quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O Avô de Francisco Louçã, foi um revolucionário comunista que esteve preso. Mais tarde rachou e acabou no PSD tal como aconteceu muito mais tarde, com Zita Seabra

 


 Tinham já batido as 21h. Naquele que foi o primeiro congresso do PCP, debatia-se “a questão agrária”. Estava a votos uma resolução que defendia que a terra devia ser de quem a trabalha.   Mas António Neves Anacleto, que estava na mesa do congresso presidido por Júlio de Matos, pediu a palavra para contrariar a ideia de propriedade, que, em seu entender, “não fará senão acirrar ainda mais” o “egoísmo” do camponês “tão prejudicial à revolução”. 

  A ideia “ultraesquerdista”, como a classifica o neto António Louçã [irmão de Francisco Louçã], está muito longe do que viria a perfilhar o advogado de sucesso, que se tornou proprietário colonial e acabaria a ser deputado do PSD, ainda que só por seis meses. Naquele dia 12 de novembro de 1927, como relata o livro de atas do congresso, publicado por César Oliveira em 1975 na Seara Nova, o jovem Anacleto, então com 30 anos, defendia que “toda a terra deve ser explorada pelo Estado”. Uma ideia logo rebatida por Carlos Rates, primeiro secretário-geral do PCP, lembrando o pragmatismo que afastava anarquistas de comunistas.

  “Pormo-nos contra as tendências e aspirações da classe rural é estrangularmos a revolução à nascença.” Neves Anacleto saiu vencido da discussão e não se sabe se isso terá ou não ditado o fim da sua relação com o Partido Comunista. É que, se aparece como um dos seus fundadores, não há elementos que permitam perceber em que momento se deu a rutura com o partido, mas há um afastamento gradual do jovem algarvio que veio do movimento anarco sindicalista. E cuja primeira luta política foi travada em 1915, num movimento pelo descanso semanal e pela regulamentação do horário de trabalho para o comércio, numa altura em que trabalhava numa mercearia em Faro para pagar os estudos no liceu.

  O início de vida de António Neves Anacleto não podia ter sido mais duro. Nascido na pequena aldeia de Amorosa, em São Bartolomeu de Messines (Silves), o avô de Francisco Louçã era filho de “um modesto trabalhador agrícola que sustentava a família com o parco rendimento da sua própria terra”, como descreve Noémia Anacleto Louçã (sua filha e mãe de Francisco), no livro Notáveis Messinenses.   Perdeu a mãe aos quatro anos e vivia numa pobreza  tão extrema que frequentar a escola parecia um luxo. Mas aprender a ler tornou-se num objetivo. Para o conseguir, comprou a Cartilha Maternal de João de Deus com o dinheiro da venda de um lagarto que apanhou no campo. E, mais tarde, aos 8 anos, iria para o campo apanhar medronhos para comprar os sapatos exigidos a quem andava na escola oficial.   Inteligente e esforçado, impressionou uma das famílias mais ricas de Messines, os Figueiredo, em casa de quem passou a almoçar nos dias de aulas. 

 “À custa de trabalhos árduos, conseguiu subir a pulso na vida, conhecendo de experiência própria as desigualdades sociais, contra as quais lutará afincadamente durante toda a sua existência”, nota à SÁBADO Aurélio Nuno Cabrita, que se tem dedicado a estudar a história de São Bartolomeu de Messines. Para concluir o liceu e depois a Faculdade de Direito de Lisboa, António Neves Anacleto nunca parou de trabalhar, fosse a dar explicações ou até como operário na construção do caminho de ferro do Vale do Sado. A consciência política formou-a à custa das dificuldades que viveu na pele e inserido na muito ativa “organização operária do Algarve”, que ele próprio descreve num artigo publicado no Jornal da Europa sua existência”, nota à SÁBADO Aurélio Nuno Cabrita, que se tem dedicado a estudar a história de São Bartolomeu de Messines. 

 Para concluir o liceu e depois a Faculdade de Direito de Lisboa, António Neves Anacleto nunca parou de trabalhar, fosse a dar explicações ou até como operário na construção do caminho de ferro do Vale do Sado. A consciência política formou-a à custa das dificuldades que viveu na pele e inserido na muito ativa “organização operária do Algarve”, que ele próprio descreve num artigo publicado no Jornal da Europa na primeira década do século XX. Anarquista, fundou em 1916 (tinha 19 anos) o jornal A Ideia e em 1927 dirigiu o Alma Algarvia, que trazia na capa uma frase ousada que lhe trouxe problemas: “Este jornal não defende a Ditadura.” 

“Era fisicamente muito corajoso. Teve vários incidentes de afrontamento com as forças da ditadura. Deu o corpo ao manifesto e esteve preso mais do que uma vez”, frisa o historiador Fernando Rosas. A primeira das prisões foi em 1918, por ter intervindo na preparação de uma greve geral ordenada pela União Operária Nacional. Nove anos depois, foi novamente detido por participar num movimento revolucionário. Na altura, tinha concluído o curso de Direito e, mal foi libertado, começa a trabalhar no escritório do seu grande amigo Rita da Palma. Mas já era uma figura conhecida da oposição à ditadura militar e o ativismo valeu-lhe nova prisão a 21 de fevereiro de 1928. Fugiu do forte de Monsanto com a ajuda de amigos, mas voltou a ser preso e deportado para Moçambique, onde se instalou com sucesso como advogado até ser detido em Inhambane, em maio de 1931. Tinha como destino o degredo na ilha do Sal, em Cabo Verde, mas fugiu do navio-prisão, ao largo do Lobito, em Angola, e chegou por terra à África do Sul, de onde foi para Londres com a mulher e a filha recém-nascida. 

 Viveu em Bruxelas, Paris, Madrid, Sevilha e Vigo e conspirou com Afonso Costa para fazer uma revolução em Portugal. Mas, apesar dos problemas que foi tendo com a polícia política, foi em Moçambique que acabou por se instalar e, segundo António Louçã, se transformar num “colonialista” com uma fazenda de arroz nos arredores da então Lourenço Marques. “Lembro-me de que a certa altura a grande preocupação do meu avô era com os hipopótamos que lhe davam cabo das plantações.”O colonialista com netos ativistas O percurso de anarcossindicalista fundador do PCP a colono fazendeiro pode parecer estranho, mas António Louçã crê que foi fruto das circunstâncias. “O próprio Carlos Rates, que foi o primeiro secretário-geral do PCP, foi deportado e tornou-se colonialista”, descreve o neto, para quem, na altura, as dificuldades de comunicação entre um partido na clandestinidade equem estava em África ajudam a explicar o afastamento inicial. “Nunca o ouvi dizer mal da URSS. Houve uma evolução nas suas próprias condições de existência material. A certa altura era de facto um colono bem-sucedido, com propriedades “, justifica, explicando que o avô sempre destacou o papel da União Soviética na luta contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial. “Sei que manteve alguma simpatia pelo comunismo. Há uma ficha dele como membro da Carbonária ou da Maçonaria, em que se inscreviam com um pseudónimo e o dele é Lenine”. Luís Osório, que era filho de um comunista e militou no PSR ao lado de Francisco Louçã, diz que o percurso do avô, do comunismo à social-democracia de Sá Carneiro, era apontado como um sinal do “arrivismo” do neto. Francisco Louçã não quis falar com a SÁBADO, mas o irmão António assegura que “nunca houve embaraço” entre avô e netos pelas escolhas políticas. “Eu gostava imenso dele, mas havia um abismo entre nós porque ele tinha virado à direita. 

 Encontrávamo-nos em campos muito diferentes quando ele voltou das colónias. Já tínhamos convicções formadas e uma atividade política intensa. Havia um abismo, mas não se pode falar de divergência quando uma pessoa tem 80 e tal anos e outra 20 e tal”, diz, explicando que Anacleto não gostava de ver os netos na esquerda. “Achava mal… achava que estávamos no endereço errado.” De resto, a viragem “à direita” nunca o afastou da oposição à ditadura, tendo sido ativo na candidatura de Humberto Delgado. Em Moçambique, fazia parte de um grupo de democratas que incluía António Almeida Santos. Margarida Almeida Santos lembra-se de o ver com os opositores ao regime “todos os dias depois do almoço” no Café Continental, quando ia a caminho da faculdade. O regresso a Lisboa Muito crítico da descolonização, Neves Anacleto chegou a Lisboa logo após o 25 de Abril. Tinha perdido tudo em Moçambique, mas não o ânimo. “Reabriu o escritório, ainda trabalhou uns anos. Era bastante terra a terra. Refez a sua vida. Tinha a sua casa, algumas poupanças, nunca esteve mal”, relata António Louçã.

  Na altura, Anacleto estava inserido naquele núcleo de oposição que Fernando Rosas identifica como “diretório social-democrata” e terá sido por aí, através de Cunha Leal – um oposicionista anticomunista de quem era muito próximo – que se aproximou de Francisco Sá Carneiro, que o convidou para integrar as listas do PPD- -PSD nas legislativas de 1976. Tinha já 81 anos, mas Conceição Monteiro, secretária de Sá Carneiro, diz que a idade só por si não o distinguia: “Havia muita gente mais velha, com passado político.” E explica que “Sá Carneiro convidou muita gente que não era filiada no partido.” Fernando Rosas acrescenta que “há uma pequena parte da oposição tradicional que vai para o PSD”, uma oposição mais moderada, centrista, que Sá Carneiro aproveita para dar ao partido “pergaminhos” antifascistas. Pedro Roseta, que foi colega de bancada no Parlamento, lembra “um homem corajoso, notável” que contava com arte histórias do passado. “Era um prazer enorme ouvi-lo”. Pessoas com o passado de Neves Anacleto eram “uma mais-valia para o partido”, no qual “foi muito bem acolhido, queríamos era democratas que não punham a ideologia acima dos direitos”. O parlamento não o seduziu. Seis meses depois de ter tomado posse, renunciou ao mandato. Morreria aos 93 anos, a 25 de fevereiro de 1990.


1 comentário:

  1. Sara Cerdas já denunciaste a usurpação do porto do Caniçal, na Europa?É que da outra eurodeputada PSD, nada! Sabes, é que quem vive na Madeira a ganhar 600€ ao mes(agora nem isso),com crianças, precisa por comida na mesa o mês todo; e sabes que se torna ainda mais difícil, quando tudo o que compram é mais caro, porque o porto de mercadorias está nas mãos de um grupo só(que não paga nada aos Madeirenses, e tudo o que entra e sai da Madeira, é muito mais caro debaixo do domínio desse grupo que impede a livre concorrência, acrescido do IVA mais caro para pagar a dívida que o psd deixou para os Madeirenses pagarem todos os dias). Isto para nem falar de quem vive com reformas inferiores a 400€ mes. Eventualmente será difícil perceberes essa realidade, tu e a do psd(confesso que nem sei o nome dela), porque recebem quase 17000€ ao mes (melhor do que o ordenado dos Primeiros Ministros e outros cargos com mais responsabilidades). Será que a Europa não mandava fundos na mesma para os vários países, mesmo sem ter aqueles deputados todos lá com aqueles ordenados escandalosos para qualquer país da UE e que retiram parte da credibilidade de qualquer instituição, ainda mais com o fraco desempenho que têm tido nas últimas 3 décadas em que o desemprego jovem e a perda de terreno para Ásia, não foi acautelada?

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