Boaventura Sousa Santos.
“A democracia nunca foi compatível com o capitalismo”
Neste contexto é possível manter a democracia?
«Não, acho que neste processo estamos a atingir um ponto de rutura com a democracia. Só que as ditaduras vão ser de um tipo novo. É o que estamos a assistir no Brasil através de uma instrumentalização grotesca do poder judiciário para caricaturar a democracia sem a eliminar. » [Ver entrevista]
Independentemente de ele não ter feito essas reformas, há uma outra coisa que se pode imputar, a esquerda latino-americana parece funcionar só com lideranças populistas.
Essas lideranças políticas surgiram em condições concretas, no caso do Brasil surgiram em condições de ditadura. Normalmente são carismáticas porque correram muitos riscos para poderem ser lideranças: desde o Perón, Getúlio Vargas, Lula e Chávez. Explica-se mais pela sua origem do que por outra coisa. É evidente que são sociedades oligárquicas em que as divisões de classe são muito pronunciadas. A tradição colonialista nessas sociedades é muito forte. As classes que sempre dominaram e privatizaram o Estado não precisam de gente carismática porque têm o sistema todo a trabalhar para eles. É por isso que a esquerda se enganou na América Latina ao pensar que ganhando o poder do governo, em eleições, estava a ganhar o poder social e económico. Há uma grande assimetria quando a direita está no poder: domina a política, a sociedade, a economia. Quando a esquerda está no governo tem o poder político, mas não tem o económico e social.
Durante muitos anos os liberais diziam que havia uma correspondência perfeita entre democracia e capitalismo. Hoje é visível que a democracia encontra-se em regressão um pouco por todo o lado.
A democracia nunca foi compatível com o capitalismo: a acumulação infinita nunca coincidiu com a soberania popular. Quando o liberalismo surge e é teorizado por exemplo por [John] Locke, o que existe é uma democracia censitária, em que os proprietários eram os únicos a poder votar. Tudo o que é democrático no capitalismo foi uma conquista e não uma concessão. As primeiras greves foram ferozmente reprimidas. É o que acontece agora nos conflitos de terra no Brasil ou na Colômbia, em que este ano, depois do acordo de paz, foram mortos mais líderes sociais que no ano passado.
«É nesta última dimensão que a extrema-direita se afirma como corrente reacionária e não simplesmente conservadora. É que enquanto os conservadores defendem os princípios do Iluminismo na formulação que lhes deu a Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), ainda que privilegiem o princípio da liberdade, os reacionários da extrema-direita recusam esses princípios e coerentemente defendem o colonialismo, a inferioridade de negros, indígenas, mulheres e ciganos; justificam o trabalho análogo ao trabalho escravo; recusam ver nos povos indígenas e afrodescendentes outra coisa que não comunidades de sub-humanos a ser assimilados ou eliminados; boicotam a democracia inclusiva e pretendem instaurar ditaduras ou, quando muito, democracias que se restrinjam a “nós” e imponham a servidão aos “outros”; recusam a ideia do monopólio da violência legítima por parte do Estado e promovem a distribuição e venda de armas à população civil.»-JORNAL das Letras
A malta assina estes jornais todos ou é pirataria que acaba com os jornais?
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