quarta-feira, 15 de junho de 2016

«Onde está o inimigo?» Artigo de opinião de António Loja


 Sondagens de opinião, artigos de jornal, intervenções de políticos, protestos de ecologistas, tudo foi inúltil. Da cabeça do genial Paulo Portas surgiu a brilhante ideia de que o radar no Areeiro era essencial à defesa nacional e vai de encomendar um equipamento (que as más línguas dizem ser antiquado e de segunda mão) que deve ter custado uma «nota preta» que inclui presumivelmente as habituais "comissões" inspiradas no exemplo rafeiro do príncipe Bernardo da Holanda (que foi acusado de as receber da Boeing). 

 Com o equipamento em armanzém o Ministro da Defesa sente-se na obrigação de o instalar, não vá o Tribunal de Contas ter a curiosidade de questionar o desperdício. E isso significa que brevemente teremos no Pico do Areeiro, local de evidente interesse turístico e de ainda mais evidente interesse ecológico e patrimonial, uma monstruosidade tecnológica ( quem sabe se entretanto desactualizada) chamada radar. 

 Essencial à defesa nacional? Quem o disse? Algum estratega palrador da televisão, debitador de pomposas frases sobre a defesa nacional que na maior parte dos casos não passam de conversa fiada para para enganar tolos. E atenção:há quem tenha a opinião de que o radar só faz sentido se coexistir com uma bateria de mísseis. Nesse dia estaremos perante uma insanidade total.

 Por outro lado, quem se defende defende-se de salguém, diria La Palisse. Não existem inimigos abstratos, imaginados para justificar gastos e sinecuras  no sector da Defesa Nacional como em qualquer outro sustentado pelo Orçamento.

 Parece-me legítimo que o cidadão comum pergunte, intrigado:Onde está o inimigo? Desde a degradação do Império Soviético que o Ocidente procura uma justificação para os seus investimentos militares.

 Encontrou-os, em certa medida, na luta contra a actividade terrorista. Mas será o terrorismo internacional que justifica o radar do Areeiro? Em 1975 ouvi alguns cérebros provincianos, que descobriram um inimigo por detrás de cada bananeira, referir como facto indesmentível o desembarque na Madeira de espiões vindos (imagine-se!) da Líbia. O mau da fita era, para esses imaginativos defensores da integridade territorial, o coronel Kadafi. Que o coronel não é boa rês, sabe-se, mas que tenha ambições territoriais em relação à RAM não é percetível.

 A quem se destina então o radar?

Há trinta anos, estava eu então na guerra da Guiné, um incompetente governador de no Schultz decidiu instalar, junto à fronteira sul, um quartel no lugar de Gandembel que, em poucas semanas de actividade e sem nenhuma vantagem estratégica inflacionou pesada e tragicamente o número de baixas das nossas tropas.

 Quando chegou à província, o novo governador Spínola, convocou para uma reunião em Bissau os comandantes das companhias da colónia, perante os quais disse, referindo o dito quartel:Gandembel não é um erro táctico; é uma burrice. Que pena tenho eu de não ter ainda ouvido alguém responsável dizer, a respeito do radar do Areeiro, que não é uma opção necessáriaà defesa nacional mas simplesmente uma burrice.

 Fico ansiosamente à espera.ANTÓNIO LOJA

Este artigo de opinão foi transcrito com a devida vénia do mensário humorístico "O GARAJAU" 30 de Janeiro de 2009.




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