A justiça saiu-nos cara
O economista Pedro Arroja tinha sido injustamente condenado pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP) em 27/3/2019 como um criminoso difamador da pessoa do actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, e da sociedade de advogados a que este pertencia, numa pena de multa de 7000 euros e numa indemnização ao ofendido de 10.000 euros. Na altura, publiquei um artigo, com o título Paulo Rangel 1 — Liberdade de Expressão 0, lamentando tão retrógrada decisão dos juízes desembargadores Pedro Vaz Pato e Francisco Marcolino e louvando o voto de vencida da desembargadora Paula Guerreiro, que, invocando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), defendeu a absolvição do economista, considerando que “o interesse público em causa levava a que se devesse dar preponderância à tutela da liberdade de expressão em relação ao interesse do ofendido à sua reputação”. O economista queixou-se ao TEDH do insulto de que tinha sido vítima pelos dois referidos desembargadores, e o TEDH, em 19/3/2024, reconheceu a ilegalidade da condenação e condenou Portugal a pagar uma indemnização a Pedro Arroja de 10.000 euros; na altura, publiquei um artigo com o título Água mole em pedra dura?, que começava assim: “O TEDH viu-se obrigado, uma vez mais, a ‘dar nas orelhas’ dos nossos juízes, que, infelizmente, continuam a ignorar ou a não entender que a liberdade de expressão não é um bibelot jurídico”, e em que manifestava o meu receio de que, no processo de revisão de sentença que o economista teria propor nos tribunais portugueses para apagar a condenação e ser indemnizado, se deparasse com “algum juiz ‘alérgico’ à CEDH e às decisões do TEDH” e mantivesse a condenação, ainda que com outra fundamentação, já que o tribunal nacional que viesse a apreciar, de novo, o caso não estava vinculado à decisão do TEDH. Mas tal não aconteceu: no dia 10/9/2025, os juízes desembargadores do TRP Isabel Matos Namora, William Themudo Gilman e Maria Dolores da Silva e Sousa, num cuidadosamente elaborado acórdão, absolveram Pedro Arroja do crime de difamação, julgaram improcedentes os pedidos de indemnização, anularam a anterior decisão do TRP e trancaram o seu registo, afastando o labéu de criminoso do economista. Para aí chegar, a vítima teve de ir ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) pedir que aceitasse que a sua condenação em Portugal fosse revista face à decisão do TEDH. O Ministério Público, tristemente, defendeu que não havia fundamento para a revisão das condenações, mas, felizmente, o STJ entendeu que, “tendo o TEDH violado o artigo 10.º da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, se impunha autorizar a revisão de sentença. De resto, o procurador-geral adjunto no STJ defendeu no seu parecer: “É inevitável concordar-se que, em face do decidido pelo TEDH — sem menosprezo pelo direito à honra e ao bom nome dos ofendidos (Paulo Rangel e sua sociedade) —, a perpetuação da condenação penal do arguido (Pedro Arroja) constituirá uma séria e grave afronta aos seus direitos de personalidade, assim como, num plano objectivo, ao princípio do Estado de direito democrático.” O processo seguiu, assim, para o Porto para ser proferida nova decisão, e o TRP, para além da absolvição e da anulação dacondenação, condenou o Estado no pagamento dos prejuízos que a vítima tinha suportado, descontando o que TEDH já tinha condenado o Estado a pagar. Assim, o Estado português foi, agora, condenado a pagar a Pedro Arroja o que este tinha gasto com o processo, 31.818,04 euros, ou seja, para que se saiba como a justiça é cara no nosso país: a soma da pena de multa no valor de 7000 euros, da taxa de justiça cível (1.ª instância) no valor de 714 e de 510 euros, da indemnização e custas reembolsadas ao assistente Paulo Rangel no valor de 5850 e de 529,84 euros, da indemnização e custas reembolsadas à assistente sociedade de advogados, no valor de 5850 e de 529,84 euros, da taxa de justiça penal (STJ) no valor de 204 euros, da taxa de justiça penal no valor de 4794 euros e dos honorários no valor de 1000, 615, 1150 e 500,61 euros. Paulo Rangel e a sua sociedade de advogados foram, entretanto, condenados nas custas criminais e cíveis deste processo de revisão. Pouco para o prejuízo que nos deram… Moral da história: seria bom que as nossas Æguras públicas fossem menos “Çocos de neve” e seria bom que os nossos magistrados conhecessem e aplicassem as leis em vigor no nosso país. Seria bom, igualmente, que nós europeus não falhássemos na defesa da liberdade de expressão, agora que estamos a assistir a verdadeiras “machadadas”, em tão matricial liberdade, num país que se orgulhava de ser um farol nesta área.
Mais 3 pontos.
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