terça-feira, 26 de novembro de 2019

«A revolução engoliu os seus heróis dando lugar aos democratas nascidos após o sucesso do golpe.»








O 1.º deNeste dia de celebração da independência do país, lembro-me de marchar com orgulho pelas ruas da cidade do Funchal, integrando um grupo da Mocidade Portuguesa, da antiga Escola Industrial e Comercial do Funchal, organização juvenil do regime implantado por Salazar. Esta organização transmitia-nos conceitos de disciplina, unidade de comando e pátria. Era uma forma do regime nos preparar para a guerra que sabíamos existir mas da qual pouco se falava. Esta preparação pré-militar começou na 4ª classe, em Santana, e foi continuada no Ensino Secundário mas agora de forma mais intensa com hino, farda e bandeira. Em frente à Sé, onde os estudantes daquela organização, pertencentes a várias escolas, se concentravam, ouvíamos discursos inflamados de militares, de partida para a guerra, que terminavam quase sempre com uma mensagem muito forte dirigida aos jovens ali presentes “O maior orgulho de qualquer jovem é dar a vida pela pátria”. E só naquele instante percebíamos que devia existir alguma relação entre a Mocidade Portuguesa e a guerra da qual mal ouvíamos falar. Em Lisboa, enquanto estudante, esta data era celebrada com manifestações hostis ao regime organizadas e lideradas por estudantes e pelo célebre Cabrita dirigente do sindicato dos bancários. Havia muita pancadaria e detenções, no Rossio, com a polícia política (PIDE/DGS) muito ativa. Éramos aconselhados a não usar roupa de cor vermelha porque tal era entendido como uma provocação ao regime. Era um 1º de Dezembro no qual a nossa formação política ia no sentido desfavorável à política em vigor. A guerra colonial, condenada por quase toda a comunidade internacional, incluindo a Igreja Católica, a ausência de liberdade política (democracia) e o isolamento do país a nível internacional, com a não permissão da nossa entrada na CEE, constituíam os argumentos mais usados nos discursos pelos adversários do regime. Foi a partir destas vivências que comecei a aperceber-me do país político em que vivia de modo que, quando fui para a tropa, já tinha a noção de que a guerra mesmo que fosse ganha militarmente (casos de Angola e Moçambique) estava perdida do ponto de vista político. Para terminar quero realçar a enorme coragem dos líderes estudantis, determinantes na queda do regime. Não era fácil a sua luta pois muitas das vezes prejudicaram os seus estudos em prol das causas que defendiam. Falo com conhecimento de causa pois tive, como colega de quarto, um desses líderes que passava mais tempo na prisão do que em liberdade. Eram indivíduos à frente do seu tempo que se sacrificaram em prol de princípios cujos benefícios foram para outros. A revolução engoliu os seus heróis dando lugar aos democratas nascidos após o sucesso do golpe. Dezembro na década de 60

26 NOV 2019 / 02:00 H




Manuel João Baptista Rosa [ver Diário]




Os heróis de Abril esquecidos

25 ABR 2014 / 02:00 H.




Toda a nação fala dos responsáveis pelo golpe militar do 25 de Abril como sendo os únicos heróis que arriscaram a sua liberdade e, quiçá, a sua vida por esta nobre causa. No entanto, não devemos esquecer aqueles que, pertencentes ou não a partidos clandestinos, desbravaram o caminho para que tal fosse possível, lutando sem armas, apenas com a força das suas convicções, sujeitos a perseguições, prisões e torturas, com todo o sofrimento daí resultante, tanto a nível pessoal como profissional, e arriscando inclusivé a própria vida. Conheci, por um acaso do destino, um desses corajosos combatentes pela liberdade e justiça económica quando, em 1969, com 17 anos, fui para Lisboa estudar.
À saída da ilha, enquanto aguardava o embarque na “Pontinha”, fui detido pela PIDE, levado para as suas instalações na Rua da Carreira e, mais tarde, libertado, ainda a tempo de embarcar, embora somente após intervenção do meu pai e por via de um telefonema feito para a minha freguesia, desconhecendo até hoje a razão para tal detenção (suspeita de fuga à tropa?). Na capital, fui então residir durante ano e meio, na mesma pensão e quarto, que o Saul, grande activista estudantil anti-regime. Regressava normalmente pela madrugada (3-4 horas) e ponha-se a falar de temas de natureza política, completamente novos e complexos para mim. Dizia que o regime não concedia liberdade às pessoas de escolherem o seu destino político e que sustentava uma guerra colonial, logo, injusta; que a Igreja era o ópio (?) do povo e que Karl Max e Engels (nunca tinha ouvido falar destes) tinham demonstrado que a riqueza provinha do trabalho e, portanto, a mesma deveria pertencer a quem trabalha e não aos capitalistas acabando-se, desta forma, com as desigualdades sociais. Na aula de Economia Política, Saul e seus pares, exigiam que o professor falasse do modelo de economia socialista e não apenas do modelo capitalista. Instalava-se a confusão, com as aulas quase sempre boicotadas, mas dava para perceber que o professor estava condicionado, não apenas pelo programa escolar mas também politicamente impedido de falar sobre esse tema.
De todos os professores, apenas o de Geografia Económica falava abertamente das características negativas do regime. O Saul passava mais tempo preso do que em liberdade pois andava envolvido, achava eu, em conspirações e em todas as manifestações, como as do mês de maio – “dia do trabalhador” e “dia do regime”. Ia sempre ao Rossio ver, de longe, a manifestação e a actuação das polícias. Alguns destes manifestantes acabavam na prisão ou eram agredidos pela polícia, dado serem ocasiões em que bastava o uso de uma peça de roupa vermelha para haver sarilhos. Participei apenas em duas manifestações: uma contra a DGS, com a palavra de ordem “abaixo a DGS” pronunciada em tom baixo, que terminou com uma carga policial, e, numa outra vez, em que o instituto foi encerrado após reuniões consecutivas, nas quais participavam outras escolas. Fomos convidados, pela polícia, a abandonar o local quando um colega, com um pregão, ofendeu o comandante da polícia o que originou uma batalha campal.
Uma noite, encontrei o Saul de cabeça rapada, logo após uma das suas saídas da prisão, perto do Largo Luís Camões. Fomos tomar um café no “Castanheira” onde conversamos, vigiados por dois agentes da PIDE entretanto detectados pelo meu colega. Tendo em conta a situação, aconselhou-me a ir embora dali, dado o risco sério que corria de ser considerado um elemento da sua organização a qual, no entanto, não identificou. Na sequência deste episódio, passado pouco tempo, fui abordado por um indivíduo, com o argumento de que estudava em Moçambique e que gostava de entrar em contacto com a associação de estudantes. Pediu-me ajuda e eu, ingenuamente, fui apresentá-lo aos meus colegas que o identificaram como “bufo”, o qual tinha, provavelmente, como objetivos, infiltrar-se na associação ou saber da minha possível ligação à organização do Saul.
Nunca mais soube deste colega que tão corajosamente enfrentava as forças do regime. Agradeço-lhe a amizade, a compreensão para com a minha ignorância política e os seus ensinamentos que deram início à minha formação política e me permitiram perceber o quanto esta é importante na vida individual e colectiva das pessoas. Foram combatentes como ele - estudantes, padres, sindicalistas, intelectuais, entre outros- que, com acções destemidas, abriram as mentes dos militares e os incentivaram a libertar o país do regime vigente.
Manuel João Baptista Rosa [Diário]

2 comentários:

  1. Foi o que aconteceu aqui na Madeira com a malta do PND lutaram contra a ditadura e depois foram todos arrumados, e na esteira da luta deles vieram os idiotas que estão na assembleia.

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  2. Todos arrumados?
    Qual deles é que ficou mal?
    Vejo-os todos bem de vida.

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