sexta-feira, 8 de maio de 2020

Morreu Denis Goldberg ativista dos direitos humanos contra o apartheid (1933-2020)

 A consciência social e política de Denis Goldberg despertou cedo. Filho de londrinos da classe operária, descendentes de judeus da Lituânia, que emigraram para a África do Sul, estranhava que, para a sua família, gente informada, que consumia e discutia à mesa as notícias internacionais e seguia à risca os ideais comunistas, o apartheid parecesse aceitável, por questões culturais (e, possivelmente, para acautelar o pequeno negócio que lá abriu). Para ele, não havia desculpa. Como contou em numerosas entrevistas, mergulhado num sistema legalmente racista do qual discordava, os seus heróis aos 12 anos não eram os aventureiros dos livros, mas sim os soldados que, na Segunda Guerra Mundial, se opuseram aos nazis, dispondo-se a dar as próprias vidas pelos seus ideais: “Creio que foram a minha maior influência, enquanto crescia. Comecei logo a pensar que, se chegasse a minha vez, teria de fazer alguma coisa. Não ia ser conivente com aquela injustiça.” O rapaz, nascido e criado na Cidade do Cabo, fez-se homem. Estudou Engenharia Civil, conheceu a mulher (Esme Bodenstein, filha de militantes comunistas, com quem casou em 1954, e teve dois filhos, Hilary e David, em 1955 e 1957) e sonhou uma vida pacata a fazer casas. Contudo, não levou mais de 30 segundos a responder ao repto de Nelson Mandela, quando ele o desafiou a juntar-se ao seu exército ilegal – o Umkhonto we Sizwe, o braço armado do ANC, partido político – para lutar contra o apartheid. “Se sabes construir pontes, também sabes como destruí-las”, ter-lhe-á dito. E ele nem hesitou, embora já tivesse filhos, “crianças a quem foi muito difícil explicar a decisão” e que cresceram praticamente sem pai. “Podia ter sido rico, sim, mas não me arrependo. Fiz o que acreditei ser necessário e o que era necessário era agir”, confessou, em janeiro deste ano ao jornal alemão DW. Condenado para a vida Em 1964, no mais importante julgamento político da História da África do Sul, em Rivonia, foi condenado por traição à pátria (juntamente com Nelson Mandela e outros oito líderes da resistência armada ao regime, sendo ele, com 31 anos, o mais novo) a prisão perpétua, mas nunca temeu a pena de morte: “Éramos homens de um certo calibre, especialmente Walter Sisulu foi de uma tão evidente integridade e inteligência no julgamento, que era impossível mandar-nos matar.” Logo após a sentença, a mãe perguntou-lhe pelo veredicto e ele respondeu: “É para a vida... e a vida é maravilhosa.” Durante 22 anos, passou 16 a 18 horas diárias sozinho na cela, impedido de falar com os outros detidos da Prisão Central de Pretória – e não na de alta segurança de Robben Island,para onde foram Mandela e os outros, todos negros. O seu ânimo nunca esmoreceu: na década de 70, chegou a ajudar alguns camaradas (também brancos, entretanto condenados) a evadir-se da prisão. Em 1985, graças à ajuda da filha Hilary (a viver num kibutz em Israel), que organizou uma comissão liderada pelo ativista Herut Lapid (ligado à libertação de prisioneiros judeus pelo mundo fora) para arquitetar a pressão política para o tirar da prisão (sem que ele soubesse de nada), Goldberg – entretanto com novos diplomas universitários, em Administração Pública, História, Geografia e Ciências da Informação, acumulados em duas décadas de isolamento – foi finalmente libertado, exilando-se em Londres, onde continuou a trabalhar com o ANC e em causas humanitárias. Enviuvou em 2000 e casou novamente dois anos depois com a jornalista Edelgard Nkobi, voltando nessa altura à África do Sul, quando a filha morreu, aos 47 anos, com um AVC. “É tempo de regressar, preciso de ar puro”, disse. Sempre honrado, lembrado pelo espírito de sacrifício, Goldberg chegou a oferecer-se para, no terrível julgamento, se autoincriminar de um ato terrorista para salvar Mandela, à época apologista do ódio implacável aos brancos opressores – uma lição que viria a inspirar a “nação arco- -íris”, fundada na paz e na igualdade entre todos que norteou a política sul-africana do pós-apartheid, a partir de 1994. Embora desiludido com o estado do país e a corrupção no ANC, não tornou a sair da África do Sul, onde morreu, vítima de cancro no pulmão, na sua casa em Hout Bay, na quarta-feira, 29. (Revista Sábado)




4 comentários:

  1. E por falar em África,alguns muitos políticos da região podiam ver os exemplo do Macron e os valores da democracia e abertura que defende( nem tudo o que defende é bom, mas cada um decide por si). E maturidade e sabedoria a que não deve ser indeferente o estar casado com uma mulher 25 anos mais velha.Dito de outra forma, qual será a percentagem da Brigitte que governa a França e a Europa? A Madeira ainda se parece muito `a África de hoje,e não `a Europa.

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    1. O maior exemplo de democracia do Macron é mandar a bófia dar porrada nos pretos dos arredores de Paris. Democracia pela medida grande.
      Vê se ainda importam alguma para a Madeira, e te racham os cornos de cassetete. Tudo democraticamente.

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    2. Acho fabuloso o racismo que existe na Madeira relativamente `as pessoas de raça negra. A Madeira é constituída maioritariament, por raças mistas. E vê-se tão bem, nas caras das pessoas. Se fossem fazer testes, muitos iriam ficar muito surpreendidos com as suas origens africanas e indianas por exemplo. Também houveram outras raças.

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    3. E então dizer preto em vez de negro é racista?
      Talvez dizer branco em vez de alvo também o seja, não?
      Por mim posso ter um tetra-tetra avô preto. Tanto se me dá como se me deu. Não é por isso que tenho que escrever o pateticamente politicamente correcto negro em vez de preto.

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