Pode-se ofender legalmente? Por vezes...
O debate público não tem de ser feito com punhos de renda
"Nesse mundo [da comunidade científica] o presidente do Instituto de Meteorologia (IM) não passa de um mentiroso reles e de um pobre diabo", escreveu o professor universitário Carlos do Carmo de Portugal e Castro Camara numa crónica publicada em 10 de Março de 2006, no extinto semanário O Independente.
Adérito Serrão, o então presidente do IM, naturalmente não gostou daquilo que Carlos da Camara escrevera sobre si e queixou-se ao Ministério Público (MP) tendo conseguido que o professor fosse julgado e condenado pela prática do crime de difamação agravada numa pena de multa de 2000 euros e no pagamento de uma indemnização no valor de 3000 euros ao presidente do Instituto de Meteorologia.
Carlos da Camara, em tribunal, procurou demonstrar que as duras palavras que tinha utilizado se inseriam no legítimo uso da sua liberdade de expressão. Explicou e provou que era um professor e cientista de reconhecida competência e que, em Janeiro de 2006, na sequência de críticas suas, o presidente do IM o tinha afastado da coordenação científica de um importante projecto (Land-Sat), cargo que exercia ininterruptamente no IM desde Maio de 1998; mais provou em tribunal que em anteriores declarações ao mesmo Independente, o presidente do IM tinha desvalorizado a sua opinião sobre o mau funcionamento do Land-Sat, declarando não reconhecer a Carlos da Camara “competência para avaliar o desenrolar” do programaLand-Sat e, ainda, que tinha sido este que tinha “quebrado uma relação de confiança”, bem como que tinham sido “o seu comportamento e o seu perfil” que tinham ditado o afastamento do cargo de coordenador científico do projecto Land-Sat.
Carlos da Camara conseguiu, na verdade, provar em tribunal, tudo aquilo que alegava em justificação das duras palavras que utilizara ao responder ao presidente do IM. No seu entender, as expressões utilizadas estavam plenamente justificadas pelas considerações que o presidente do IM tinha feito sobre si, nomeadamente a sua falta de competência e o seu perfil, sendo certo que estava em causa um projecto científico de grande relevância pública que justificava um debate franco e aberto na arena pública.
O tribunal, no entanto, apesar da sua simpatia pela liberdade de expressão, “tropeçou” no facto de considerar que as expressões um mentiroso reles e um pobre diabo, eram objectivamente ofensivas, constituindo juízos de valor que, no entendimento do tribunal, estavam excluídos da crítica objectiva que era admissível e caíam num inaceitável ataque pessoal ao presidente do IM. E, por isso, condenou o professor.
O Tribunal da Relação de Lisboa, para onde recorreu, considerou que a liberdade de expressão que Carlos da Camara invocava para si ia “muito além dos limites abrangidos por uma crítica, entrando claramente no campo da honra” e confirmou, assim, a sentença da 1.ª instância pelo que o novel criminoso apresentou uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).
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