terça-feira, 21 de abril de 2015

Antigos nazis com remorsos confessam a sua cumplicidade no genocídio do povo judeu na Alemanha


O “contabilista de Auschwitz” quer expiar a sua culpa em tribunal


Será dos últimos nazis a responder pelo seu papel no Holocausto. O julgamento do “contabilista de Auschwitz” levanta questões sobre o modo como a justiça alemã lidou com os suspeitos de envolvimento no extermínio.
Não escondeu a adesão ao nazismo, nega envolvimento directo na morte de judeus, foi dos poucos guardas dos campos da morte a levantar a voz contra o negacionismo. Oskar Gröning, um alemão de 93 anos, que esta terça-feira deve começar a responder por “cumplicidade no homicídio agravado de 300 mil pessoas”, está longe de ser uma personagem linear.
O julgamento do “contabilista de Auschwitz”, um homem que nunca encontrou “a paz interior”, como reconhecia no final de 2014 ao jornalHannoverische Zeitung, é também, 70 anos após o final da II Guerra Mundial, o julgamento do modo como a Alemanha lidou com um passado sombrio.
Oskar Gröning esteve em Auschwitz, onde chegou com 21 anos, de 1942 a 1944. A sua tarefa era reunir e enviar para Berlim o dinheiro dos prisioneiros. Mais tarde passou também a recolher as bagagens dos recém-chegados para que os seguintes não as vissem e não se apercebessem imediatamente do seu destino.
A acusação garante que estava consciente de que os incapazes para o trabalho “eram assassinados logo após a sua chegada” e que “pela sua actuação, forneceu vantagens económicas ao regime nazi e apoiou matanças sistemáticas.” Nada que Gröning negue.
Por motivos “legais e de prova” as acusações que o levam ao tribunal de Luneburgo, Sul de Hamburgo, dizem apenas respeito a dois meses do seu tempo de Auschwitz, na Polónia ocupada: de Maio a Julho de 1944, o período da Operação Hungria, quando chegaram a Auschwitz “cerca de 425 mil pessoas”, 300 mil das quais foram mortas nas câmaras de gás.
Ao longo de décadas, Gröning respondeu apenas perante a sua consciência. Tal como milhares de outros alemães. Mas ao contrário de outros não negou o que aconteceu. “Eu estava lá, é verdade”, afirmou em 1985, quando um colega do clube de filatelia lamentou a proibição do negacionismo. Sentiu então que era seu dever dar testemunho. Escreveu sobre o que viveu, foi entrevistado pela BBC, falou à imprensa.
Uma mesma ideia atravessa sucessivas declarações: vê-se como uma “pequena peça da engrenagem”, alguém a quem, tal como a muitos milhares de outros, a justiça alemã não prestou atenção, durante décadas. “Descreveria o meu papel como o de uma pequena peça na engrenagem. Se se considerar isso culpa, sou culpado”, disse à revista Der Spiegel, há dez anos.
“Coisa horrível mas necessária”
Nascido em 1921, órfão de mãe desde os quatro anos, foi criado pelo pai, um nacionalista que aceitou mal a derrota na I Guerra Mundial e integrava o grupo paramilitar Der Stahlhelm, que se opunha ao Tratado de Versalhes. Oskar fez parte da organização juvenil e cresceu num ambiente belicista e anti-semita. Na entrevista à Spiegel, foi buscar à memória uma cantilena desses tempos: “E quando o sangue judeu correr pelas nossas facas, tudo ficará novamente bem”. “Na época não pensávamos muito no que cantávamos”, disse também.
Fascinado pelas músicas e fardas, alistou-se nas SS, uma força de elite nazi, onde inicialmente teve tarefas administrativas. Foi depois colocado em Auschwitz, lugar do assassínio de 1,2 milhões de pessoas, entre 1940 e 1945.
Alega que só se deu conta do que se passava no campo de concentração quando, numa ocasião, se aproximou da área das câmaras de gás, viu e ouviu. “Só me dei conta do horror quando ouvi os gritos.” Mas a crença em Hitler, a convicção de que a Alemanha perdera a I Guerra por causa dos judeus e que era dever da Alemanha destruir o judaísmo, permitiram-lhe conviver com a situação.
Afinal, explicaria mais tarde, via no extermínio de judeus “uma forma de fazer a guerra”, “uma guerra com métodos avançados”. “Se estiver convencido de que a destruição do judaísmo é necessária não interessa como as mortes ocorrem”, afirmou.
O que Oskar Gröning nunca recuperou foi a paz interior. “Sinto-me culpado em relação ao povo judeu, culpado por ter pertencido a um grupo que cometeu esses crimes, mesmo que não tenha sido um dos executores. Peço perdão ao povo judeu. E peço perdão a Deus”, disse à Spiegel.
“Envergonhei-me durante décadas e continuo envergonhado hoje. Não pelos meus actos, porque nunca matei ninguém […] Mas ajudei. Era uma peça da máquina que eliminou milhões de pessoas inocentes”, declarou, noutra entrevista, também de 2005, ao diário Bild. Quando o Die Welt lhe perguntou recentemente se iria falar em tribunal, respondeu: “Se ainda for vivo, sim”.
Depois de décadas sem que fosse abordado pela justiça, o julgamento tornou-se possível com a jurisprudência criada pela condenação, em 2011, a cinco anos de prisão, de John Demjanjuk, antigo guarda do campo de Sobibór, que morreria no ano seguinte, aos 91 anos. Foi a primeira vez que a justiça alemã condenou alguém por cumplicidade. Antes, só tinha havido condenações de dirigentes, em Nuremberga, e, depois, de comprovadamente envolvidos no extermínio. (público)

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