Não falo já dos
comandos que, em vez
de integrados nas forças
armadas do novo Estado
da Guiné-Bissau,
foram sumariamente
fuzilados. Mas há ainda
os que estão vivos,
os seus filhos,
as suas viúvas,
e que merecem que
Portugal se comporte
decentemente
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Direito A
Matança a que assistimos,
diariamente, em Gaza
revolta-nos e indigna-nos,
parece-me,
independentemente de
sermos pró-israelitas ou
pró-palestinianos. A operação militar que aí
decorre parece já ter ultrapassado todos os
limites, desprezando absolutamente o
direito internacional em tempo de guerra,
com objectivos que não são claros. Seja ou
não verdade que a intenção é a de efectuar
uma limpeza étnica, criando uma situação
de desespero e de catástrofe tão grande que
a comunidade internacional e os próprios
palestinos aceitem a sua evacuação, há uma
coisa que me parece não suscitar dúvidas: o
conflito israelo-palestiniano é, actualmente,
uma questão de direitos humanos.
Abandonado pelos Estados — pese embora
o seu carácter essencialmente simbólico,
Portugal, com o actual Governo, continua a
política do anterior, não reconhecendo o
Estado da Palestina —, tem de ser a opinião
pública nos diversos países a manter acesa a
chama da solidariedade e humanidade para
com o povo palestino, face ao imenso lobby
mediático pró-governo de Israel.
Contudo, não é deste imenso drama, bem
visível, que queria falar hoje, mas de um
pequeno drama muito pouco visível mas de uma enorme violência moral que se
desenrola desde 1974 e que nos toca
directamente a todos portugueses.
Por Ti, Portugal, Eu Juro! foi, de início,
uma notável reportagem da autoria da
Divergente, uma revista digital de
jornalismo narrativo, sem fins lucrativos e
sem publicidade, que se converteu num
documentário de longa-metragem,
realizado por Sofia da Palma Rodrigues e
Diogo Cardoso, que recomendo vivamente
e que é exibido diariamente até ao próximo
dia 20 em sessões diárias às 19h45 no
Cinema City Alvalade, e domingo às 14h30
numa sessão extra no Cinema Fernando
Lopes, ambos em Lisboa.
E de que trata este documentário? De
uma realidade pouco conhecida e pouco
falada mas que toca, de forma perturbante,
na nossa condição de cidadãos portugueses
e que é, assim, resumida na sinopse do filme: “Durante a Guerra Colonial
(1961-1974), milhares de africanos
combateram ao lado de Portugal e
arriscaram a vida por uma pátria que
acreditavam ser a sua. A mesma pátria que,
depois da Revolução de Abril, os abandonou à
sua sorte. 50 anos depois, os Comandos
Africanos da Guiné continuam a reivindicar
as penso es de sangue e invalidez que lhes
foram prometidas. Este grupo foi a única
tropa de elite do Exército português
integralmente constituída por pessoas
negras, pessoas que tomaram a dianteira das
operações mais difíceis e protegeram os
militares oriundos da metrópole.
Reivindicam, até hoje, um lugar na História.
Contam relatos de guerra, perseguição e
morte. Dizem-se abandonados e traídos por
um Estado que os usou, explorou e, por fim,
descartou.”Foram, de facto, abandonados e traídos
por Portugal numa saga exposta no filme
mas que é, também, relatada na reportagem
multimédia “Por ti, Portugal, eu juro!”,
publicada no site da Divergente e que através
de depoimentos, directos e claros, de
ex-comandos nos faz perceber como nos
portámos mal. Não sou muito favorável aos
pedidos de desculpa históricos, embora
admita que, em alguns casos, eles possam
ter um papel relevante na construção da
história da Humanidade. Mas, neste caso,
não é o pedido de desculpas que interessa, é
a possibilidade de o nosso país ainda se
poder, minimamente, redimir desta página sinistra da nossa história recente. Não falo
já dos comandos que confiaram nas nossas
promessas e que, em vez de integrados nas
forças armadas do novo Estado da
Guiné-Bissau, foram sumariamente
fuzilados. Mas há ainda os que estão vivos,
os seus filhos, as suas viúvas, e que
merecem que Portugal se comporte
decentemente.
Foram portugueses enquanto foram úteis
militarmente à causa nacional e deixaram
de o ser quando já não era conveniente para
os interesses económicos do nosso país. Em
1983, numa lamentável Resolução do
Conselho de Ministros n. 18/83, o Governo
conseguiu eximir-se definitivamente de
qualquer responsabilidade, nomeadamente
as decorrentes do Acordo de Argel, de 1974,
fazendo um fantástico negócio com a
Guiné-Bissau, que deixou de pagar os juros
de um empréstimo que Portugal tinha
concedido, ficando, em contrapartida, com
a obrigação de pagar as pensões aos, entre
outros, cidadãos guineenses que serviram
as Forças Armadas Portuguesas. Portugal
renunciou, assim, a um crédito que nunca
lhe seria pago e a Guiné-Bissau ficou com
uma obrigação que nunca cumpriria. É o
que se chamaria uma “win-win situation”,
não fora o caso de os comandos africanos
não só terem perdido a nacionalidade,
como também a possibilidade de acesso ao
pagamento das pensões a que teriam direito
da parte do nosso Estado. Uma vergonha
nacional!
P.S. Sobre o que se passa em
Moçambique, Portugal nada tem a dizer? É
confrangedor o nosso silêncio perante mais
este drama. _jornal público
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