sábado, 28 de agosto de 2021

No tempo que a juizada fascista não perseguia a liberdade de imprensa "Vera Lagoa" zurzia a hipocrisia dos politicos deste regime

 A mulher que escrevia depressa

Mulher calejada, Vera Lagoa não tendia para a contenção, e “O Diabo” era uma extensão da sua personalidade. A vida da polémica jornalista é contada numa biografia assinada pela historiadora Maria João da Câmara.

Para muita gente que acompanhava a política nos anos subsequentes ao 25 de Abril, Vera Lagoa era a diretora de “O Diabo”, um jornal verrinoso que atacava desde membros do MFA a líderes do PCP ou até pessoas como Mário Soares ou o general Eanes, que dificilmente poderiam ser consideradas perigosos radicais mas eram pintados em tons apocalípticos — desde logo nos editoriais — como se a sua manutenção do poder implicasse o fim da pátria. À distância, podemos compreender que muitos desses excessos eram fruto de uma época fortemente polarizada, em que alguém assumir- -se de direita ainda era visto com foros de escândalo em certos meios, e o adjetivo ‘fascista’ e afins também saltavam com facilidade do outro lado. Entre as campanhas difamatórias de jornais ligados ao PCP e aquilo que Vera Lagoa fazia, no fundo, talvez não houvesse muita diferença. Ou melhor, havia. Pois “O Diabo”, com tudo o que tivesse de reprovável, era um jornal frequentemente com graça, comprado mesmo por algumas pessoas de esquerda com o objetivo de se irritarem. O que não será a pior das homenagens que se pode prestar a um jornal. “O Diabo” era uma extensão da personalidade da sua fundadora. Mulher calejada, com experiência de meios bastante diferentes, Vera Lagoa não tendia para a contenção. “Vera Lagoa — Um Diabo de Saias”, o livro agora publicado pela historiadora Maria João da Câmara, dá bem conta disso, e só lhe podemos censurar o facto de a admiração pela biografada, expressa ao longo de todo o livro, resultar numa visão one-sided, como dizem os ingleses. Os retratos de personalidades complexas costumam ganhar com um pouco mais de sombra. Filha de um militar republicano, Maria Armanda Pires Falcão — o pseudónimo viria muita mais tarde — nasceu a 25 de dezembro de 1917 na Ilha de Moçambique, onde o seu pai era governador. Regressou pouco depois a Lisboa, mas a participação em conspirações diversas fez com que, anos depois, acabasse deportado para Cabo Verde, onde a família viveu até Maria Armanda ter 15 anos. Se a influência do pai se poderá ter refletido num instinto de oposição que marcaria a sua vida, as dificuldades financeiras e as mudanças de cenário tiveram outros efeitos decisivos na sua vida. Impossibilitada de estudar além da quarta classe, a menina começou a trabalhar ainda na adolescência, para ajudar a sustentar a família. Durante décadas foi secretária, daí lhe vindo um talento cuja importância para o jornalismo é subestimada, mas está longe de ser despicienda — o de escrever depressa. Um primeiro e breve casamento produziu um filho, e anos depois viria um segundo, com o homem que ela dirá que foi o amor da sua vida, o político e historiador José Manuel Tengarrinha. 14 anos mais novo do que ela, Tengarrinha acabaria por deixá-la, o que constituiu um trauma para ela, mas não terá sido o fator determinante na alteração das suas posições políticas, como mais tarde se disse. Haveria ainda mais um casamento, com um homem ligado ao salazarismo e à direita. Qual o papel que as ligações e separações possam ter tido na evolução das ideias de Vera Lagoa, é matéria para especulação. Certo é que em 1958 se envolveu na campanha de Humberto Delgado, e em meados dos anos 60 andava entre dois mundos. Por um lado, tinha ligações a oposicionistas e dava apoio a presos políticos; por outro, começava a tornar-se figura da sociedade. Convencida finalmente a tentar a escrita (em 1956 tinha sido a primeira locutora da RTP, mas a experiência não durara muito), em 1966 Francisco Pinto Balsemão convidou-a para escrever uma crónica no “Diário Popular”. O resultado foi uma coluna regular chamada “Bisbilhotices”. Vera Lagoa detestava o título, que não fora ela a escolher. Quanto ao pseudónimo Vera Lagoa, terá resultado de um jantar com o escritor Luís de Sttau Monteiro, seu amigo pessoal. Vera refletia a intenção de ser verdadeira, Lagoa era o vinho que os dois estavam a beber no momento. A coluna foi um êxito e a colunista estava lançada. Ao longo dos anos seguintes escreveria profusamente sobre temas que iam desde festas e fofocas sociais até eventos culturais. Em 1970/1971, acrescentou ao seu currículo a organização do concurso Miss Portugal. Quando a liberdade chegou finalmente em abril de 1974, inicialmente entusiasmou-se. Filiou-se no PS e aí se manteria alguns anos. Mas as desilusões não tardaram a chegar, tanto em coisas pequenas (por exemplo, a forma como parte da audiência no São Carlos passou a vestir-se: “Surgiu uma vaga de democratas que sentem necessidade de se afirmarem como tal. Envergando roupas que consideram mais democratizantes do que o vestido de noite ou o ‘smoking’”, escreveu) como grandes. Acima de tudo, parecia indigná-la a hipocrisia de pessoas que antes faziam os salamaleques todos ao regime ditatorial e agora se afirmavam de corpo e alma com a ditadura, chegando a denunciar colegas. Não foi por acaso que entre os jornalistas fundadores de “O Diabo”, lançado em fevereiro de 1976, se contavam membros do grupo de 24 jornalistas saneados do “Diário de Notícias” no ano anterior. Para ironia acrescida, o título do novo jornal, que repescava o de uma publicação dos anos 40, fora propriedade do Partido Comunista durante décadas. Um dia depois de o PCP o ter deixado caducar, Vera Lagoa apossou-se dele. Os processos judiciais começaram cedo. Um dos mais cómicos foi o do general Costa Gomes, então presidente da República, de quem Vera Lagoa escrevera que era feio. Trivialidades à parte, e não obstante a injustiça de algumas posições assumidas por Vera Lagoa (o papel de algumas figuras por ela desancadas na estabilização do regime democrático tem vindo a ser reconhecido com o tempo), pelo menos havia o mérito de ela ser do contra, como tinha sido no regime anterior. Ultrapassando obstáculos — processos, uma suspensão, bombas — “O Diabo” foi prosseguindo as suas cruzadas: contra o PREC e as suas sequelas, a descolonização, as injustiças individuais. Para a diretora, algumas eram pessoais. Num livro intitulado “Revolucionários que Eu Conheci”, reuniu artigos que tinha escrito sobre nove figuras públicas ligadas à revolução que antes do 25 de Abril tinham posições diferentes, segundo ela. Era a denúncia na sua versão mais direta. Maria João da Câmara refere “Vera Lagoa Meteu a Pata na Poça”, um livro organizado pelo humorista José Vilhena, onde os visados pela diretora de “O Diabo” dão entrevistas nas quais lhe respondem, por vezes em termos achincalhantes. Curiosamente, nada na descrição feita pela historiadora ao longo de página e meia indica tratar-se de entrevistas fictícias e satíricas, como é o caso. O resto da história é menos interessante. Vera Lagoa apoiou a Aliança Democrática, esteve contra Eanes na reeleição. Em relação a Camarate, defendeu a tese de atentado, como fez o cartoonista Augusto Cid, cujo traço ágil e ironia ácida ficaram para sempre associados a “O Diabo” — e a mais alguns processos. Em 1982, a esse jornal veio juntar-se um outro, “O Crime”. “O Diabo” perdeu muito do seu papel vital com a estabilização democrática. Vera Lagoa foi envelhecendo e continuou a indignar-se. Dizia não querer que a ajudassem a atravessar ruas, mas apenas que não a empurrassem. Morreu em 1996, do coração. Tinha 78 anos. A sua beleza, a sua coragem e a sua “linhagem republicana” seriam depois invocadas como razões para lhe porem o nome numa rua de Lisboa. 

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Daniela Alexis

1 comentário:

  1. Vá na cantiga dela, Vera Lagoa, uma reacionária sem paralelo!!!! Fascista até dizer chega!!!! Odiou Abril até aos pulmões!!!!!!!!

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