sábado, 30 de novembro de 2024

Bornito de Sousa e filha voltam a receber ‘chumbo’ da justiça portuguesa no ‘Caso Vestidos de Noiva’

 “o vice-Presidente de Angola, Bornito de Sousa, e a filha, Naulila Diogo Graça, pretendem processar o activista português anti-corrupção Paulo de Morais por difamação. Em causa estão vestidos de noiva de alta gama”.

Quem não quer ser lobo....
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  As pretensões do político e advogado angolano Bornito de Sousa e da sua filha Naulila, apresentadas em tribunal, não eram realmente modestas. Pretendiam tão-somente, se assim se pode dizer, que os tribunais portugueses condenassem o escritor/ jornalista inglês Oliver Bullough e a Editora 20|20 de Manuel de Freitas a pagar-lhes €750.000 e ainda a retractarem-se publicamente dos juízos de valor e da imagem que pretendiam transmitir do referido político angolano e da sua filha, através do livro intitulado O País do Dinheiro: A História dos Super-Ricos e Corruptos Que Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a Democracia, a versão portuguesa do original Moneyland publicada em Novembro de 2019. Político e filha pediam ainda que os tribunais portugueses ordenassem a retirada de circulação de todos os exemplares da obra O País do Dinheiro que por aí andassem, que não mais deveria ser impressa nem vendida. Um apagão total… Mas o que constava nesse livro? Oliver Bullough, num dos capítulos, relatava o episódio do programa televisivo Say Yes to the Dress onde Naulila participou, em 2015, gastando numa loja em Nova Iorque cerca de 200 mil dólares em dois vestidos de noiva, sete vestidos de dama de honor e acessórios, segundo referiu o apresentador. Segundo Oliver relata, a divulgação em Angola, através do Club-K Angola, gerara reacções negativas com comentários do tipo “Um país onde 90% das pessoas não têm água nem luz, não sabem o que vão comer no dia a seguir, lixo, esgotos, sofrimento. E algumas pessoas vivem desumanamente sem se preocuparem com o bem-estar do povo!!!”. Oliver Bullough escreveu ainda: “Não se sabe quanto Bornito de Sousa ganha, mas o salário do Presidente, em 2014, era aproximadamente de 6000 dólares por mês. Isto significa que, no improvável caso de o ministro ganhar tanto quanto o seu patrão, precisaria de poupar durante mais de dois anos e meio para poder pagar os vestidos da sua filha.” E considerava que, “independentemente do custo total, é difícil não concluir que o dinheiro poderia ter sido usado mais produtivamente”. O autor indignava-se: “Pode bem ser que Sousa tenha realmente ganhado o dinheiro honestamente, ou que Naulila tivesse a sua própria e secreta carreira empresarial de sucesso (…), mas o extraordinário é que ninguém na produtora de televisão parece ter pensado em perguntar isso.” A terminar escreveu: “Talvez ainda mais notável do que a falta de interesse e preocupação com a origem do dinheiro seja o facto de Naulila não parecer ter compreendido que era, em primeiro lugar, de mau gosto aparecer na televisão a gastar 200 mil dólares em roupas, sobretudo quanto o pai ajuda a governar um país com a oitava pior taxa de mortalidade infantil do mundo.” Esta era, no essencial, a matéria que, no entender de Bornito e Naulila, justificava o exorbitante pedido de indemnização e retirada do livro de circulação. Para pai e filha, a inclusão de ambos neste capítulo de um livro sobre “super-ricos e corruptos” era ofensivo e difamatório, tendo-lhes provocado grande sofrimento. Apresentaram também uma queixa-crime e uma acção cível contra o professor Paulo Morais, que tinha comentado publicamente o tema, e ainda um processo judicial na Alemanha, onde o livro fora também publicado. Fizeram aquilo que se designa por “SLAPP – Strategic Litigation Against Public Participation”, isto e´, a instrumentalização de acções judiciais para desincentivar ou intimidar activistas, jornalistas, autores e outras pessoas que falem, escrevam e actuem em nome do interesse público contra poderes instalados. Uma boa notícia: perderam todas as acções em todo o lado... No processo dos 750.000 euros, tanto na primeira instância, com a juíza Maria Isabel Póvoa, como no Tribunal da Relação de Lisboa, com os desembargadores Laurinda Gemas, Carlos Castelo Branco e Inês Moura, a liberdade de expressão ganhou em toda a linha e as pretensões censórias destes dois cidadãos angolanos não vingaram. Para os tribunais portugueses, o texto de Oliver Bullough não imputava quaisquer actividades criminais ou ilícitas ao político angolano, nem à filha, para poderem ser considerados ofensivos da sua honra. Criticava, isso sim, com base em factos reais, os gastos que tinham tido — considerando-os “de mau gosto” —, sendo o político uma “pessoa politicamente exposta” de um país com uma trágica realidade socioeconómica como Angola, pelo que nada havia a censurar ao escritor e ao editor. (Declaração de interesses: defendi Oliver Bullough e a editora, conjuntamente com a advogada Leonor Caldeira.)--Advogado Francisco Teixeira da Mota. Escreve ao sábado

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