e comer gostosas Whiskas importadas, e, imagine-se, ir de três em três meses ao cabeleireiro de gatos, escovar o pelo e aparar as unhas.  E mais sensacional ainda, o meu avô nunca esperaria que o seu netinho Bonifácio, um dia lhe escreveria um artigo em sua memória e fizesse um grande esforço junto do deputado, seu desnaturado dono, para que este o ajudasse a diminuir as distâncias, entre os anafados gatos da cidade e os necessitados gatos das zonas altas. 
Há que corrigir as assimetrias e os desequilíbrios entre felinos e seus habitats, mas sem nunca os gatos perderem a sua identidade de felinos; sejam instalados nos sofás das cidades sejam como predadores no meio dos poios cultivados, dos buchos aromáticos ou mesmo entre a giesta em flor, aguardando obstinadamente o desditoso ratito, também ele pobre morador das zonas altas.
Aliás, estou convencido que as zonas super altas onde vivia o meu avô Tareco têm um potencial turístico e eleitoral surpreendente. Se na altura das eleições, a gataria da cidade louvaminhar as paisagens montanhosas onde habitam esses curiosos felinos; lhes alcatroarem os caminhos tortuosos onde eles sofrem as agruras das caçadas, e lhes derem toneladas de Whiskas, com sabor a salmão e a frango fumado, os gatos da cidade vão continuar gordos e luzidios, a ronronarem calmamente na casa de abastados deputados ou a se espraiarem langorosamente nas poltronas aveludadas da Câmara Municipal, privando tu cá tu lá, com os patrões dos maiores Grupos económicos da região.”  
Bonifácio
Candidato à Junta de Freguesia de S. Pedro

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