domingo, 9 de março de 2014

Supremo espanhol manda demolir resort milionário em zona protegida


Mega-empreendimento turístico foi construído numa zona da Rede Natura 2000 e até já começou a ser vendido. Ambientalistas aplaudem decisão histórica mas criticam lentidão da justiça.

O Supremo Tribunal espanhol ordenou a demolição de um mega-empreendimento turístico já parcialmente construído numa zona protegida em Cáceres, na Estremadura. A sentença confirma a decisão do Tribunal Superior de Justiça, que considerou o projecto ilegal, dando razão aos ambientalistas. Uma decisão que seria improvável em Portugal, acredita a Quercus. Na sentença lida na passada sexta-feira, os juízes do Supremo anulam um decreto da Junta de Estremadura, de 2007, que classificou o complexo turístico Marina Isla de Valdecañas como Projecto de Interesse Regional (PIR). Além disso, ordenam a “reposição dos terrenos” tal como estavam antes da construção. A sentença não pode ser alvo de recurso. No entanto, o conselheiro de Administração Pública do Governo da Estremadura, Pedro Nevado-Batalha, revelou que vai apelar ao Tribunal Constitucional. "Vamos impugnar, vamos recorrer de acordo com o que a lei nos permite", garantiu, depois de conhecer a sentença. Nevado-Batalha sublinhiu que o complexo turístico é "tremendamente importante para a região". "Este não é um projecto do Governo estremenho, nem é um projecto de nenhum governo em particular", mas sim "um projecto regional que está a gerar cerca de 300 postos de trabalho directos e indirectos, com uma capacidade empregadora muito importante", afirmou. O Governo da Estremadura entende que "não há uma violação do princípio da legalidade", se forem tidas em conta as alterações à Lei do Solo espanhola feitas em 2010 e em 2011. "O conflito jurídico em relação a este assunto não terminou com a sentença do Supremo Tribunal", asseverou Nevado-Batalha. O complexo, que a empresa Marina Isla de Valdecañas descreve na sua página de Internet como “único na Europa”, estende-se ao longo de 133 hectares na albufeira de Valdecañas, localizado no noroeste da província de Cáceres, a 250 quilómetros de Badajoz e a 450 quilómetros de Lisboa. Fica numa ilha na barragem de Valdecañas, no no rio Tejo, emoldurada pelas serras de Gredos e Las Villuercas, inserida na Rede Natura 2000 – a malha europeia de habitats a preservar. Está classificada como Zona de Protecção Especial para Aves e como Sítio de Interesse Comunitário. A 10 de Abril de 2007, a Junta de Estremadura aprovou o decreto que classifica o complexo como PIR, levando à reclassificação dos terrenos como urbanizáveis. Foi essa decisão que o tribunal considerou agora nula, por entender que os motivos socioeconómicos nos quais se baseou – relacionados sobretudo com a criação de emprego – são “insuficientes”. O empreendimento, que representa um investimento de 200 milhões de euros, inclui dois hotéis e 300 villas independentes com 275 a 560 metros quadrados, com “magníficas vistas sobre a albufeira de Valdecañas, a serra de Gredos e o campo de golfe”, segundo o site do projecto. Villas já estão a ser vendidas Até agora foram investidos 130 milhões de euros na construção de 185 villas, de um campo de golfe de 18 buracos, um hotel, marina, piscinas, uma praia artificial e um complexo desportivo. As villas estão a ser vendidas desde Março de 2011, algumas por 500 mil euros, segundo ambientalistas que contestam o projecto. É precisamente de Março de 2011 que data a primeira decisão judicial sobre o processo. O Tribunal Supremo de Justiça da Estremadura considerou o projecto ilegal, dando razão a uma acção interposta pelas associações Ecologistas em Acção e Associação para a Protecção dos Recursos Naturais de Estremadura. A Junta de Estremadura, os municípios de El Gordo e de Berrocalejo (onde fica localizado o empreendimento) e os proprietários do projecto recorreram da decisão, alegando que “a mera inclusão dos terrenos na Rede Natura 2000 não implica necessariamente que sejam considerados como solo não urbanizável sob protecção especial”. O Supremo não concorda e sustenta que a legislação nacional e europeia sobre protecção ambiental “deixa claramente estabelecido que quando os terrenos estão sujeitos a algum regime de protecção sectorial (…) torna-se clara a sua exclusão do desenvolvimento urbano e a sua classificação como solo não urbanizável de protecção especial”. Guillermo Fernández Vara, actual secretário-geral do PSOE na Estremadura, presidente da Junta na altura em que o projecto foi aprovado, mostrou “respeito” pela decisão do Supremo mas mantém-se a favor do projecto. “Defendi e defendo este projecto porque tinha e tenho a responsabilidade sobre 160 mil desempregados e 70 mil cidadãos sem subsídios”, escreveu Fernández Vara na sua conta do Twitter, depois de conhecer a sentença. "Sou um firme defensor do meio ambiente mas nunca ficarei de braços cruzados enquanto assisto ao desmantelamento da minha terra", acrescentou. Os ambientalistas que sempre contestaram o projecto queixam-se de ter recebido ameaças e criticam “a lentidão da justiça”. Em entrevista ao diário El País, publicada neste domingo, Paca Blanco, membro da associação Ecologistas em Acção, conta que foi forçada a mudar de casa e que recebeu várias ameaças, durante os sete anos de luta judicial, desde que o projecto foi aprovado. Quando o complexo começou a ser construído, “secaram o Tejo e mataram todos os animais”, revelou a activista ao diário espanhol, acrescentando que tem fotografias de cervos a afogarem-se no rio. Demolição é "difícil" A decisão do Supremo espanhol é “muito importante”, sublinha Domingos Patacho, da Quercus, que não acredita num desfecho semelhante nos tribunais portugueses. Resta agora saber se a demolição vai mesmo concretizar-se. “Dificilmente”, acredita o ambientalista. “O complexo vai ficar com um carimbo de insustentabilidade, ninguém vai comprar uma casa que tem ordem de demolição, mas é difícil que se vá demolir”, observa. Em Portugal não há registo de decisões semelhantes, envolvendo projectos desta dimensão. “Houve um caso em que a Soltróia teve que corrigir duas vivendas construídas em cima das dunas [por estarem dentro da Reserva Ecológica Nacional], mas nada de mais”, diz Francisco Ferreira, da associação. Existem, isso sim, vários projectos embargados mas que continuam de pé. É o caso do empreendimento da Vila Rosalinda, à entrada do Rogil (Aljezur), em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, que começou a ser construído sem licença no final dos anos 1980 e foi embargado pela câmara pouco depois. O esqueleto de dois andares continua enfiado no meio da paisagem. (Público.pt)
Memórias do Tarrafal
Enfermaria e Casa Mortuária
Uma das marcas principais do campo de concentração do Tarrafal foi, sem dúvida, a falta de assistência aos presos ali encarcerados.



Mas foi, sobretudo, a acção do médico do campo, Esmeraldo Pratas, alcunhado de Tralheira, que contribuíu para o agravamento das condições de sobrevivência dos presos - recusando mandar ferver a água insalubre vinda da fonte de Chambom, aprovando o estado de deterioração das magras rações distribuídas aos presos, dando cobertura aos trabalhos forçados e aos castigos na frigideira, recusando a medicação de que careciam, desviando os remédios enviados pelas famílias dos deportados, participando directamente, de arma na mão, na repressão, insultando ou dirigindo frequentemente frases jocosas aos presos, etc. É dele a famigerada frase 'não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbito.'
'O Tralheira viria a ter, ao longo do tempo, responsabilidade directa na morte de vários prisioneiros.'(Edmundo Pedro)

Tarrafal imitou campos de concentração de Hitler

O modelo da chamada ‘Colónia Penal do Tarrafal’, em Cabo Verde, onde a 29 de Outubro de 1936, faz hoje 70 anos, chegaram os primeiros 152 presos dos 340 que por lá passaram, era igual aos dos campos de concentração nazis, onde Hitler promoveu o holocausto. Um dos desterrados, Edmundo Pedro, de 87 anos, que integrava o grupo ao lado de seu pai, lembrou ao CM a precariedade das instalações, em tendas de lona, a incomunicabilidade com o exterior, as barreiras de arame farpado e as próprias características do local.“Era a zona mais inóspita, seca e quente, da ilha de Santiago, em Cabo Verde”, salienta Edmundo Pedro que lá passou nove anos e escapou à morte por pouco. Foi recambiado para Lisboa na Primavera de 1945, para responder em tribunal, e chegou tuberculoso ao continente, mas conseguiu melhorar nos três meses que passou na cadeia do Aljube à espera de julgamento. 
Setenta anos depois, ele é um dos cinco sobreviventes ao Tarrafal, onde sofreram torturas mais de três centenas de resistentes à ditadura fascista, nomeadamente comunistas e anarco-sindicalistas, e gostava que a efeméride fosse assinalada de forma alargada e pedagógica. Não está, porém, disponível para dar cobertura a actos como o que hoje é promovido junto ao mausoléu das vítimas, no cemitério do Alto de S. João, em Lisboa, pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses que aponta como uma organização do PCP. Edmundo Pedro foi convidado, mas, como lhe disseram que não poderia intervir, não estará presente. E gaba a sua consciência tranquila de sempre ter lutado pela liberdade, arriscando a própria vida e sem esmorecimento, apesar de tudo o que sofreu no ‘campo da morte lenta’. Por sua vontade, o Tarrafal era uma lição de história para todos os portugueses. 
MÉDICO PARA "PASSAR ÓBITOS"
O número de 32 presos mortos no Campo do Tarrafal, entre 1936 e 1948, desmente a marca ‘paternalista’ dada muitas vezes à ditadura de Salazar. Com a escolha do local de desterro, na pior zona da ilha de Santiago, tentou-se de facto levar à morte os mais aguerridos resistentes ao regime.
Directores do campo como Manuel dos Reis, João Silva e Henrique Seixas admitiam que “quem vem para o Tarrafal vem para morrer” e ao médico Esmeraldo Pais Prata é atribuída a frase “não estou aqui para curar doentes, mas para passar certidões de óbito.” A historiografia sobre o Tarrafal é, porém, limitada, sendo a maioria dos trabalhos ligada a autores que parecem querer fazer sobretudo a exaltação do papel do PCP na resistência à ditadura.
CABO VERDE AVANÇA MUSEU
O Tarrafal deixou de ser ‘campo de concentração’ a 26 de Janeiro de 1954, sendo o último prisioneiro sair Francisco Miguel, dirigente já falecido do PCP. Contudo, com a luta pela independência de Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e do próprio arquipélago de Cabo Verde, a ditadura de Salazar voltou a utilizar o campo para deter elementos dos movimentos de libertação. Um dos mais famosos que por lá passou foi o escritor Luandino Vieira que, por ser premiado em Lisboa pela Associação Portuguesa de Escritores, levou o regime a selar esta organização cultural.
O ministério da Cultura de Cabo Verde tem um projecto de museu para o local deixado até agora ao abandono e assinala hoje os 70 anos de abertura do campo com uma cerimónia e uma exposição, actos a que deverá assistir o sobrevivente Sérgio Vilarigues, de 91 anos. De resto, o 29 de Outubro é em Cabo Verde o Dia da Resitência Antifascista.
TESTEMUNHOS
"SENTI SEMPRE MAIS RESPONSABILIDADE" (Edmundo Pedro, Ex-PCP e actual PS)
“Os nove anos que sofri no campo de concentração do Tarrafal nunca me fizeram ter medo de voltar a ser preso. Nunca desisti de lutar pela liberdade e de arriscar a vida nas campanhas da oposição e em revoltas. Pelo contrário, senti sempre ter ainda mais responsabilidade na luta pela liberdade, por conhecer pessoalmente a repressão e com isso ter uma consciência maior do que a maioria dos portugueses mantidos na ignorância. E fui sempre optimista. Na viagem para o Tarrafal, até pensei que estaria lá pouco tempo porque a Guerra Civil de Espanha parecia correr bem aos republicanos e a sua vitória significaria o fim do salazarismo.”
"NÃO NOS MATARAM TODOS NO TARRAFAL" (Sérgio Vilarigues, Dirigente do PCP)

“Estarei em Cabo Verde, e talvez mesmo no antigo Campo do Tarrafal, neste domingo em que se completam 70 anos sobre a chegada do primeiro grupo de presos, para lá levados por lutarem contra a ditadura fascista na greve geral de 18 de Janeiro de 1934 e na revolta dos marinheiros de 8 de Setembro de 1936. Quando chegámos ao Tarrafal e, ao contrário do que diziam, não havia condições nenhumas. Só tendas de lona e arame farpado à volta. Era um campo de morte. Hoje, o que mais gostaria de afirmar é que não não nos mataram todos e muitos ainda vivem e viverão para continuar a lutar pelas liberdades, pela democracia e pela paz.“
"SENTI UM CHOQUE AO VER O DIRECTOR" (Joaquim Teixeira, Marinheiro de 1936)
“Estive oito anos preso no Tarrafal e vim de lá transferido por doença. Fui para lá no primeiro grupo, por ter sido preso na revolta dos marinheiros de 8 de Setembro de 1936, mas a verdade é que não estava por dentro de nada. Eu tinha mudado para o ‘Bartolomeu Dias ‘ apenas três ou quatro dias antes, depois de ter lá ido pedir a um oficial. Lembro-me da viagem no ‘Luanda’ que era um barco com uma estrutura muito forte e também de um capitão que lá estava chamado Olegário. Muitos anos depois, fui com uma minha mulher numa excursão a Alcobaça e senti um choque quando o vi, mas nunca mais soube nada dele (CM)

Edmundo Pedro: entrevista

Edmundo Pedro é um homem de acção, daqueles que andam aos tiros. Com 15 anos de idade viu-se dentro de uma prisão, acusado de actividades conspirativas no 18 de Janeiro de 1934. Passado um ano, já em liberdade, foi eleito para a direcção das juventudes comunistas e organizou movimentos de agitação e propaganda nas Escolas Industriais.

Subversivo reincidente. Perigoso! Em 1936, Edmundo Pedro foi preso pela segunda vez, mas agora para inaugurar o Tarrafal, juntamente com o pai e outros dirigentes do PCP. Tinha 17 anos quando desembarcou em Cabo Verde. Tentou fugir várias vezes. Numa delas, quase conseguia, foi por pouco. Ainda conseguiu roubar um barco de pescadores, mas apanharam-no. Por causa disso, esteve 70 dias seguidos na terrível “frigideira”. Como se não bastasse, o PCP castigou-o com dois anos de suspensão: a fuga não tinha sido autorizada, ninguém podia fugir sem antes informar ao Partido. Bateu com a porta. Não estava para isso. Nunca mais quis voltar. “Fui educado lá dentro, sei como é”.
Na família eram quase todos revolucionários, a mãe, o pai, os irmãos. Edmundo Pedro nasceu a 8 de Novembro de 1918, no Samouco (Alcochete), fruto do amor entre um varino e uma jovem camponesa. Mas Margarida e Gabriel Pedro moviam-se nos meios altamente perigosos do anarco-sindicalismo, andavam de agitação em agitação. O melhor a fazer era deixar o pequeno Edmundo aos cuidados da tia paterna, a única que era conservadora na família. A tia queria que ele fosse engenheiro naval, mas Edmundo escolheu ser como os pais, um revolucionário. Fugiu de casa da tia aos 13 anos, idade com que aderiu ao PCP e iniciou a sua actividade anti-fascista.
Edmundo Pedro só saiu do Tarrafal com o fim da II Grande Guerra, na amnistia de 1945. Regressou com 27 anos, alguns cabelos brancos e uma tuberculose. Tornou-se correspondente comercial, tinha estudado línguas na prisão, inglês, francês, alemão… Mas a luta anti-fascista estava-lhe no sangue. Em 1959 alinhou no 12 de Março e na noite de passagem de ano de 31 de Dezembro de 1961 andou aos tiros no quartel de Beja. O golpe não resultou e fugiu para o Algarve. Foi apanhado em Tavira e condenado a três anos e oito meses de prisão. Antes do 25 de Abril ainda voltou à prisão, acusado de contrabando. Nada ficou provado.
Aderiu ao PS em 1974 e durante o chamado “Verão Quente” envolveu-se, com Manuel Alegre, nos contactos com os operacionais do 25 de Novembro. Foi a ele, em nome do PS, que o general Ramalho Eanes mandou entregar um lote de armas para defender as sedes do partido que estavam a ser alvo dos ataques da esquerda radical. A história não terminaria aí. Em Janeiro de 1978, então presidente da RTP, Edmundo Pedro voltou a ser preso. Durante semanas, a sua fotografia fez manchete nos jornais. Porquê? Um ano antes, o Exército tinha pedido ao PS para devolver as armas distribuídas no Verão de 75. Edmundo Pedro tentou reunir as armas, dispersas por algumas sedes nacionais do partido. Guardou-as no armazém de uma antiga firma onde trabalhara. Alguém contou à polícia. “Fui apanhado numa ratoeira”. Tinha muito que explicar à Judiciária. Mas não disse nada. Não falou em nomes. Ficou seis meses preso, até ser absolvido. Desse episódio guarda muitas mágoas, “o mal que me fizeram não tem remédio”.
Com 86 anos, Edmundo Pedro vai publicar as suas memórias. “Estou a sentir o meu horizonte temporal a encurtar-se”.


JPG – A primeira vez que entrou numa prisão tinha 15 anos. O que é que se passou?
Edmundo Pedro – Fui preso por estar envolvido na tentativa de greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934. É um acontecimento conhecido na crónica da luta anti-fascista, nomeadamente no movimento operário e anarco-sindicalista. Pretendia ser uma greve contra a fascização dos sindicatos, levada a cabo pela antiga CGT de influência anarquista, pela intersindical de influência comunista e pelos sindicatos autónomos que representavam alguns sindicatos de influência ainda socialista. Eles juntaram-se todos e tentaram desencadear uma greve geral.

JPG – Qual é que era o seu papel no movimento?
EP – A direcção do PCP encarregou-me de ser o elemento de ligação com o quartel instalado dentro do Castelo de S. Jorge, Caçadores 7. Tinha que fazer uma série de contactos e na tarde de 17 de Janeiro fui a Caçadores 7 com a intenção de dizer que o movimento revolucionário começaria naquela noite. Eu devia actuar na zona do Poço do Bispo, estava encarregado de cortar as linhas férreas e derrubar os cabos de alta tensão. Mas alguém denunciou o militar a quem era suposto passar a palavra, o Sargento Alfredo. Quando pedi para falar com ele fiquei logo preso. Mantive a versão que tinha combinado com os militares caso fôssemos descobertos, era o chamado “minuto conspirativo”. Libertaram-me, mas passados alguns dias. Torturados, alguns militares envolvidos revelaram tudo. Foram-me buscar outra vez.

JPG – Ficou preso quanto tempo?
EP – Fui condenado num tribunal militar especial a um ano de prisão e perda dos direitos políticos. Tinha 15 anos, o que face à Constituição que o Salazar elaborou em 1933 era ilegal. Isto chega para medir como é que aqueles coronéis de merda julgavam os presos políticos. Eu nunca podia ser julgado antes dos 16 anos no mínimo. Fui julgado aos 15 anos e mesmo que fosse julgado aos 16 não me podiam condenar à perda de direitos políticos. Face à Constituição do Salazar, só aos 21 anos é que se tinha direitos políticos, ainda que fosse apenas em termos formais. Agora é aos 18. Eles tiraram-me aquilo que ainda não me tinham dado. Um absurdo.

JPG – Quando saiu continuou as actividades conspirativas?
EP – Sim, fui eleito para a direcção da Juventude Comunista com o Álvaro Cunhal. Repare que eu pertencia a uma família de comunistas. O meu pai, Gabriel Pedro, e a minha mãe, eram comunistas, eram funcionários do PCP. A praça principal de Almada, a praça do tribunal, tem o nome dele. Morreu comunista, emigrado em Paris. Foi um dos fundadores da ARA, Acção Revolucionária Armada, o braço militar do PCP. Durou muito pouco tempo. Antes de morrer ainda veio por uma bomba no Cunene, o primeiro barco que foi sabotado contra a guerra colonial… Veio sozinho de Paris até Lisboa e voltou a Paris atravessando os Pirinéus… E tinha mais de setenta anos nessa altura! A minha mãe também pertencia ao partido… Chegámos a encontrar-nos, eu, o meu pai e a minha mãe no Governo Civil, os três presos. A minha mãe foi presa na fronteira. Tinha ido a Espanha ao serviço do PCP. No regresso foi detida por posse de documentação subversiva. Quando foi do 18 de Janeiro, ela já estava presa, nas Mónicas, há uns meses. Mas foi chamada à polícia, ao edifício ao lado do S. Carlos (era aí a Polícia de Informações, anterior à PIDE), para uma acareação qualquer. Como andavam cheios de trabalho, meteram-na no Governo Civil. Ora eu sou preso no dia 17 de Janeiro… apanhei uma cacetadas e puseram-me ali porque as esquadras estavam cheias. Fui lá encontrar a minha mãe. Ao fim de 17 dias libertaram-me. Estive apenas 8 dias em liberdade. Quando voltei ela ainda lá estava. Os tipos disseram-me: “qualquer dia está cá o teu pai”. Passado um mês e tal estava lá o meu pai. Foi lá parar também. Mas estávamos detidos por processos diferentes.

À esquerda, Margarida, a mãe de Edmundo Pedro (ver mais documentação e toda a entrevista AQUI)

Sem comentários:

Enviar um comentário