terça-feira, 7 de junho de 2022

“Uma das causas da crise da Justiça radica na falta de escrutínio exterior”, diz Daniel Proença de Carvalho

 

A justiça tem sido utilizada como arma política?

Em todos os momentos históricos houve casos de utilização da justiça como arma política, é uma constante desde que há humanidade.

Daniel Proença de Carvalho defende que o PSD precisa de uma reforma urgente, mostrando-se pouco crente no espírito reformista deste novo António Costa com maioria absoluta.

Daniel Proença de Carvalho acaba de lançar o seu livro de memórias, de quase 60 anos de carreira, “Justiça, Política e Comunicação Social – Memórias do Advogado”, que revela, ao longo das 375 páginas, uma análise sobre a Justiça, os media e a política em Portugal, desde o final da década de 1960 até à atualidade.

Advocatus foi conversar com o advogado, que está agora reformado, mas que não deixou de dar a sua visão do mercado da advocacia e da política nacional, defendendo que o PSD precisa de uma reforma urgente, mostrando-se pouco crente no espírito reformista deste novo António Costa com maioria absoluta. E que aproveita ainda para abrir os olhos ao que deve ser o papel e caminho da Iniciativa Liberal.

O ex-presidente da Uría Menéndez – Proença de Carvalho diz que há um elemento que explica o que chama de “fracasso” do sistema judicial que é a ausência de escrutínio e por não haver responsáveis pela “performance do sistema”. E não deixa de apontar o dedo às relações demasiado próximas entre alguma magistratura e o Ministério Público.

Como tem passado os seus dias desde que se reformou?

Muito bem. A reforma coincidiu com a pandemia, passei o confinamento no Alentejo, onde eu e a minha mulher temos uma empresa agro-pecuária. Deu para viver o tempo da natureza, a evolução das plantas, a transformação das cores do campo, a chegada e a partida das aves.

Muito bom. E tive tempo, bem raro de que me privei durante talvez demasiados anos. Mais música, mais cinema, mais leitura e a escrita de um livro.

Vamos começar pelo seu livro que, apesar de revelar uma vida cheia em vários setores, a Justiça é o tema mais recorrente. A sua desilusão com a Justiça nunca o levou a desistir de ser advogado?

Não, desde logo porque precisava de trabalhar e não conheço profissão melhor. E as dificuldades e algumas desilusões deram-me alento para continuar a luta pelo direito e pela Justiça.

Este livro é também uma espécie de resposta a quem o tentou “derrubar”? Não só pelo conteúdo do livro mas também pelo impacto e recetividade?

Sinceramente, até tenho dificuldade em perceber a pergunta. Escrevi sem um objetivo, mais a pensar nos meus netos, sempre gostei de lhes contar histórias, agora queria contar-lhes um pouco do que andei a fazer por cá. Fiquei surpreendido com o impacto e a recetividade que o livro está a ter

.O fracasso da Justiça tem a ver exatamente por não haver responsáveis pela performance do sistema.
Daniel Proença de Carvalho

O que falta atualmente na Justiça? Prestação de contas por parte de ambas as magistraturas?

Neste livro não pretendo fazer uma análise sobre o estado da justiça, nem das causas da quebra de confiança que a afeta, menos ainda faço quaisquer propostas de reforma. Propostas fi-las em múltiplas ocasiões e em diversos fóruns em que participei, sem grande resultado, reconheço. O livro é a descrição de experiências que vivi nas três áreas em que tive intervenção pública: Justiça, Política, Comunicação Social. Os leitores tirarão ou não as conclusões que entenderem.

Mas sim, uma das causas da crise do sistema radica na falta de escrutínio exterior, de lideranças que corrijam os erros e as insuficiências, as instituições fechadas sobre si próprias dificilmente evoluem e progridem.

Fizemos grandes progressos na saúde, na educação, na Segurança Social, nas infraestruturas, a Administração Fiscal tornou-se muitíssimo eficiente, por que razão não conseguimos os mesmos resultados na Justiça? A esta questão não tem sido encontrada uma resposta convincente. A meu ver, o fracasso tem a ver exatamente por não haver responsáveis pela performance do sistema, ao contrário do que sucede com as outras funções do Estado, que têm ministros responsáveis, que respondem perante o eleitorado, pelo menos de 4 em 4 anos.


A Justiça que existe hoje é mais benéfica para os menos conhecidos e menos para os mais ”poderosos”?

As generalizações são quase sempre redutoras quando não falsas. Os casos que constam do livro são de pessoas de enorme mérito, com sucesso nas áreas em que intervieram ou ainda intervêm, que foram vítimas de perseguições — antes do 25 de Abril, no PREC e depois –.

Em todos eles pressente-se um preconceito, uma cultura de ressentimento anti-elitista, para não dizer “populista”; acredito que se não fossem pessoas categorizáveis de “poderosos”, os processos teriam caído à nascença por falta de motivo. O que não significa que as coisas funcionem melhor quando se trata de pessoas anónimas. Aliás sempre notei uma diferença entre a justiça criminal e a justiça cível ou comercial.

Nestas áreas, pode haver muita morosidade, por vezes incompetência, mas não senti paixões, estados de alma, preconceitos, como senti nos casos criminais. Além de que para o contencioso civil e comercial há a alternativa da jurisdição arbitral, que tem crescido e se tornou solução para os casos mais complexos.

Fala num ponto interessante no livro que é alguma postura de complexo social por parte dos atores da Justiça. Quer concretizar?

A magistratura perdeu estatuto social e isso é mau. Deveria ser melhor remunerada, deveria atrair talento, não deveria ser uma carreira, mas antes ser aberta, com a entrada de juristas de mérito com experiências diversificadas. Encontrei magistrados que olham com desconfiança e até animosidade contra os advogados, os empresários, com estatuto económico elevado.

Encontrei magistrados que olham com desconfiança e até animosidade contra os advogados, os empresários, com estatuto económico elevado.

Daniel Proença de Carvalho

Foi o autor da descrição dada ao juiz Carlos Alexandre de “super juiz dos tablóides”. Se o tivesse aqui à sua frente, sem filtro, sem diplomacia, o que lhe diria?

Risos… Talvez lhe sugerisse que lesse o meu livro, meditasse sobre uma frase de Salgado Zenha, que cito de memória “Para ser juiz não basta usar a veste de juiz, é preciso ter alma de juiz”.

E tivesse presente o que sucedeu aos “super-juízes” António di Pietro, Baltzar Garzón, Eva Joli, Sérgio Moro…

Não resisto a fazer-lhe uma questão – tendo passado pela comunicação social em décadas bem diferentes – se concorda que a comunicação social é manipulável? Se sim, por quem, em concreto? Pelos respetivos conselhos de administração ou pelas fontes?

Claro que é manipulável, pelos patrões (públicos ou privados), pelas fontes, pelo mercado. Mas considero que em Portugal existe abundante pluralismo nos media em geral, os jornalistas gozam de independência, há comentadores das várias correntes de opinião, só se deixa enganar quem gosta de ser enganado. Mas, claro, também há muita mentira, enviesamento, ataques pessoais, alguns ódios, especialmente nas redes sociais, onde não existem filtros. (Ver fonte) 


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