Ele era o último dos seis religiosos conhecidos pela oposição à ditadura ainda vivo
A
morte de Dom Mauro Morelli, na última segunda-feira, virou a última página da
história dos chamados bispos
progressistas contra a ditadura
e a tortura no país. Bispo
emérito de Duque de Caxias,
na Baixada Fluminense, Dom
Mauro era o último dos religiosos que integraram o grupo
de líderes da Igreja Católica
mais críticos ao regime ainda
vivo. A oposição rendeu a eles,
dentro dos quartéis das Forças
Armadas, o apelido de “Bispos
Vermelhos” — uma alusão ao
comunismo feita por agentes
da repressão.
No grupo ainda estavam nomes como Dom Adriano Hypólito (bispo de Nova Iguaçu),
Dom Waldyr Calheiros (Volta
Redonda) e Dom Clemente Isnard (Nova Friburgo), no Estado do Rio, além de Dom Helder Câmara (Olinda e Recife)
e Dom Paulo Evaristo Arns (arcebispo de São Paulo).
Mais novo do grupo, Mauro
Morelli, que morreu aos 88
anos, atuou ativamente pela
preservação dos direitos humanos e contra a ditadura na
década de 1980, período de reabertura e transição do regime
militar para o civil. No entanto, seu nome já era monitorado e citado pelo extinto Serviço Nacional de Informações
(SNI) ainda no início dos anos
1970 como “alguém perigoso”
para a segurança nacional.
Mesmo após o fim da ditadura,
Dom Mauro permaneceu sendo monitorado pelo SNI até o
início dos anos 1990, quando o
órgão foi extinto pelo então
presidente Fernando Collor.
—Dom Mauro Morelli fez
parte de um grupo de bispos
progressistas da Teologia da
Libertação que, mesmo depois da chegada do Papa João
Paulo II ao Vaticano, que freou
o movimento, continuou a defender as questões sociais —
afirma o professor Paulo César
Gomes, pesquisador do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC) da Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Autor do livro “Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: A visão da espionagem”, Gomes afirma que a atuação dos bispos progressistas
durante o regime contribuiu
para a luta contra a tortura e a
violação dos direitos humanos. Embora padres e frades
tenham sido perseguidos pelo
país, segundo o pesquisador,
os militares tinham como estratégia não criar um impasse
com a Igreja Católica, evitando atacar líderes religiosos do
alto Clero, o que poderia provocar uma reação do Vaticano.
Mesmo assim, o posicionamento das Forças Armadas
não impediu, lembra o pesquisador, o atentado contra Dom
Adriano Hypólito.
Em setembro de 1976, o então bispo de Nova Iguaçu foi
sequestrado, espancado e
abandonado em um matagal
em Jacarepaguá, com o corpo
pintado de vermelho. O carro
do religioso, um Fusca, foi levado até próximo à Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), na Glória, na
Zona Sul do Rio, e destruído
com uma bomba. A Aliança
Anticomunista Brasileira teria
sido a autora do ataque, mas
nenhum envolvido foi identificado ou punido. Em dezembro de 1979, uma bomba explodiu na Catedral de Santo
Antônio de Jacutinga, sede
da Diocese iguaçuana, destruindo o sacrário e ferindo
um funcionário. Os ataques
intimidatórios tiveram efeito reverso, e Dom Adriano
acabou ampliando o apoio
ao seu trabalho na Baixada.
O local do atentado é preservado até hoje.
De acordo com o pesquisador, com a chegada do Papa João Paulo II os bispos
progressistas aos poucos foram perdendo espaço nas
discussões sociais e influência política. A abertura desse espaço permitiu que outras religiões ocupassem o
vácuo nas últimas décadas,
em especial as pentecostais
e neopentecostais.
— Embora nomes como
Dom Mauro Morelli não tenham abandonado questões como a justiça social,
outras igrejas, como as pentecostais e neopentecostais,
foram crescendo, tendo
maior influência. São conhecidas, em geral, como
evangélicas, mas que não
têm um líder único, como é
o Papa. São mais fragmentadas. Porém, estão em praticamente todas as cidades do
país — diz o pesquisador. (o Globo)
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