Ao contrário do que
deveria ser sólido nas
sociedades ocidentais, a
liberdade de expressão
desfaz-se com facilidade
com julgamentos
errados
Numa altura em que a
Europa volta a conhecer o
medo dos crimes de ódio,
quando há sinais de que a
islamofobia e o
anti-semitismo estão a regressar, a
justiça portuguesa dá um sinal errado
ao condenar o activista Mamadou Ba,
pelo crime de difamação por
afirmações proferidas sobre um dos
participantes num dos episódios de
ódio racial mais destacados em
Portugal.
Na noite de 10 de Junho de 1995,
Alcindo Monteiro atravessou o Tejo
para ir até Lisboa dançar, mas acabou
assassinado por um grupo de cerca de
50 skinheads que nessa noite
protagonizaram uma série de ataques
racistas. Mário Machado era, e é, o
rosto mais notável desse grupo e foi
sobre ele que Mamadou Ba escreveu
nas redes sociais referindo que o
militante neonazi foi “uma das Æguras
principais do assassinato de Alcindo
Monteiro”.Para a juíza que condenou Mamadou
Ba, o que importa é que Mário
Machado não participou no assassinato
de Alcindo Monteiro, como ficou
provado pelo Supremo Tribunal de
Justiça, apesar de ter sido condenado
por outro episódio de violência
naquela noite. A polémica juíza
sentencia como se a morte de Alcino
Monteiro se tratasse apenas de um
caso de polícia, como que o
despojando daquilo que a sociedade
precisa de enunciar, que o crime foi
executado em nome de abjectas ideias
de um movimento de que Mário
Machado era protagonista.
Foi isso que Mamadou Ba fez, no
exercício do seu direito de opinião no
espaço público. A juíza questiona se se
pode “chamar a isso liberdade de
expressão”.
Pode e deve, ao contrário
do que, infelizmente, pensam e
decidem regularmente os tribunais
portugueses, arrastando o país para a
vergonha de se ver constantemente
condenado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violar a
liberdade de expressão.
A semana não terminou sem mais
um episódio que mostra que, ao
contrário do que deveria ser sólido nas
sociedades ocidentais, a liberdade de
expressão se desfaz com facilidade
com julgamentos errados.
“Estou impressionado com a retórica
e as acções de tantos líderes e governos
ocidentais, com a excepção particular
do Governo da Irlanda, que pela
primeira vez está a fazer a coisa certa.
Os crimes de guerra são crimes de
guerra mesmo quando cometidos por
aliados, e devem ser denunciados pelo
que são.” Foi esta evidência que Paddy
Cosgrave escreveu numa rede social e
foi por ela que Israel primeiro e depois
uma série de empresas como a
Amazon, a Google, a Meta ou Intel,
decidiram anular a sua participação na
Web Summit, o que levou à demissão
do irlandês. Não é só nos tribunais
portugueses que há pouco amor à
liberdade de expressão. (David Pontes) jornal Público
“Não tenciono pagar um cêntimo”, diz Mamadou Ba
sobre condenação por difamação.
O activista anti-racista Mamadou Ba
garante não ter intenção de “pagar
um cêntimo” dos 2400 euros de pena
de multa a que foi condenado na sexta-feira. O tribunal deu como provado
um crime de difamação depois de o
dirigente do SOS Racismo ter escrito,
nas redes sociais, que o militante neonazi Mário Machado foi “uma das figuras principais do assassinato de
Alcindo Monteiro”, em 1995.
Ba diz ter sido vítima de um processo destinado a silenciar o movimento
anti-racista, de que é uma das faces
mais visíveis há décadas. “Desde o
início desta farsa que afirmei e reitero
que este processo nunca foi entre
mim e o criminoso neonazi”, afirmou. O processo, prossegue, ....“é, sim,
uma tentativa de silenciamento do anti-racismo”. “O Ministério Público
optou por estar ao lado de um triplo
empreendimento de carácter político, que consiste em branquear o criminoso neonazi, normalizar a extrema-direita e a violência racial e silenciar o anti-racismo”, acrescenta.
“Não tenciono pagar um cêntimo”,
vincou ainda o activista na sua mensagem, onde também apontou baterias a Carlos Alexandre, responsável pela instrução do processo. Mamadou Ba considera que o juiz “encaminhou este empreendimento da luta
política da extrema-direita por via da
manipulação e captura das instituições”.(Público)
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