segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Padre Frederico: coisas que não se entendem

 


Coisas que não se entendem: fugiu da prisão de segurança máxima de Vale de Judeus em Abril de 1998, Portugal pediu então explicações diplomáticas ao Brasil, que lhe dera o passaporte que permitiu a fuga, mas, depois disso, nada mais se soube, excepto que o seu mandado de detenção e o resto da pena que faltava cumprir expiraram em 8 de Abril de 2018. A indemnização devida à família da vítima (1.600 contos, na altura), essa, nunca foi paga - nem pelo padre, nem pelo Estado, nem pela Igreja. E, mesmo após a condenação transitada em julgado, e da sua fuga da cadeia, a diocese do Funchal não lhe abriu qualquer processo canónico, algo que impedisse Frederico Marcos da Cunha de voltar a exercer funções sacerdotais: "pelo que é dado a saber de então, não existiu qualquer processo canónico, pois tudo se iniciou e decorreu no âmbito civil, com o desfecho que todos conhecemos", esclareceu a diocese ao semanário Sol, de 31/7/2015. E o "desfecho que todos conhecemos" é que a República Federativa do Brasil, que se saiba, nunca prestou as explicações pedidas por Portugal - pelo menos, as que permitissem ao nosso governo ter informado o país sobre o sucedido: se era para não dizer nada, para quê pedir explicações? -, e também todos conhecemos que Frederico Cunha reside hoje num apartamento em Copacabana, que ganha a vida vendendo fotografias abstractas, e que, segundo diz, reza missas "numa pastoral", que não quer especificar. Afirmou ainda o padre, ex-padre ou padre a meio-tempo, não pertencer à diocese do Rio, já que continua ligado à igreja do Funchal ("a minha diocese é a Diocese do Funchal, sempre foi. Nunca mudei a minha diocese"). A Cúria Metropolitana da Arquidiocese do Rio de Janeiro diz desconhecê-lo ("Não consta qualquer registo de documento autorizando o exercício do ministério para o padre Frederico Marcos da Cunha") e a diocese funchalense reconhece o óbvio: nunca moveu um dedo para impedir que Frederico Cunha, mesmo condenado e fugido por crime de homicídio - repete-se: homicídio -, continuasse a exercer o sacerdócio. Numa reportagem de Bárbara Reis ("Padre Frederico, outro país", Público, de 9/12/2012), ficamos a saber que, durante dez anos, Frederico Cunha acumulou suspeitas de pedofilia em todas as paróquias por onde foi passando: Caramanchão, São Jorge, Ilha, Machico, Ribeira Grande, Maroces, Água de Pena. Numa delas, a do Piquinho, falava-se da sua "técnica do sofá": aos domingos à tarde, depois da missa, o padre pedia às crianças que se sentassem no sofá, todas ao mesmo tempo, aos sete, oito e dez de cada vez, para que, quando não restasse um milímetro de espaço livre, ele se atirasse para cima de todos em grande divertimento. Sempre que as suspeitas se avolumavam, o bispo D. Teodoro de Faria transferia-o para outra paróquia. Conheciam-se bem, desde os tempos de Roma, quando o prelado aí dirigia o Pontifício Colégio Português e o jovem brasileiro professava na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz. Frederico foi ordenado na Madeira, para onde Teodoro o trouxera, fazendo-o seu secretário particular; depois, prescindiu dos seus serviços, mas nunca impediu, e até promoveu, que continuasse a exercer funções em diversas e sucessivas paróquias madeirenses. Numa delas, São Jorge, onde esteve de 1987 a 1990, conheceu Miguel Noite, filho de uma família pobre, que se tornou seu afilhado, amante e cúmplice, pois acabou condenado a 15 meses de cadeia, com pena suspensa, por falsas declarações e encobrimento do homicídio de Luís Miguel Escórcio Correia, de 15 anos, cujo cadáver seria encontrado na manhã de 2 de Maio de 1992 na pequena praia abaixo dos penhascos do Caniçal, Ponta de São Lourenço. 
 Dias depois, a 25 de Maio, Frederico Cunha seria detido nos apartamentos do complexo turístico da Matur, onde morava, e acusado do homicídio de Luís Miguel, entre outros crimes. No julgamento, realizado pelos juízes Sílvio Sousa e Neto de Moura (sim, esse mesmo), discutiu-se muito a questão de uma sanduíche de polvo, que o dono de um snack-bar jurou ter sido comprada por Luís Miguel à hora em que supostamente estava com o padre, mas cujos restos não seriam encontrados no cadáver autopsiado, depois de achado na ravina do Caniçal sem camisola, sem sapatos, meias, apenas com as calças vestidas, de braguilha aberta.

Anos depois, o procurador do processo, Marques de Freitas, diria ter sido "vítima de muitas pressões, vindas de muitos quadrantes, não só da Igreja". O bispo D. Teodoro protestaria com veemência contra a prisão de Frederico, comparando-o a Nosso Senhor no Calvário, e dizendo ser ele "inocente como Jesus Cristo". De seu lado, o presidente do governo regional, Alberto João Jardim, diria que "certa comunicação social do Continente" estava a usar o caso "para denegrir a imagem da Madeira". Em 1993, o Tribunal do Funchal condenou Frederico Marcos da Cunha na pena única de 13 anos de prisão, pelo crime de homicídio e homossexualidade com menor, sentença confirmada pela Relação de Lisboa. Em Abril de 1998, aproveitando a sua primeira saída precária, concedida pela juíza Margarida Vieira de Almeida, o padre fugiu para Madrid num carro alugado e dali, na companhia da mãe, apanhou um avião para o Brasil ("em rigor, o padre Frederico não fugiu, o padre Frederico apenas não se apresentou", na curiosíssima interpretação do seu advogado de defesa, Romeu Francês). Usou para o efeito uma segunda via do passaporte brasileiro, já que o original fora apreendido à ordem do tribunal, logo que foi condenado. Foi isso que motivou o pedido de explicações ao país-irmão, sobre o qual pouco mais se soube, como também não se soube que responsabilidades se apuraram para o facto tão bizarro e estranho de os serviços prisionais só terem dado conta de que Frederico fugira mais de 24 horas depois de ter expirado o prazo para regressar à cadeia. Mal chegou ao Brasil, o padre disse em entrevista à SIC que fugira para tentar provar a sua inocência ("em Portugal eu não conseguiria provar que era inocente"), coisa que, passados 25 anos, ainda não fez nem tentou fazer. Quanto ao processo que o condenou, em primeira e em segunda instância, diz ter sido alvo de um "método fascista", que resume assim: "Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler que matou os filhos e a esposa e se suicidou, disse uma coisa muito interessante: "uma mentira muitas vezes repetida torna-se verdade, ou pelo menos aparenta ser verdade". Foi o que aconteceu comigo."

Mais recentemente, em Setembro de 2020, no programa "Depois do Crime", da RTP, Frederico qualificou o julgamento que o condenou como "um lixo" e, no mesmo programa, o bispo D. Teodoro voltou a protestar a inocência do seu antigo secretário; sem apresentar provas que infirmassem a decisão do Tribunal do Funchal e da Relação de Lisboa, Teodoro considerou que "afinal ele não era culpado daquela morte que eles diziam", dizendo ainda que Frederico "nunca matou ninguém." "Quanto ao resto, não me pronuncio", rematou o bispo. Reagindo às sucessivas entrevistas televisivas dadas por Frederico, o procurador Marques Freitas acabou perguntando o óbvio: "como é possível que aquele indivíduo, que ainda é padre, diga que pertença à diocese do Funchal e ninguém diga nada?". O procurador recordou ainda, a este propósito, que, em tribunal, quatro testemunhas disseram ter sido abusadas pelo padre quando crianças. Mais grave ainda: em declarações ao Notícias do Funchal, prestadas em Abril de 2002, D. Teodoro reconheceu a prática de actos pedófilos por parte do seu antigo secretário. Por telefone, o padre e a mãe disseram-se "chocados" com as palavras do prelado - e nós também. É que, em 2005 e em 2007, já depois de reconhecer a pedofilia de Frederico, o mesmo Teodoro Faria nada fez quanto a denúncias chegadas à Judiciária sobre outro sacerdote, o padre Anastácio Alves, e limitou-se, como sempre, a transferi-lo de paróquia. Porque se calou o bispo durante tantos e tantos anos? Porque não impediu a reiteração daqueles crimes? E porque permitiu que se chegasse à situação caricata de um condenado à justiça portuguesa permanecer sacerdote da sua diocese, sem lhe abrir qualquer processo canónico?

A questão, entendamo-nos, não está em saber se Frederico Cunha é ou não inocente, pois sobre isso sempre haverá muitas e desencontradas opiniões, ou sobre se, para a decisão condenatória do tribunal do Funchal, não terá pesado a homossexualidade e algumas estranhezas do arguido (o trajar de negro, sempre de óculos escuros, a caveira no seu Volkswagen carocha, também preto, as caveiras nas fivelas dos cintos). O problema está, isso sim, no facto de alguém ter fugido à justiça portuguesa sem que nada se saiba como terá escapado, quem lhe terá dado o passaporte do Brasil, que cúmplices terá tido, dentro ou fora da Igreja. Não se percebe, de igual sorte, o atroz silêncio da diocese funchalense, quase parecendo que Teodoro receia e teme Frederico. Sobretudo, acima de tudo, não se compreende o facto de a indemnização à família jamais ter sido paga, o mínimo que o Estado deveria fazer, após ter deixado fugir um homicida condenado, e o mínimo que a Igreja também deveria fazer, após tê-lo protegido durante anos e anos, em total e abjecto desprezo pelas suas vítimas.

A mãe de Frederico Cunha já morreu e este, com 73 anos, vive hoje no Rio de Janeiro, tendo dito reiteradamente, pudera, que não tenciona regressar a Portugal. O cúmplice Miguel Noite estudou Sociologia na Bélgica e trabalha actualmente em França, como jornalista. A mãe de Luís Miguel, Gorete Correia, morreu em 2018, e o padrasto deixou a ilha. Quanto ao pai do miúdo morto, que encontrou o cadáver do filho no fundo da ravina do Caniçal, encontra-se, parece, emigrado em Inglaterra. Ou seja, e em suma, nenhum dos protagonistas da história reside hoje em

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .

(Alexandre O"Neill, "Portugal", in Feira Cabisbaixa, 1965)

https://www.dn.pt/cultura/padre-frederico-coisas-que-nao-se-entendem-16990669.html

7 comentários:

  1. É de estranhar nenhum comentário dos criminosos PPD, por aqui.

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  2. Faltou acrescentar que Carlos Machado também já morreu e o seu VW Carocha preto há muito que desapareceu...

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    1. O Macedo na ilha já não tinha "saida"e foi abafar para outras paragens e fugiu.
      Quis imitar o Frederico.

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  3. Sim. O conhecido pedófilo Machadinho, chefe de gabinete de AJJ.

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  4. Mas o sucateiro do Estreito apareceu morto e ninguém investigou porquê…

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  5. O dom Teodoro também andou com o padre das esmolinhas

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