Não, não se trata de defender o regime político do Irão. Como poderíamos fazê-lo com a nossa concepção de democracia? Como poderíamos fechar os olhos à proibição de partidos políticos como o comunista Partido Tudeh do Irão ou a concepções e práticas que atingem direitos fundamentais como em relação à mulher? Como poderíamos aliás esquecer que a poderosa revolução popular, democrática e anti-imperialista que em 1979 pôs termo à ditadura do Xá Reza Pahlavi, se afastou em aspectos fundamentais dos seus objectivos originais? Entretanto, isto não deve ocultar que o que realmente está em causa na orquestração mediática hostil em relação ao Irão nada tem que ver com uma genuína defesa de direitos humanos e de desinteressada solidariedade com o povo iraniano. A realidade é que estamos uma vez mais, como sucedeu com as chamadas «revoluções coloridas» ou as «primaveras árabes», perante o aproveitamento de reais problemas para alimentar a continuada política de hostilidade, ingerência e sanções visando abater a resistência do Irão às exigências dos EUA. É ao povo iraniano que compete a solução dos seus problemas e decidir sem ingerências externas o seu próprio caminho. Para isso não precisa de lições, muito menos dos EUA. O Irão é herdeiro de uma antiga e avançada civilização que no domínio da ciência, da arte e da cultura deixou sulcos profundos e que na sua história contemporânea conta com marcos de luta progressista e revolucionária que golpearam duramente os interesses económicos e geopolíticos anglo-americanos. Basta lembrar a nacionalização da Anglo-Persian Oil Company pelo governo de Mossadegh em 1953, a expulsão pela revolução iraniana de 1979 das bases norte-americanas dirigidas contra a URSS, a solidariedade com o povo palestiniano, a política independente do Irão na utilização dos seus vastos recursos de petróleo e gás natural. A mortífera guerra entre o Irão e o Iraque fomentada pelo imperialismo visando o enfraquecimento e a submissão de dois dos maiores produtores de petróleo, a campanha contra a produção iraniana de energia nuclear para fins pacíficos e a sabotagem pelos EUA dos acordos a que se chegara, a imposição de sanções que prejudicam gravemente o desenvolvimento económico do Irão e atingem os direitos do povo iraniano, as constantes ameaças de agressão por parte de Israel a única detentora da arma nuclear no Médio Oriente, são expressão de uma política com laivos de vingança extraordináriamente perigosa para a segurança de uma região riquíssima em recursos petrolíferos que o imperialismo, mesmo quando se pretende em transição para «verde», não desiste de tentar dominar. Que o Irão, defendendo a sua soberania, estabeleça tratados de «associação estratégica» com a Rússia e a China e se candidate a integrar o BRICS e a OCXangai aparece aos olhos de Washington como um «inaceitável desafio». É esta a questão de fundo da campanha hostil para com o Irão. Os elementos de verdade que nela existem não devem levar a esquecer a experiência histórica e o contexto mais geral em que se inserem. Como nos advertiu o nosso «sábio» poeta António Aleixo, Pr’a mentira ser segura e atingir profundidade, tem que trazer à mistura, qualquer coisa de verdade. É o que se passa em relação ao Irão como à generalidade das campanhas de manipulação da opinião pública._ por Albano Nunes
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