segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

“A democracia não cria heróis. Não há estátuas para os democratas”

 

A democracia não cria heróis. É iconoclasta, não deixa ninguém impune. Mesmo aqueles que deram a vida inteira não são reconhecidos. Não há estátuas para os democratas”

A literatura é um punho erguido contra Deus a dizer: “Fala.”

A religião tradicional, mesmo na juventude, não lhe bastava?          Não, não me bastou. E a pessoa que me ajudou muito foi um homem que aí está, que foi o meu mestre, para quem há poucos dias escrevi um poema, que se chama Frei Bento Domingues. Porque vivi a questão do sentido da vida quando era jovem com profundidade absoluta. Foi muito intenso e continua a ser. Queria que Deus falasse, mas não fala. Vamos aos campos de concentração e perguntamos porque é que Deus não falou. Neste momento, quando vemos cidades inteiras destruídas, e pessoas a rir à volta das mesas, a dizer que querem a paz, perguntamos: “Deus não fala?” Deus não fala. E a literatura é feita para isso. A arte é o nosso punho erguido a questionar: “Se existes, porque não falas? Porque é que me deixas sozinho aqui com as palavras?” George Steiner tem páginas brilhantes sobre este instrumento que é a fala, a linguagem, que serve para tudo. Mas que tem dois eixos: um é que com ela dizemos tudo o que queremos, mas ao mesmo tempo sabemos que não dizemos tudo o que queremos. É essa dualidade, esse paradoxo, que nos anima. A literatura é um punho erguido contra Deus a dizer: “Fala.” 
Numa Escritaria, em Penafiel, falou da sua avó materna, uma camponesa algarvia que antes de morrer lhe passou o “novelo do feitiço”. O que é que as mulheres nos dão?

 A minha avó era uma mulher muito afoita, criativa, não acreditava em Deus. Era uma pessoa extravagante para o seu tempo. Mas era carinhosa e boa, e quando eu ia lá à casa tinha sempre uma prenda para me dar. Dava-me dinheiro. Dizia: “Toma.” Eu recebia, pronto. Acontece que a última vez que estive com ela, chamou- -me e disse, “Lidinha, tenho uma coisa para te dar.” E eu dei a mão e ela fez o gesto, mas não pôs lá nada. Foi a última vez que estivemos juntas. O que as mulheres nos dão é a sabedoria acumulada de ficarem na sombra. E de serem corpos que sangram e dão leite e alimentam a vida. Damos tudo. Tudo. A gente dá tudo. Até mente para que os outros se sintam bem, e às vezes, não os admirando, a gente diz que admira para fazer o bem, para salvar os outros. Acho que é isso.











 





Sem comentários:

Enviar um comentário