segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Os fascistas do CHEGA querem polícia com total liberdade para disparar sobre qualquer cidadão que resista à autoridade

 Francisco Comes o fascista Madeirense é o porta voz da iniciativa do CHEGA

   O grupo parlamentar do CHEGA na Assembleia da República deu entrada com um projecto de lei que pretende alterar as regras aplicáveis ao uso de arma de fogo por parte dos agentes das forças de segurança.

A iniciativa legislativa propõe a eliminação da chamada “excepcionalidade” dos motivos que justificam o uso de arma contra pessoas, introduzindo uma norma que o partido diz ser mais objectiva, pois enuncia situações concretas nas quais o recurso à arma de fogo passa a ser não apenas permitido, mas mesmo exigido.

  O CHEGA acha que a legislação actual expõe as forças de segurança a riscos desproporcionados e incentiva uma cultura de hesitação que fragiliza o exercício da autoridade, dando espaço à criminalidade e à indisciplina social.

  Entre as alterações mais significativas levadas a cabo pelo projecto do CHEGA está a consagração de um novo conjunto de circunstâncias em que o uso de arma de fogo é obrigatório, nomeadamente em caso de perigo iminente de morte ou ofensa grave à integridade física do agente ou de terceiros.

  Uma dessas circunstâncias é o facto de o agressor actuar em grupo de três ou mais pessoas, uma realidade que o CHEGA diz ser cada vez mais comum em agressões a forças de segurança. São também revistas as exigências sobre a advertência prévia, que deixa de ser obrigatória sempre que esta coloque o agente em risco.

 “Portugal precisa de forças de segurança sem medo, sem vergonha de serem agentes de autoridade, equipadas, protegidas e motivadas. As armas servem para proteger a vida. Se o Estado entrega uma arma a um agente, tem de lhe garantir também o direito de a usar quando está em risco”, refere Francisco Gomes, deputado madeirense na Assembleia da República.

  O CHEGA afirma que o seu projecto não promove o uso indiscriminado da força, mas garante que os agentes do Estado têm meios legais adequados à gravidade das ameaças que enfrentam diariamente. A seu ver, a proposta equilibra o princípio da proporcionalidade com a necessidade de proteger de forma realista os profissionais das forças de segurança.

 «A autoridade está a desaparecer das ruas, pois os criminosos perderam o medo e as forças de segurança estão de mãos atadas. O CHEGA não aceita este cenário e está determinado a recuperar o respeito pela autoridade e a dignidade da farda”, diz Francisco Gomes.

  Com esta proposta, o CHEGA diz reafirmar o seu compromisso com a valorização das forças de segurança e a reposição de “uma cultura de autoridade, disciplina e proteção efectiva da sociedade civil”.

https://funchalnoticias.net/2025/08/04/chega-quer-policias-a-usarem-mais-vezes-a-arma-de-fogo/



O ódio aos polícias cresce na Madeira. Ninguém gosta deles pelas multas que aplicam aos cidadãos. Os resutados são estes infelizmente


 

Um agente da Polícia de Segurança Pública foi agredido, na noite de domingo, durante as festas em honra de Nossa Senhora das Neves, nos Prazeres, concelho da Calheta.

Segundo fonte policial, a agressão ocorreu no decurso de uma intervenção relacionada com um grupo de indivíduos, com cerca de 40 anos, que estaria a causar distúrbios no recinto e a incomodar alguns dos presentes.

Na sequência de várias queixas, uma patrulha da PSP de serviço no local... (JM)

A igreja reacionária e obscurantista sempre esteve por detrás dos assaltos às sedes do PCP em 1975 no norte do país

 Verão Quente de 1975 Um país a ferro e fogo

 Foram meses de instabilidade política, de anúncios de golpes e contragolpes de Estado, e também marcados por uma onda de violência ímpar. A História descreve uma realidade de trincheiras e os protagonistas reconhecem que Portugal esteve à beira de uma guerra civil. O país vivia, literalmente, a ferro e fogo. Foi o Verão quente. Nas festas de adolescentes do Estoril no Verão de 1975, os filhos de famílias da linha agarravam-se aos sons de Emerson, Lake & Palmer, que anunciavam como ELP. O recurso ao acrónimo não era inocente, mas o tributo ao Exército de Libertação de Portugal (ELP), criado em Janeiro de 1975 pelo ex-subdirector-geral da PIDE-DGS, a polícia política da ditadura, Agostinho Barbieri Cardoso. Era a partir de Madrid que Barbieri Cardoso — envolvido na Operação Outono, o assassínio a 13 de Fevereiro de 1965 do general Humberto Delgado na localidade de Los Almerines, na Extremadura espanhola, perto da fronteira portuguesa — dirigia esta organização terrorista. Com um historial de ataques a sedes do PCP, à embaixada de Cuba e a 16 de Setembro de 75 à delegação no Porto do Bank of London and South América. Outra sigla destes tempos de chumbo era o MDLP (Movimento Democrático de Libertação  Nacional), anunciado pelo general António de Spínola a 5 de Maio de 1975. Foi o coroar de um percurso do “general do monóculo”, que o levara a abdicar em 30 de Setembro de 1974 do cargo de Presidente da República após a manifestação da chamada “maioria silenciosa” contra os caminhos da descolonização e a envolver-se na tentativa, também falhada, do golpe militar de 11 de Março de 1975 com o bombardeamento do RAL1 e o sobrevoo intimidatório de Lisboa. Da base de Tancos, de onde dirigiu o golpe, Spínola fugiu de helicóptero para a base militar espanhola de Talavera la Real, nos arredores de Badajoz, e rumou para o Brasil. Do outro lado do Atlântico, à frente do MDLP, idealizou um exército e a invasão de Portugal. Um propósito que muitos dos seus correligionários consideravam, no entanto, sobredimensionado, donde, pouco operativo.
De manifestantes a atacantes
“Discordei do plano de actuação do general Spínola porque a visão dele era a de uma reconquista territorial de Portugal e eu entendia que tinha de ser uma guerra subversiva, que tinha de haver uma sublevação no interior do território, a que chamámos ‘Maria da Fonte’”, comenta o coronel Sanches Osório, que no 28 de Setembro apoiou António de Spínola e uniu o seu destino ao do general. Responsável pelas relações internacionais do MDLP, estava sediado em Madrid, com incursões regulares a Paris, onde mantinha contacto com os serviços de informação franceses. “A Maria da Fonte funcionava com o apoio dos párocos que estavam connosco nas várias paróquias de norte a sul, ao toque dos sinos das igrejas”, descreve: “Para isso, foi posta à nossa disposição pelo senhor arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva, o celebérrimo cónego Melo, em Braga, e o cónego Sarmento, em Vila Real. O apoio que nos davam era essencialmente logístico, de levantar as massas e nos dar abrigo.” Sanches Osório relata o modus operandi do assalto à sede do PCP de Braga, a 11 de Agosto de 1975, comum a outras acções, com camponeses e agricultores a serem concentrados nas cidades e vilas em autocarros alugados: “Começou com uma manifestação convocada em Braga pelo arcebispo na sequência de uma denúncia anónima ao COPCON [Comando Operacional do Continente, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho] de que ele ia levar divisas para o Brasil; no aeroporto do Porto, os militares despiram o arcebispo à procura das divisas que não existiam.” Quando regressou, o arcebispo convocou a manifestação. “A denúncia foi numa carta do engenheiro Jorge Jardim e de Valdemar Paradela de Abreu”, revela: “Jorge Jardim foi utilíssimo, tinha uma imaginação extraordinária e a experiência de operações militares em África.” O ardil funcionou. “Posteriormente, fomos pedir-lhe desculpa e ajuda”, prossegue Sanches Osório: “Ele disse-nos que não nos podia ajudar, que era um problema que o transcendia, mas que nos ia apresentar alguém, era o cónego Melo.” A denúncia falsa foi o detonador para pôr o arcebispo a colaborar. O esquema de acção em Braga contra a sede do PCP repetiu-se por todo o país. “O funcionamento da organização da manifestação [de Braga] foi pôr uma cidadã a dar um tiro com uma pistolinha que tinha na mala e, depois, vários outros espalhados tacticamente entre a multidão de manifestantes, que gritavam: ‘Olha o PC, olha o PC.’ Transformámos os manifestantes em atacantes”, sintetiza.
Fim do apoio de Paris
Numa ida ao Rio de Janeiro para falar com Spínola, Sanches Osório detecta divisões internas no MDLP: “Cheguei ao Rio de Janeiro de madrugada; o coronel Simas, que tinha saído de Portugal com o general, encontrame e diz: ‘Não fales com o velho [Spínola] antes de falar comigo’, o que era sinal de que — e muito à portuguesa — já estavam todos zangados uns com os outros.” Após a estada no Brasil, o responsável das relações Externas do MDLP combina com os serviços secretos franceses uma visita de Spínola a Paris. “Impressionou-me nessa altura, porque fui buscar o general ao avião, metemo-nos num carro e, do aeroporto para a sede dos serviços secretos, mudámos de automóvel três ou quatro vezes”, recorda. Este recebimento não teve continuidade. “Tivemos um almoço e a seguir, em conclusão da reunião, o Presidente Giscard d’Estaing retirou todo o apoio ao MDLP. Não achou que fosse viável o plano que foi exposto pelo general Spínola ao coronel Alexandre de Marenches [chefe da secreta francesa].” Ou seja, o esquema da invasão, para a qual Spínola garantia já ter pessoal e armamento, não seduziu nem convenceu a secreta francesa. O apoio francês era decisivo. Não foi por acaso que a França manteve durante mais de 50 anos à frente da secção de África dos Negócios Estrangeiros o especialista Jacques Foccart. “O senhor Foccart punha e dispunha sobre África e dava instruções ao Savimbi”, anota Sanches Osório.
Mudança de estruturas
 No Verão Quente, Agostinho Lopes tinha 30 anos e estava à frente da Direcção da Organização da Região Norte (DORN) do PCP. Viveu aqueles tempos duros. “Era uma ofensiva de grande violência, com a colocação de bombas, atentados a tiro, agressões, que se começou a desenvolver a partir de Maio de 1975, o primeiro assalto foi à sede do MDP/ CDE de Bragança, a 26 de Maio”, recorda. “Preparavam acções que a derrota das tentativas anteriores de travar o processo revolucionário e o 25 de Abril — o golpe Palma Carlos, o 28 de Setembro de 1974 e o 11 de Março de 75 — não tinham conseguido”, descreve. “Utilizavam instrumentos velhos, como os sentimentos religiosos dos portugueses e as dificuldades da Revolução, para responder de forma adequada, nomeadamente ao campesinato, ao preço e escoamento dos produtos agrícolas”, lembra ainda. Neste caldo de cultura, o veterano dirigente comunista junta outro factor: “A legislação da altura dos rendeiros que a norte e centro vai alavancar a reacção dos grandes proprietários numa zona de milhares de pequenos agricultores.” A esta relação de causa e efeito, apesar de a lei do arrendamento rural de então ter dado resposta a problemas concretos, somou-se outro factor: “A chegada de uma população imensa de Angola e Moçambique, os chamados ‘retornados’, que vieram alterar a composição social.” Aconteceu então uma mudança de paisagem: “No distrito de Bragança, houve aldeias, como Alfândega da Fé, onde a população duplicou, com problemas de alojamento e emprego, com dificuldades em se encaixa rem do ponto de vista social, o que criou um ambiente que foi muito explorado pelas forças interessadas em travar o processo revolucionário do 25 de Abril.” Nesta tese, Agostinho Lopes desvaloriza qualquer reacção à Operação Nortada no âmbito das campanhas de esclarecimento político e dinamização cultural promovidas pelas Forças Armadas. No caso de Trás-os-Montes, a cargo de efectivos dos comandos: “Algumas dessas operações foram mais mediáticas do que no terreno, outras tiveram efeito quando fizeram o saneamento das autarquias e alteraram as relações de poder.” A substituição das estruturas municipais da ditadura pela nomeação de comissões administrativas para o novo poder local estendeu-se a outras realidades: “Também suscitou alterações nas cooperativas agrícolas, nos grémios da lavoura, tudo isso alterou relações de força que não foram bem vistas nem bem aceites por quem, até esse momento, partia e repartia tudo naquelas terras.”
Não à clandestinidade
 Com vários objectivos de involução, a violência marcou o Verão de 1975. Na contabilidade do PCP, o Dossier Terrorismo, das edições Avante!, regista de Maio de 75 a Abril de 77 a deÇagração de 310 bombas, a realização de 136 assaltos a sedes comunistas, 58 incêndios daquelas instalações, 36 casos de espancamento de militantes, 16 atentados a tiro e dez episódios de apedrejamento. Por distritos, estas acções ocorrem no Porto, (138 casos), em Lisboa (110) e Braga (70). No Alto Minho, um estudo recentemente publicado da organização comunista destaca a morte do militante José Martins da Costa, em Ponte de Lima, por disparos de militares que ocorreram a pôr termo ao assalto à sede do PCP e que responderam com rajadas de metralhadora aos tiros de caçadeira do centro de trabalho comunista. Mas não foi este o único caso de morte em actos de violência, alguns através das deÇagrações de bombas em veículos. Houve uma morte no assalto à sede comunista de Ponte de Lima, e outras duas em Arcos de Valdevez. Só na capital do Alto Minho, em Viana do Castelo, não houve incidentes, o que o PCP atribui à existência de um núcleo operário concentrado nos estaleiros navais da cidade. Em A Invasão Spinolista, livro do jornalista Eduardo Dâmaso, que relata as ramiÆcações políticas e de criminalidade comum, uma  cronologia aponta os episódios de ataques terroristas entre 1974 e 1976. Com uma curiosidade. O assalto, por duas vezes, às sedes do PCP e do MDP/CDE em Penafiel e em Bragança. Neste último caso, com nove feridos. Agostinho Lopes dá outro exemplo: “O centro de trabalho de Famalicão foi assaltado em [3] Agosto [de 1975] e passadas umas semanas já lá estávamos.” Manter a presença era fundamental. “As orientações nunca mudaram, a continuação do trabalho político e social, a denúncia do que tinha acontecido, os processos nos tribunais contra os assaltantes, as reuniões em casas de camaradas como sedes temporárias, com o esforço de rapidamente recuperar”, refere o antigo dirigente da DORN: “Mesmo durante o tempo dos assaltos, tomámos medidas de segurança, com militantes a dormirem nos centros de trabalho com caçadeiras.” A multiplicação das acções permitiu um padrão nos assaltos: “Faziam uma movimentação com um grupo dinamizador, às vezes atiravam pedras, noutras, tiros, havia ou não resposta com a ideia de provocar o menos possível o confronto e, a determinada altura chegavam as forças de segurança ou o Exército, que entravam nas sedes, desarmavam os militantes e os levavam para outro lado, e era então que havia o assalto. A maior parte dos assaltos era sem militantes dentro das sedes.” Agostinho Lopes nega a passagem momentânea à clandestinidade por motivos de se gurança: “Pelo contrário, uma das orientações mais certas do PCP foi evitar que deixasse de ser visível, sempre resistimos.”
A importância de Espanha
  Depois de desertar da Guerra Colonial, em Carmona, no Norte de Angola, para evitar um mandado de captura na sequência do 28 de Setembro, Jaime Nogueira Pinto percorreu uma peculiar geograÆa do exílio: Sudoeste Africano, hoje Namíbia, Pretória e Joanesburgo, na África do Sul, Rio de Janeiro e Madrid. “No Brasil, estive com Spínola duas ou três vezes porque tinha uns amigos que trabalhavam com ele, embora não fosse pessoa pela qual tivesse grande simpatia”, recorda. “Era amigo de várias das pessoas, quase todos, do Calvão [Alpoim], do Júdice [José Miguel], com quem compartilhava ideias, mas nunca estive propriamente inscrito no MDLP”, ressalva. Para o historiador e escritor, “Spínola era uma bandeira, estes movimentos em Portugal são de quadros, as revoluções portuguesas são de quadros médios, o 28 de Maio [de 1926] foi uma revolução de quadros médios, de capitães que, depois, foram buscar Gomes da Costa.” Os ataques às sedes da esquerda têm, para Nogueira Pinto, uma lógica própria: “Foi um movimento de reacção que envolveu, sobretudo, o clero católico e os católicos do Norte de Portugal; foi um movimento popular que teve esse enquadramento, estamos a falar do cónego Melo, do padre Narciso.” Para além da lógica, têm uma geografia singular: “É a geografia do Portugal conservador; se olharmos para a Guerra Civil (1832- 34), vemos que são zonas fortes do miguelismo; a Maria da Fonte (1846) tem também essa geografia; e na Monarquia do Norte (1919), à excepção de Aveiro, a geografia também é próxima.” Um Portugal conservador que vai à luta e desce à rua, enquadrado pela Igreja. “Hoje penso que, com a descristianização que existiu, já não seria possível um movimento desse tipo”, observa. “Foi um momento de catalisador anticomunista, onde estavam essas pessoas do MDLP em Madrid, e cuja importância foi fazer frente, animar os militares anticomunistas, desde os que estavam mais próximos da direita revolucionária aos que estavam próximos do centro, e mesmo do centro-esquerda”, descreve. “Essa atitude do povo na rua ajudou a legitimar esses movimentos e, no que é próprio dos movimentos ‘anti’, a tornarem amigas pessoas que não têm nada que ver com as outras.” No entanto, coloca limites à sua importância. “No Verão Quente de 1975, os soviéticos nunca estiveram interessados em tomar o poder em Portugal; Carlucci (Frank), nas suas memórias, fala disso”, lembra Jaime Nogueira Pinto, referindo-se ao embaixador norteamericano em Lisboa: “Os soviéticos não queriam mexer em Ialta [Conferência de Ialta, que decorreu entre 4 e 11 de Fevereiro de 1945], interessava-lhes manter uma testa de ponte até à conclusão do processo de descolonização. Aliás, o 25 de Novembro foi duas semanas depois da independência de Angola, a 11 de Novembro.” Jaime Nogueira Pinto junta outro factor: “O general Franco estava nas últimas, e se houvesse aqui uma perturbação de tipo prócomunista, o processo espanhol de transição não ia para a frente. E, apesar de tudo, a Espanha era mais importante do que Portugal.”



Os crimes da PIDE em Moçambique descritos no jornal "Público"

 


Em 1974, o Exército criou uma Comissão de Verdade para investigar os crimes da PIDE/DGS em Moçambique. Recolheu milhares de provas de violações dos direitos humanos e inquiriu centenas de pessoas. Mas os trabalhos foram subitamente encerrados e a documentação remetida para Lisboa. Há mais de 30 anos que estava perdida em 12 caixas na Torre do Tombo. O PÚBLICO revela-a agora pela primeira vez numa investigação que durou meio ano e que será publicada em sete artigo.

Investigação Os crimes da PIDE/DGS em Moçambique. 1964-1974 (VII) Na fortaleza-prisão na ilha do Ibo, no Norte de Moçambique, os mortos eram inumados em valas comuns abertas junto à muralha exterior ou incinerados na praia. Mais a norte, a ilha de Matemo era um cárcere a céu aberto para onde foram deportados milhares de civis da etnia maconde, sequestrados dos seus aldeamentos 

Por Maria José Oliveira

Os que iam para o Ibo eram tidos como já mortos"

João Tavares dos Santos só sabia três coisas sobre a missão “ultra-secreta” que o comandante acabara de lhe comunicar: o dia, o local e a hora. E desconhecia também que o seu superior não sabia muito mais do que isto. Era Janeiro de 1974, o furriel miliciano oriundo de Estarreja, com 23 anos, ia já na segunda comissão de serviço da Companhia de Caçadores 4243/72, agora destacada em Ancuabe, na província de Cabo Delgado. Estivera em combate na zona de Muidine, onde perdera cinco companheiros e vira muitos mais serem desmobilizados, feridos e enfermos com doenças tropicais. Estava exausto quando foi chamado pelo comandante interino da companhia, Bernardino Cassiano, que tinha apenas 24 anos. Em breve, num dia estipulado, João e um grupo de 30 homens armados deveriam dirigir-se para Metoro, a poucos quilómetros de Ancuabe, concretamente para um lugar conhecido como “cruzamento da viúva”, de onde partiam estradas em direcção a Nampula, Montepuez, Ancuabe e Porto Amélia (Pemba). Ali chegados deveriam prevenir-se contra eventuais ataques de guerrilheiros, formando círculos de vigilância. Era apenas isto. Não valia a pena fazer perguntas porque Bernardino não podia responder (na verdade, não sabia o que responder). O furriel tinha recebido, uns dias antes, uma encomenda especial: uma máquina de filmar com rolo que mandara comprar na África do Sul. Ponderou levá-la para esta operação, mas o “secretismo” dissuadiu-o. No dia, local e hora determinadas, os militares da companhia chegaram ao “cruzamento da viúva”. O lugar estava deserto, os homens tomaram as suas posições defensivas. E esperaram. Caiu a noite. João e os seus companheiros continuavam à espera não sabiam de quê. Já escurecera há algumas horas quando começaram a ouvir o ruído de motores e avistaram ao longe uma coluna de faróis. À medida que se aproximava, era possível distinguir nitidamente camionetas Berliet e jipes. Junto ao cruzamento, pararam. João aproximou-se e viu que no interior das viaturas estavam civis e militares. A troca de palavras foi breve e pouco esclarecedora. Os homens da unidade de caçadores deviam entrar numa das camionetas, disseram-lhes, e eles obedeceram. O cortejo seguiu em direcção a Montepuez. Mas não fez qualquer paragem nesta localidade. Continuou a marcha até um aldeamento cercado por comandos. Onde estavam?, quis saber o furriel. Um graduado respondeu-lhe que devia limitar-se a cumprir ordens e a não fazer perguntas. Naquele momento a sua tarefa era vigiar as viaturas estacionadas. O aldeamento chamava-se Hirica, soube mais tarde, e era uma povoação da etnia maconde, situada entre Montepuez e Balama. Não muito depois, João e os seus companheiros viram os habitantes desfilar em direcção às Berliet e obrigados a embarcar pelos militares e civis que o furriel percebeu então serem elementos da PIDE/ DGS. A operação foi morosa porque embarcaram toda a população: cerca de duas mil pessoas. Quando a coluna de viaturas regressou à estrada deixou atrás de si uma aldeia completamente despovoada. Dirigiu-se para leste, a caminho da costa, e ao fim de 220 quilómetros parou em Porto Amélia. João e os seus homens apearam-se na cidade, cumprindo ordens dadas no momento em que ali chegaram. As camionetas e jipes seguiram para o porto marítimo, onde os macondes de Hirica subiram a bordo de várias embarcações e zarparam com destino incógnito. A missão “ultra-secreta” de João Santos tinha terminado. Passaram dois meses antes que ele a compreendesse. 

 O segredo decifrado

Bernardino Cassiano, hoje com 74 anos, fez já várias pesquisas sobre a operação de Janeiro de 1974. Procurou nos espólios documentais de Caçadores 4243, do Batalhão 14, do Comando do Sector B de Cabo Delgado e em fundos do Arquivo Histórico-Militar. Nada encontrou, contou ao P2 através do email criado por esta série de investigação (pidemocambique@publico.pt). Nos relatórios quinzenais redigidos pela subdelegação da PIDE em Porto Amélia, e remetidos para a direcção-geral, em Lisboa, também nada consta. Bernardino tomou conhecimento a posteriori do “objectivo” da missão, mas gostaria de saber mais. Este a posteriori foi em Março de 1974, a poucas semanas do golpe militar que derrubaria o regime. No dia 18, João Santos foi novamente chamado por Bernardino e incumbido de preparar o seu grupo de combate para embarcar com destino à ilha de Matemo, onde iriam render uma outra guarnição militar. Desta vez, o furriel levou a sua câmara fotográfica. Matemo era uma das dezenas de ilhas do arquipélago das Quirimbas e situava-se a pouca distância da ilha do Ibo, onde a PIDE mantinha uma cadeia para presos políticos no interior de uma fortaleza. Quando desembarcou na ilha, alguns dias depois, a unidade dirigiu-se para a zona sul, onde existia um aldeamento indígena. Foi quando ali chegou que o furriel miliciano decifrou o segredo da operação em que participara dois meses antes — reconheceu entre os aldeões alguns dos macondes de Hirica e não tardou a chegar a uma conclusão: “Tinham sido aprisionados e ‘deportados’”, escreveu num depoimento coligido num livro de um outro ex-furriel, José Rui Ferraz. Segundo João Santos, Matemo era uma ilha “perfeita” para “manter fora de circulação” os suspeitos e os nativos sinalizados e considerados perigosos para a polícia política. Não existia qualquer hipótese de fuga, estava a cerca de meia hora da ilha do Ibo (onde estavam sempre destacados funcionários da PIDE, que ali se podiam deslocar com facilidade) e bastavam 10 militares chefiados por um furriel para fazer a vigilância da população desterrada. A detenção e embarque dos deportados resultara de um trabalho conjunto das autoridades administrativas, da PIDE e do Exército, mas a tutela de Matemo enquanto ilha-prisão cabia à polícia política, nomeadamente aos dirigentes que estavam na subdelegação de Porto Amélia. Aparentemente não existem registos escritos sobre este lugar de degredo (também não há menções nos documentos da comissão que investigou os crimes da PIDE em Moçambique [Comissão de apuramento de responsabilidades criminais de elementos da PIDE/DGS], que temos vindo a revelar desde 22 de Junho) e o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICR), que visitava com frequência as cadeias geridas pela polícia, nunca soube da sua existência.

À espera da morte junto ao “tambor do mijo” 

Eram sete da manhã de 3 de Fevereiro de 1974 quando Alain Jaccoub, Nicolas de Rougemont e Andreas Vischer entraram na fortaleza de São João Baptista, uma de três estruturas defensivas construídas no último quartel do século XVIII na ilha do Ibo, a norte de Moçambique. Era agora um dos cárceres para presos políticos administrados pela PIDE. No dia anterior, os representantes do CICR tinham estado nos calabouços na cidade portuária de Porto Amélia, onde a polícia torturava e matava civis detidos ilegalmente para “averiguações”. Mas a visita tinha sido preventivamente planeada pela PIDE, pelo que os três elementos da organização internacional humanitária viram apenas o que lhes foi dado a observar: ficaram impressionados com o “excesso de limpeza” e “se tivessem de estar detidos escolheriam Porto Amélia”, relatou para Lisboa Fernando Pereira de Castro, director da PIDE na antiga colónia. Naquela manhã de Fevereiro, acompanhados por Ataíde Lobo, delegado de Saúde em Porto Amélia, os representantes do CICR conversaram “a sós” com alguns presos, registaram notas e assistiram ao almoço, “apreciando o menu”. Saíram e decidiram que não era necessário regressar à tarde. Antes de embarcar rumo a Porto Amélia passearam pela vila e compraram artesanato local. Segundo Pereira de Castro, nenhum dos detidos se queixara de “maus tratos” e “todos” afirmaram que ali tinham “bom trato, vestuário e medicamentos”. Os inspectores do CICR tinham, portanto, ficado “satisfeitos” com o “aspecto agradável” daquilo que “lhes fora dado observar”. E o que lhes foi “dado observar” existia somente durante as visitas institucionais. Uns dias antes da visita dos elementos do CICR tudo foi limpo e cerca de 200 presos foram retirados da cadeia e deslocados para uma zona de mato, onde foram mantidos até à saída do CICR da ilha. Um deles era Cassamo Abdul Carimo, detido em Nampula em 1972, transferido para Porto Amélia, onde foi torturado, e depois levado para o Ibo, onde os pides continuaram as sevícias durante os interrogatórios. Carimo tinha demasiadas sequelas para ser visto pelos delegados da Cruz Vermelha. Pela fortaleza-prisão do Ibo passaram milhares de presos, oriundos de todo o país e muitas vezes em trânsito para lugares de detenção e trabalhos forçados no sul (Machava, Catembe e Mabalane). Era uma das cadeias políticas mais temidas em Moçambique. “Os que iam ao Ibo eram tidos como já mortos”, afirmou Sambi Adamo, um agricultor de 67 anos, ali preso em Março de 1974. A sobrelotação era permanente, até porque a estrutura, em forma de estrela pentagonal, tinha precárias condições de alojamento (as casernas do antigo quartel tinham pequenas dimensões). Quando já não cabia mais ninguém nas celas (55 homens em espaços com 10 por 15 metros quadrados), os reclusos ficavam no pátio interior da fortificação. Ali comiam, dormiam ao relento (“quando chovia ninguém dormia”, contou Fernando Domingos Salvador à comissão de investigação dos crimes cometidos pela PIDE entre 1964 e 1974) e usavam um tambor para as necessidades. Os prisioneiros chamavam a estes depósitos os “tambores do mijo” — alguns tinham capacidade para 200 litros e eram levados diariamente para a praia pelos presos, ao nascer do sol, e vazados no mar. Enchiam depois estes recipientes com água salgada, sendo obrigados a bebê-la para matar a sede. Outros, em desespero, bebiam urina e suor. O mar era o único lugar onde os presos podiam lavar-se, mas nem a todos isso era permitido e a ida até à praia obedecia a um ritual violento: durante a madrugada ou ao raiar do dia, uma dúzia de reclusos eram despidos e no trajecto até ao mar tinham de passar por entre duas fileiras de pides que lhes batiam “tanto à ida como à volta”, contou Pedro Dias Uagire. As agressões mais violentas eram sobretudo exercidas sobre os “assimilados”, os “elementos mais civilizados”, denunciou Pedro Armando Jemusse, que fora intérprete no posto administrativo de Balama. Jemusse, que esteve no Ibo de 1966 a 1968, antes de ser trasladado para a Machava, disse aos instrutores militares da comissão que as epidemias e as doenças pulmonares eram frequentes e não existiam cuidados médicos ou de enfermagem. O delegado de saúde visitava a cadeia uma vez por mês, por vezes nem isso, e os presos eram abandonados ao sofrimento e à morte. Começavam por ter paralisias súbitas, inÇamações, elefantíase e diarreias. Os pides dispunham-nos em torno dos “tambores do mijo” e não eram dali removidos nem quando os dejectos começavam a transbordar dos bidões. Quando morriam eram inumados em valas abertas pelos reclusos ao longo do muro exterior do forte. Antigos presos declararam à comissão que, quando os mortos ascendiam a dezenas, os cadáveres não ficavam inteiramente cobertos de terra e isso atraía matilhas de cães vadios, que acabavam por comer os corpos. Inglês Abchir contou a 29 de Agosto de 1974 que viu morrer 30 prisioneiros em apenas um dia, doentes e sem qualquer tipo de assistência (“evacuavam sangue”), e por volta das seis da manhã entrou um tractor no pátio, os mortos foram carregados para o veículo e depois inumados junto aos pés da muralha. Quando a vala comum começou a ser insuÆciente para a mortandade no Ibo, passaram a incinerar os cadáveres. E recorriam aos presos para fazê-lo. Luís Simba explicou que Manuel José Bolinhas, guarda prisional, e um recluso da sua confiança levavam o tractor com os mortos para a praia. Os presos abriram vários buracos na areia, não muito profundos, mais ou menos pela altura do joelho. Os corpos sem roupa eram para ali atirados, Bolinhas cobria-os com sacos de serapilheira e ateava fogo. “Depois de carbonizados eram levados de tractor para o cemitério ‘político’ lá ao lado da fortaleza.” A comida era invariavelmente farinha de mandioca, por vezes podre e com bichos, sempre extremamente salgada. Aos domingos, davam peixe seco (pescado pelos reclusos). Algumas vítimas relataram ainda que em algumas ocasiões os pides misturavam sabão na farinha, o que provocada disenterias. Simoni Camorai chegou a pagar, durante os dois primeiros meses de encarceramento, 30 escudos por dia a um guarda para ter acesso às refeições dos pides. Outros recorriam às famílias que ali deixavam diariamente cestos com alimentos, mas nem sempre os géneros eram entregues. “Em vez de me darem entornavam ou davam aos auxiliares e reclusos mais antigos”, disse Luís Guedes da Costa Ferreira, que ali esteve preso durante um ano.

“Pura vingança”, alegou o inspector Borges 

Os actos criminosos executados pela PIDE na fortaleza do Ibo começavam logo à entrada dos presos, durante as revistas. Os funcionários retiravam-lhes bens — relógios, fios e correntes de ouro, dinheiro, sapatos e camisas — e nunca mais os restituíram. A exiguidade das instalações, também guardadas por militares, convertia uma das divisões, a secretaria, em sala de interrogatórios sob tortura. Os pides (guardas prisionais, agentes, chefes de brigada e inspectores) eram em número reduzido e familiares aos reclusos que já tinham passado pela subdelegação de Porto Amélia. Nesta cidade e no Ibo quem cheÆava os homens da PIDE era o inspector Eduardo Avelino Borges, um transmontano de Vinhais nascido em 1928, cuja actuação criminosa levou a comissão a indiciá-lo em Agosto por crimes de ofensas corporais, apenas. Mas Borges foi também responsável por um número incalculável de mortos e desaparecidos e pelos delitos de roubo, extorsão e mesmo peculato. Arlindo Casimiro Langa, que trabalhava na Secretaria dos Serviços da Administração Civil em Mocímboa da Praia, garantiu aos instrutores que o inspector, “pelo menos desde Julho de 1973 a Maio de 1974” (a libertação dos presos do Ibo foi a 21 desse mês), requisitava às autoridades provinciais dezenas de quilos de arroz alegando que serviam para a alimentação dos prisioneiros. “Depois vendia-o em Porto Amélia ao senhor Quinaz Pires por preço que ignora, adquirindo para os reclusos farinha de mandioca de qualidade inferior e imprópria para consumo”, Æcou registado num auto de inquérito em Junho de 1974. Avelino Borges, que quando entrou na PIDE tinha cadastro criminal pelo crime de especulação de preços em PenaÆel, foi inquirido pela comissão por diversas vezes entre Julho e Agosto, enquanto estava detido preventivamente na cadeia da Machava, em Maputo, mas nunca foi confrontado com outros actos criminosos que não os espancamentos e as torturas aos reclusos da PIDE. Previsivelmente, negou sempre o uso da violência e de trabalhos forçados e qualificou as inúmeras acusações contra si recolhidas pela comissão como um “conluio que outro signiÆcado não tem que o de uma pura vingança contra os elementos da extinta Direcção-Geral de Segurança”. Como a brigada de pides no Ibo era pequena, a polícia recorria a reclusos com resistência física para agredirem e torturarem os seus companheiros de cárcere. “Batia nos presos com um pneu [tira de borracha] tendo sido obrigado a fazê-lo várias vezes que se o não fizesse o ex-agente da DGS João de Almeida lhe batia a ele”, lê-se no auto de perguntas a Ângelo Xavier Mecânico. Idêntico depoimento foi prestado por Pedro Maria Mendes, que serviu também como intérprete. Saide Dade, preso no Ibo a 7 de Março de 1974, disse ter sido espancado por Almeida e por um recluso chamado Félix. A comissão ouviu este último a 15 de Julho — admitiu que “era obrigado” pelo agente a “agredir os interrogados (…) pois se não o fizesse seria ele o agredido.” Manuel Mussa Rendra expôs ainda um caso em que viu um recluso ser morto pelos companheiros de cela — foi na número quatro, onde estavam cerca de 40 presos de etnia maconde a quem a PIDE assegurou que seriam libertados se o régulo Megama “confessasse” as suspeitas. O homem começou a ser maltratado pelos outros prisioneiros. Bateram-lhe, pisavam-no, urinavam sobre ele. Os guardas nada fizeram e ele acabou por morrer. “Não existe ser humano neste globo…” Valentim Gonçalo João Almeida chegou ao Ibo a 23 de Março de 1973: “No meu  interrogatório sofri muita porrada. O chefe foi o senhor Almeida que foi um leão para mim e para muitos presos também com dois africanos que serviam de intérpretes chamados Mecânico e Pedro Maria Mendes. Os dois com borrachas e o chefe Almeida com uma cadeira, até fui ferido na cabeça. Três dias de interrogatório, apanhando sempre, até obrar nas calças e perder os sentidos. Uma semana a urinar sangue e sem tratamento algum. [A] trabalhar como machambeiro durante oito meses e fui pago nada. Dormia mal, comia pior todos os dias.” Em todo o país, os militares responsáveis pelo grande inquérito à actuação da PIDE em Moçambique ouviram queixas sobre João de Almeida. Uma mulher detida em Mueda em 1972, acusada de “fornecer roupas para as gentes do mato”, foi levada clandestinamente para o Ibo e ali espancada pelo agente; Guiga Alimomade, preso em 1971 em Mucojo, pagou 11 dos 15 contos exigidos por Almeida para sair da cadeia; a Inzé Abdala, de etnia macua, espetou-lhe um prego no braço esquerdo. João de Almeida tinha 38 anos em 1974, foi capturado na Operação Zebra (acção militar que resultou na detenção de meio milhar de pides, a 8 de Junho) e inquirido por diversas vezes pela comissão na Machava. Sobre as denúncias e acusações respondia consistirem em “pura vingança, em represália à DGS que lutava contra a Frelimo”. António Sousa Moreira, chefe de brigada, disse o mesmo quando interrogado também na cadeia da capital. Quando foi ouvido, a 12 de Julho, recusou defensor: “Que tanto ordens escritas como verbais era de não exercer quaisquer sevícias sobre os detidos e que eram cumpridas rigorosamente as instruções recebidas. (…) Os interrogatórios [eram] inteligentemente orientados de maneira que o detido viesse a confessar sem dar por isso”, lê-se no auto. Num depoimento prestado em Montepuez a 18 de Junho, Camiranha Caraco, 48 anos, explicou que não era possível resistir à violência exercida para obter autos de conÆssão: “Não existe ser humano neste globo que, depois de lhe serem infligidos os maus tratos em uso naquela prisão, pudesse resistir e não aceitasse qualquer acusação que lhe fizessem.” Quase um mês depois do 25 de Abril, a 21 de Maio, os últimos presos do Ibo foram libertados. Estavam doentes, estropiados, tinham sequelas crónicas devido às sevícias e às condições de aprisionamento. Muitos ficaram inválidos e inabilitados para trabalhar. No mesmo dia embarcaram num navio da Marinha portuguesa que os levou até Porto Amélia e retornaram depois para as suas terras. No interior da fortaleza da ilha permaneceram os funcionários da PIDE; e na vila, as suas famílias.

Pides detidos nos seus calabouços

Notícias da Revolução de Abril na “metrópole” chegaram à ilha de Matemo nos primeiros dias de Maio. João Tavares dos Santos, que ali chegara em Março, juntamente com um pequeno contingente militar de Caçadores 4243, recebeu então uma ordem bastante diferente daquelas que ouvia desde 1972: devia concentrar os desterrados na praia. Em poucas horas ali aportaria uma fragata da Marinha que os transportaria para Porto Amélia. A partir dali seriam cidadãos livres. João Santos fez o que lhe mandaram e levou consigo a sua câmara fotográfica. Algumas dessas imagens em que se observam os civis e os seus bens, à espera do barco na praia de Matemo (em cima, nestas páginas), são agora publicadas pela primeira vez no P2. Em meados de Junho, o furriel e os seus companheiros saíram da ilha e foram para Porto Amélia. A guerra ainda não tinha terminado. Precisamente em Junho, Bernardino Cassiano continuava a exercer as funções de comandante interino da companhia de caçadores em Ancuabe. Nos primeiros dias do mês, fora incumbido de mais uma  operação militar secreta: no dia 8, a partir das dez e meia da manhã deveria dar ordem de prisão a todos os elementos da PIDE/DGS, exceptuando as agentes femininas e os funcionários que tinham entrado no quadro de pessoal depois de 1 de Março. A captura dos pides pelo Exército (Operação Zebra) decorreu em todo o país. Bernardino desarmou e prendeu a brigada que actuava em Ancuabe e na fortaleza-prisão do Ibo. Todos foram encarcerados nos calabouços da subdelegação da polícia em Porto Amélia, onde umas semanas antes violentavam os reclusos. “Deveria ser muito estranho para os agentes daquela organização verem invertida a situação que ainda há pouco tempo viviam, isto é, de carcereiros impiedosos nas suas próprias masmorras”, escreveu sobre aquele dia um furriel de Caçadores 4243, Manuel Carriço Amaro. Nas vésperas da Operação Zebra restava uma dezena de pides no Ibo, então chefiados pelo agente João Joaquim Magro, um homem acusado frequentemente por antigos prisioneiros da fortaleza porque tinha uma preferência especial no catálogo de torturas: obrigava os presos a estar durante muitas horas de pé, braços abertos e uma perna encolhida. Se o torturado vacilasse, sem forças, era espancado com uma vergasta de borracha. Chamavam a esta sevícia “estope”. A brigada que estava no Ibo foi transportada em dois helicópteros para Porto Amélia, onde se reuniu a outros elementos da corporação que trabalhavam nas instalações locais e que de vez em quando prestavam serviço na fortaleza-prisão. Mais tarde, a maioria seria transferida para cadeias distantes das suas áreas de serviço e residência, de forma a tentar atenuar a ira popular. Muitos foram para a Machava, como Eduardo Avelino Borges e vários agentes de 1.ª e 2.ª classe. Os militares que tinham ficado na ilha ocuparam a fortificação e durante alguns meses procuraram contrariar a “pasmaceira” do Ibo com o jipe Land Rover que a PIDE ali deixara: uns aprenderam a conduzir, outros aventuravam-se por toda a extensão de terra. Tinham 200 litros de gasóleo para usar.

51 anos depois, a justiça possível

 Na madrugada de 9 de Setembro de 1974, dois dias depois da eclosão da revolta branca na capital, em contestação ao que fora firmado nos acordos de Lusaca, Bernardino Cassiano abriu algumas das gavetas de um gabinete da subdelegação em Porto Amélia. Encontrou apenas umas cadernetas de guerrilheiros da Frelimo e um documento sobre uma das bases daquela organização. Não teve “visão histórica”, disse ao P2, para revistar as instalações e recolher o arquivo (ao longo desse mês, o Exército destruiu todos os fundos documentais da PIDE em Moçambique). Na noite de 8 para 9 de Setembro, o comandante interino de Caçadores 4243 estava no edifício da polícia política porque as Forças Armadas tinham decidido transferir os pides para Nampula. Da capital chegara já a informação de que os insurrectos tinham libertado e armado os antigos funcionários da corporação aprisionados na Machava e temia-se que a intentona colonial alastrasse para norte. Não alastrou. Mas um número indeterminado de elementos policiais aproveitou para fugir de Moçambique. Em finais de Setembro, a cúpula militar em Lisboa decretou o repatriamento dos pides que ainda estavam no antigo território ultramarino. Nesse mês, e mais tarde, em Fevereiro de 1975, as Forças Armadas fretaram aviões comerciais para transportar os antigos policiais e as suas famílias. Francisco Anselmo Dores, um furriel miliciano de Caçadores 3554 que participara na Operação Zebra, com a detenção de 83 funcionários em Milange, era então um dos responsáveis pelo transporte de haveres dos soldados nos porões dos navios que  viajavam para Portugal. Vários agentes interpelaram-no pedindo-lhe que embarcasse bens de que eram proprietários, mas mantendo os nomes dos soldados. Muitos queriam enviar mobílias completas. Nos primeiros dias de Setembro, os trabalhos da comissão criada pelo Exército para investigar os crimes e as violações de direitos humanos cometidas pela PIDE/DGS desde 1964 foram abruptamente encerrados, sem que os instrutores tenham registado qualquer justificação (escreveram apenas estar a obedecer a uma “mensagem- -relâmpago”). A partir de então, a existência desta comissão de inquérito e das investigações criminais e perícias que desenvolveu ao longo do Verão de 1974 foram apagadas da historiografia política e militar portuguesa e moçambicana. Fez-se um silêncio de 51 anos, quebrado agora pelo PÚBLICO com esta série de sete artigos (iniciada a 22 de Junho) e um podcast narrativo. Dar e amplificar a voz das vítimas é a justiça possível em 2025.







"O outro lado da meia noite" reflexões importantes de Filipe Sousa

 


O outro lado da meia-noite!

Há um país que infelizmente os nossos governantes não querem ver.
Um país que não aparece nas conferências de imprensa, nem nos corredores do poder.
Um país que se esconde quando se apagam as luzes e se fecha a porta de casa.
E esse País está refugiado naquilo que designo: “no outro lado da meia-noite”. E é aí que mora a verdade.
É aí que mora a dor surda de quem trabalha o mês inteiro e, ainda assim, não sabe se chega ao fim dele.
É aí que mora todas aquelas famílias que fazem das tripas coração para suportar e elevadíssimo custo de vida.
É aí que mora o silêncio dos pais que mentem à mesa, dizendo que não têm fome, só para deixar mais um prato para os filhos.
É aí que mora a humilhação de quem conta moedas no balcão da farmácia.
É aí que mora a ansiedade de quem olha o frigorífico vazio e pensa: “como é que vou fazer amanhã?”
Este país não vive. Sobrevive. Com esforço. Com medo. Com vergonha e com uma dignidade silenciosa que devia envergonhar quem toma decisões de cima para baixo, sem nunca descer à realidade.
E o mais revoltante? É que este país trabalha. Levanta-se cedo. Chega tarde a casa. Faz horas extra. Aguenta tudo. Cala tudo e como já disse “faz das tripas coração” todos os dias.
As famílias portuguesas, incluindo as das regiões autónomas, estão a viver no fio da navalha. E quem devia proteger, governa de olhos fechados e de fachada.
Fala-se de “crescimento económico”, de “recuperação”, de “otimismo nos mercados”.
Mas isso não mata a fome. Não paga a renda. Não aquieta o medo.
As soluções que aparecem são curtas. São técnicas. São medidas que chegam tarde, ou então não chegam a quem mais precisa.
Medidas que vêm escritas em PowerPoints, mas não cabem dentro de uma casa humilde com um, dois, três filhos ou mais filhos e um salário mínimo.
Este “O outro lado da meia-noite” é um grito abafado. Um lamento coletivo de um povo que está a ser empurrado para o limite.
Um país que se está a esquecer de quem o constrói todos os dias com as mãos, com o suor e com o coração.
Por isso digo que é urgente devolver humanidade à política. É urgente governar com os pés no chão e com o coração no lugar certo.
Porque um país que abandona quem trabalha, quem cuida, quem resiste, é um país que já perdeu o essencial: a alma.
Enquanto esse lado sombrio da meia-noite continuar a ser ignorado, cá estarei para dar nome às dores. Para dar rosto aos silêncios e para ser voz onde há silêncio.
Porque a política não é para quem quer poder.
É para quem tem coragem de servir.
Bom domingo para todos,
Filipe Sousa

domingo, 3 de agosto de 2025

O PSD Madeira, o Bom o Mau e o Insignificante. [Rubina Berardo sai do PSD]

 



https://www.madeiraopina.com/2025/08/psd-madeira-o-bom-o-mau-e-o.html

Exageros dos camaradas do MPLA

 Festa de 50 anos da mulher do Edeltrudes Costa , ministro do estado e director do gabinete do presidente João Lourênço em Angola .

 Festa de 50 anos da mulher do Edeltrudes Costa , ministro do estado e director do gabinete do presidente João Lourenço em Angola .
 Para a realização desta festa milionária , foi fretado um avião do Brasil para Luanda com móveis, flores, comida, funcionários , etc .
  O evento ocorreu no passado sábado , dentro do seu resort no bairro ENGEVIA em Luanda.

https://imparcialpress.net/edeltrudes-costa-oligarca-das-importacoes-de-alimentos-em-angola/

Chefe de gabinete de João Lourenço recebeu milhões de dólares de origem desconhecida, revelam documentos

Edeltrudes Costa, chefe de gabinete do Presidente angolano João Lourenço, recebeu em Julho de 2013, 17,6 milhões de dólares, cuja origem se desconhece, disse o jornal português Expresso.

Na altura, Edeltrudes Costa era ministro no Governo do então Presidente José Eduardo dos Santos.

O dinheiro foi depositado numa das suas contas no Banco Angolano de Investimentos e 17 milhões foram aplicados em “títulos garantidos” daquele banco, disse o jornal citando documentos a que teve acesso

Um mês depois, outros cinco milhões de dólares foram depositados na mesma conta provenientes do empresário Domingos Manuel Inglês e durante esse mês Costa levantou 1,25 milhões de dólares em numerário.

O Expresso disse que Edeltrudes Costa não esclareceu porque é que Domingos Inglês, figura próxima do General “Kopelipa”, transferiu esses cinco milhões de dólares

O Expresso revela que a fortuna de Edeltrudes Costa é superior a 20 milhões de euros e foi usada para comprar algumas propriedades em Portugal e no Panamá.

Em Abril de 2017, já depois de ter sido afastado por José Eduardo dos Santos, Edeltrudes Costa transferiu pouco mais de dois milhões de euros para uma conta da sua ex-mulher, Ariete Faria, quem depois comprou uma casa em Cascais, nos arredores de Lisboa, por 2,52 milhões de Euros.

Ariete Faria é tambem propietária de uma outra casa em Sintra, em Portugal.

Edeltrudes Costa comprou também um apartamento no Panamá em 2011 por 300 mil dólares.

O pagamento foi feito através de uma conta na sucursal do banco BES na Madeira em nome da Vadin Enterprises Limited, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Essa mesma companhia comprou uma embarcação a uma companhia portuguesa no valor de quase 108 mil euros

Numa declaração ao Expresso, Edeltrudes Costa, embora sem entrarr em detalhes, revelou que todos os recursos que recebeu “ tanto no exercício de funções públicas como no exercício da minha actividade profissional ou em resultado de investimentos pontualmente realizados, foram atempatadamente declarados e sujeitos a escrutínio pelas autoridades angolanas competentes sendo as minhas fontes de rendimento perfeitamente claras e legais”.

Edeltrudes Costa é ministro e chefe de gabinete de João Lourenço

O Expresso confirmou no registo predial que a moradia em Cascais se mantém nas mãos de Ariete Faria, tal como uma outra casa com piscina na Quinta da Beloura, em Sintra, que a cidadã angolana adquiriu em março de 2009. Ariete Faria é presidente da EMFC Consulting, uma empresa de Luanda na qual Edeltrudes Costa tem plenos poderes desde outubro de 2015, por conta de procurações que lhe foram entregues pelos quatro sócios da empresa. A EMFC já fez vários trabalhos com o Estado angolano. Conflitos de interesse? “Sempre levei e levo muito a sério os conflitos de interesse, os quais sempre declarei quando entendi existirem, privilegiando sempre a transparência das relações”, comentou o chefe de gabinete de Lourenço.

Em 2017, num período em que Edeltrudes Costa estava fora do Governo, a EMFC faturou ao Ministério da Justiça 20 milhões de kwanzas (€36 mil ao câmbio atual) por assessoria em dois anteprojetos de diplomas. A EMFC ganhou ainda €540 mil com as eleições de 2017 em Angola, por honorários cobrados à Bosmax Trading, contratada pela Comissão Nacional Eleitoral para fornecer equipamentos para as eleições por um valor equivalente a €9 milhões.

A EMFC trabalhou ainda no Plano Estratégico de Contratação Pública Angolana (PECPA), cuja revisão foi adjudicada à britânica Crown Agents Limited. Esta contratou a angolana FTL Advogados, que, por sua vez, recorreu à EMFC, que lhe cobrou 30.500 dólares. Filipa Lima, sócia da FTL, esclarece que “a FTL Advogados recorreu a contributos de terceiros com conhecimento especializado, como era e é o do Senhor Dr. Nuno Monteiro Dente, jurista de reconhecidos méritos em matéria de contratação pública e quadro da EMFC”. E admitiu ao Expresso que também a portuguesa CMS Rui Pena & Arnaut (da qual a FTL é parceira) prestou apoio especializado no âmbito do PECPA.

FONTE


Amador Aguiar: O Banqueiro Que Não Pediu Licença à História.

 

Ele não nasceu cercado de colunas dóricas nem herdou terras, títulos ou sobrenomes dourados. Amador Aguiar, filho de lavradores de Ribeirão Preto, veio ao mundo no silêncio do interior paulista — mas traria consigo a inquietação dos gênios e o apetite dos impérios.
Antes de se tornar banqueiro, foi de tudo um pouco: entregador de marmitas, copeiro de repartição pública, ajudante de contabilidade. Aos olhos da aristocracia urbana, era apenas mais um rosto anônimo na multidão que enchia os bondes da cidade. Mas Amador não se contentava em passar: ele queria cravar seu nome no mármore da história.
Em 1943, nascia em Marília o Banco Brasileiro de Descontos — o futuro Bradesco — numa sala pequena, sem pompa, mas com visão de águia. Enquanto os barões da Faria Lima concentravam seus esforços na elite urbana, Amador olhou para os esquecidos do interior: comerciantes, lavradores, balconistas. E fez um gesto raro entre os poderosos — confiou neles.
Abriu agências onde ninguém queria ir. Levou crédito a cidades que mal tinham asfalto. E aos poucos, ergueu um império bancário nacional, sem sobrenome ilustre, sem capital estrangeiro, sem herança.
Mas que ninguém se engane: quando o sucesso veio, ele se sentou entre os grandes — e soube dialogar com eles. Trocava cartas com Roberto Marinho, jantava com Antônio Ermírio de Moraes, dialogava com Ulysses Guimarães sobre os rumos do país. Culto, sereno e reservado, era mais ouvido do que visto. E quando falava, até os mais céticos silenciavam.
Nos anos 70 e 80, o Bradesco se tornou uma muralha de concreto e confiança, presente em cada canto do Brasil. Foi o primeiro banco a adotar a informatização no país, antecipando o tempo e provando que a modernidade podia nascer de mãos calejadas.
Amador não deixou um império apenas financeiro — deixou um símbolo. Mostrou que a elite verdadeira não nasce, constrói-se. E que a fortuna mais duradoura não está nos salões, mas nas ideias e na coragem de implementá-las.
Morreu discreto, como viveu. Mas seu nome permanece — nas fachadas dos bancos, nas fundações sociais, nas lembranças daqueles que souberam que um homem só, com humildade e visão, pode sim fundar um país inteiro dentro de um banco.
Texto de Tiguinho