quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Moçambique copia Portugal (antiga potencia colonial) com a perseguição judicial à liberdade de expressão e aos jornalistas

 O Estado moçambicano “está a mobilizar-se para condicionar a liberdade de imprensa”

[«Nomeadamente, fala numa “espécie de judicialização da actividade da imprensa”, referindo-se à forma como os tribunais são usados para intimidar os jornalistas.»]

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 Matias Guente, editor executivo do Canal de Moçambique recebeu um dos prémios da liberdade de imprensa do CPJ

 É um dos quatro “corajosos” jornalistas a quem o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) entregou esta madrugada o prémio da liberdade de imprensa de 2021. Matias Guente, editor executivo do jornal Canal de Moçambique, não esteve em Nova Iorque para receber o galardão — devido às restrições impostas pela pandemia —, mas tinha previsto discursar desde Maputo como a situação da liberdade de imprensa se vem deteriorando em Moçambique. 

 Guente e os outros três premiados, a bielorrussa Katsiaryna Barysevich, a guatemalteca Anastasia Mejía e o birmanês Aye Chan Naing, sabem o que é sentir na pele as consequências do seu jornalismo.
 O jornalista moçambicano escapou a um rapto em 2019, mas não se livrou de ser agredido, e viu a redacção do jornal ser incendiada por desconhecidos em 2020 — processo que acabou “arquivado por falta de elementos”.
 
 “Este prémio representa duas coisas”, afirma ao PÚBLICO, “a primeira, que é fundamental, é que o jornalismo moçambicano é visto lá fora” e que, mesmo “com todas as dificuldades que enfrenta”, é “um jornalismo que tem sido feito com um padrão internacional mínimo”. Depois, “significa que o mundo não está alheio às vicissitudes que o jornalismo e a liberdade de imprensa têm passado aqui em Moçambique”. 

 Entre 2019 e 2020, desceu quatro lugares na lista mundial da liberdade de imprensa.  No seu discurso, Matias Guente referiu-se ao “momento que Moçambique atravessa” e à “questão da liberdade de imprensa”, bem como ao “significado” que o prémio tem para ele, mas, acima de tudo, da “possibilidade de inspiração” que tem “para os outros jovens jornalistas, tendo em conta o ambiente que se vive aqui em Moçambique”, um ambiente de “intimidação da imprensa”. 

 Nomeadamente, fala numa “espécie de judicialização da actividade da imprensa”, referindo-se à forma como os tribunais são usados para intimidar os jornalistas.

 Qualquer matéria por mais fundamentada que esteja pode ir parar à barra dos tribunais, mesmo quando não cumpre “o mínimo critério jurídico”. Aconteceu a Guente, quando teve de responder na Procuradoria de Maputo por alegada violação do segredo de Estado por ter escrito sobre contratos de segurança assinados em 2019 entre o Governo e a Anadarko, a empresa que na altura tinha a concessão do gás natural em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique. 

 “Curiosamente”, afirma o jornalista, “o processo de violação de segredo de Estado foi arquivado depois do incêndio na redacção”. 

 Esse crime não podia ter sido “assumido como um crime comum porque é um crime que visa valores fundamentais”, trata-se de “um crime contra a democracia”. O facto de o incêndio na redacção ter sido assumido como “delito comum” e arquivado é, para Guente, “uma espécie de carta branca que foi passada aos perpetradores desses actos”. 

 Guente diz que os tempos que aí vêm não auguram nada de bom para o jornalismo moçambicano se a nova lei de imprensa for aprovada. “Aqueles documentos foram concebidos numa esquadra de polícia” e mostram que “o Estado está a mobilizar-se do ponto de vista legislativo para condicionar a liberdade de imprensa.”-Jornal Público

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