sábado, 16 de novembro de 2024

«Dramas visíveis e ocultos» Excelente artigo de opinião de Francisco Teixeira da Mota

 Não falo já dos comandos que, em vez de integrados nas forças armadas do novo Estado da Guiné-Bissau, foram sumariamente fuzilados. Mas há ainda os que estão vivos, os seus filhos, as suas viúvas, e que merecem que Portugal se comporte decentemente
Escrever Direito

A Matança a que assistimos, diariamente, em Gaza revolta-nos e indigna-nos, parece-me, independentemente de sermos pró-israelitas ou pró-palestinianos. A operação militar que aí decorre parece já ter ultrapassado todos os limites, desprezando absolutamente o direito internacional em tempo de guerra, com objectivos que não são claros. Seja ou não verdade que a intenção é a de efectuar uma limpeza étnica, criando uma situação de desespero e de catástrofe tão grande que a comunidade internacional e os próprios palestinos aceitem a sua evacuação, há uma coisa que me parece não suscitar dúvidas: o conflito israelo-palestiniano é, actualmente, uma questão de direitos humanos. Abandonado pelos Estados — pese embora o seu carácter essencialmente simbólico, Portugal, com o actual Governo, continua a política do anterior, não reconhecendo o Estado da Palestina —, tem de ser a opinião pública nos diversos países a manter acesa a chama da solidariedade e humanidade para com o povo palestino, face ao imenso lobby mediático pró-governo de Israel. Contudo, não é deste imenso drama, bem visível, que queria falar hoje, mas de um pequeno drama muito pouco visível mas de uma enorme violência moral que se desenrola desde 1974 e que nos toca directamente a todos portugueses. Por Ti, Portugal, Eu Juro! foi, de início, uma notável reportagem da autoria da Divergente, uma revista digital de jornalismo narrativo, sem fins lucrativos e sem publicidade, que se converteu num documentário de longa-metragem, realizado por Sofia da Palma Rodrigues e Diogo Cardoso, que recomendo vivamente e que é exibido diariamente até ao próximo dia 20 em sessões diárias às 19h45 no Cinema City Alvalade, e domingo às 14h30 numa sessão extra no Cinema Fernando Lopes, ambos em Lisboa. E de que trata este documentário? De uma realidade pouco conhecida e pouco falada mas que toca, de forma perturbante, na nossa condição de cidadãos portugueses e que é, assim, resumida na sinopse do filme: “Durante a Guerra Colonial (1961-1974), milhares de africanos combateram ao lado de Portugal e arriscaram a vida por uma pátria que acreditavam ser a sua. A mesma pátria que, depois da Revolução de Abril, os abandonou à sua sorte. 50 anos depois, os Comandos Africanos da Guiné continuam a reivindicar as penso es de sangue e invalidez que lhes foram prometidas. Este grupo foi a única tropa de elite do Exército português integralmente constituída por pessoas negras, pessoas que tomaram a dianteira das operações mais difíceis e protegeram os militares oriundos da metrópole. Reivindicam, até hoje, um lugar na História. Contam relatos de guerra, perseguição e morte. Dizem-se abandonados e traídos por um Estado que os usou, explorou e, por fim, descartou.”Foram, de facto, abandonados e traídos por Portugal numa saga exposta no filme mas que é, também, relatada na reportagem multimédia “Por ti, Portugal, eu juro!”, publicada no site da Divergente e que através de depoimentos, directos e claros, de ex-comandos nos faz perceber como nos portámos mal. Não sou muito favorável aos pedidos de desculpa históricos, embora admita que, em alguns casos, eles possam ter um papel relevante na construção da história da Humanidade. Mas, neste caso, não é o pedido de desculpas que interessa, é a possibilidade de o nosso país ainda se poder, minimamente, redimir desta página sinistra da nossa história recente. Não falo já dos comandos que confiaram nas nossas promessas e que, em vez de integrados nas forças armadas do novo Estado da Guiné-Bissau, foram sumariamente fuzilados. Mas há ainda os que estão vivos, os seus filhos, as suas viúvas, e que merecem que Portugal se comporte decentemente. Foram portugueses enquanto foram úteis militarmente à causa nacional e deixaram de o ser quando já não era conveniente para os interesses económicos do nosso país. Em 1983, numa lamentável Resolução do Conselho de Ministros n. 18/83, o Governo conseguiu eximir-se definitivamente de qualquer responsabilidade, nomeadamente as decorrentes do Acordo de Argel, de 1974, fazendo um fantástico negócio com a Guiné-Bissau, que deixou de pagar os juros de um empréstimo que Portugal tinha concedido, ficando, em contrapartida, com a obrigação de pagar as pensões aos, entre outros, cidadãos guineenses que serviram as Forças Armadas Portuguesas. Portugal renunciou, assim, a um crédito que nunca lhe seria pago e a Guiné-Bissau ficou com uma obrigação que nunca cumpriria. É o que se chamaria uma “win-win situation”, não fora o caso de os comandos africanos não só terem perdido a nacionalidade, como também a possibilidade de acesso ao pagamento das pensões a que teriam direito da parte do nosso Estado. Uma vergonha nacional! 

P.S. Sobre o que se passa em Moçambique, Portugal nada tem a dizer? É confrangedor o nosso silêncio perante mais este drama. _jornal público

https://por-ti-portugal.divergente.pt/menu

Sem comentários:

Enviar um comentário