“o vice-Presidente de Angola, Bornito de Sousa, e a filha, Naulila Diogo Graça, pretendem processar o activista português anti-corrupção Paulo de Morais por difamação. Em causa estão vestidos de noiva de alta gama”.
Quem não quer ser lobo....Escrever Direito As pretensões do político e
advogado angolano Bornito de
Sousa e da sua filha Naulila,
apresentadas em tribunal, não
eram realmente modestas.
Pretendiam tão-somente, se
assim se pode dizer, que os tribunais
portugueses condenassem o escritor/
jornalista inglês Oliver Bullough e a Editora
20|20 de Manuel de Freitas a pagar-lhes
€750.000 e ainda a retractarem-se
publicamente dos juízos de valor e da
imagem que pretendiam transmitir do
referido político angolano e da sua filha,
através do livro intitulado O País do Dinheiro:
A História dos Super-Ricos e Corruptos Que
Estão a Roubar o Mundo e a Destruir a
Democracia, a versão portuguesa do original
Moneyland publicada em Novembro de
2019. Político e filha pediam ainda que os
tribunais portugueses ordenassem a
retirada de circulação de todos os
exemplares da obra O País do Dinheiro que
por aí andassem, que não mais deveria ser
impressa nem vendida. Um apagão total…
Mas o que constava nesse livro? Oliver Bullough, num dos capítulos, relatava o
episódio do programa televisivo Say Yes to
the Dress onde Naulila participou, em 2015,
gastando numa loja em Nova Iorque cerca
de 200 mil dólares em dois vestidos de
noiva, sete vestidos de dama de honor e
acessórios, segundo referiu o apresentador.
Segundo Oliver relata, a divulgação em
Angola, através do Club-K Angola, gerara
reacções negativas com comentários do tipo
“Um país onde 90% das pessoas não têm
água nem luz, não sabem o que vão comer
no dia a seguir, lixo, esgotos, sofrimento. E
algumas pessoas vivem desumanamente
sem se preocuparem com o bem-estar do
povo!!!”.
Oliver Bullough escreveu ainda: “Não se
sabe quanto Bornito de Sousa ganha, mas o
salário do Presidente, em 2014, era
aproximadamente de 6000 dólares por
mês. Isto significa que, no improvável caso
de o ministro ganhar tanto quanto o seu
patrão, precisaria de poupar durante mais
de dois anos e meio para poder pagar os
vestidos da sua filha.” E considerava que,
“independentemente do custo total, é difícil
não concluir que o dinheiro poderia ter sido
usado mais produtivamente”. O autor
indignava-se: “Pode bem ser que Sousa
tenha realmente ganhado o dinheiro
honestamente, ou que Naulila tivesse a sua
própria e secreta carreira empresarial de
sucesso (…), mas o extraordinário é que
ninguém na produtora de televisão parece
ter pensado em perguntar isso.” A terminar
escreveu: “Talvez ainda mais notável do que a falta de interesse e preocupação com a
origem do dinheiro seja o facto de Naulila
não parecer ter compreendido que era, em
primeiro lugar, de mau gosto aparecer na
televisão a gastar 200 mil dólares em
roupas, sobretudo quanto o pai ajuda a
governar um país com a oitava pior taxa de
mortalidade infantil do mundo.”
Esta era, no essencial, a matéria que, no
entender de Bornito e Naulila, justificava o
exorbitante pedido de indemnização e
retirada do livro de circulação. Para pai e filha, a inclusão de ambos neste capítulo de
um livro sobre “super-ricos e corruptos” era
ofensivo e difamatório, tendo-lhes
provocado grande sofrimento.
Apresentaram também uma queixa-crime
e uma acção cível contra o professor Paulo
Morais, que tinha comentado publicamente
o tema, e ainda um processo judicial na Alemanha, onde o livro fora também
publicado. Fizeram aquilo que se designa
por “SLAPP – Strategic Litigation Against
Public Participation”, isto e´, a
instrumentalização de acções judiciais para
desincentivar ou intimidar activistas,
jornalistas, autores e outras pessoas que
falem, escrevam e actuem em nome do
interesse público contra poderes instalados.
Uma boa notícia: perderam todas as acções
em todo o lado...
No processo dos 750.000 euros, tanto na
primeira instância, com a juíza Maria Isabel
Póvoa, como no Tribunal da Relação de
Lisboa, com os desembargadores Laurinda
Gemas, Carlos Castelo Branco e Inês Moura,
a liberdade de expressão ganhou em toda a
linha e as pretensões censórias destes dois
cidadãos angolanos não vingaram. Para os
tribunais portugueses, o texto de Oliver
Bullough não imputava quaisquer
actividades criminais ou ilícitas ao político
angolano, nem à filha, para poderem ser
considerados ofensivos da sua honra.
Criticava, isso sim, com base em factos reais,
os gastos que tinham tido — considerando-os
“de mau gosto” —, sendo o político uma
“pessoa politicamente exposta” de um país
com uma trágica realidade socioeconómica
como Angola, pelo que nada havia a
censurar ao escritor e ao editor.
(Declaração de interesses: defendi Oliver
Bullough e a editora, conjuntamente com a
advogada Leonor Caldeira.)--Advogado Francisco Teixeira da Mota. Escreve ao sábado
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