domingo, 19 de abril de 2015

O padre que enganou os nazis e salvou dezenas de pessoas

O DN conta a história do padre Joaquim Carreira, o português que a Embaixada de Israel e a Comunidade Israelita de Lisboa consideraram, nesta semana, “Justo entre as Nações”

“Se eu não conhecesse tantos moleiros nos arredores de Roma, os meus hóspedes teriam passado muita fome!”, afirmava o padre Joaquim Carreira quando recordava os duros tempos que se viviam na capital italiana aquando da Segunda Guerra Mundial. Os “hóspedes” a que se referia o padre Carreira mais não eram do que as pessoas que ele acolhia no Colégio Pontifício Português, onde era reitor, salvando- as assim da morte às mãos dos nazis que ocupavam então a capital italiana.
A notícia da coragem de Joaquim Carreira, que sabia estar a pôr a sua vida em perigo ao dar refúgio a pessoas que eram perseguidas pelos nazis, chegou aos nossos dias pela mão do jornalista e especialista em temática do Vaticano António Marujo e valeu ao padre Carreira ser considerado, a título póstumo, “Justo entre as Nações” pelo Yad Vashem ( Museu do Holocausto) de Jerusalém. Isto porque, entre as dezenas de pessoas que o padre acolheu no colégio, estavam judeus: três pessoas da mesma família.
No passado dia 15, quando Israel recordou os “Mártires e Heróis do Holocausto”, a Embaixada de Israel e a Comunidade Israelita de Lisboa realizaram na sinagoga uma cerimónia para recordar as vítimas do Holocausto e, em simultâneo, entregar à família do padre Joaquim Carreira a medalha e o certificado de honra “Justo entre as Nações” atribuídos pelo Yad Vashem. Para António Marujo, foi “interessante a cerimónia [ de entrega da medalha e do certificado] ter sido inserida no Dia do Holocausto, deu- lhe uma outra força”.
Mas quem foi, afinal, este padre que António Marujo investigou e que acabou por ajudar a integrar a lista dos mais de 25 500 Justos entre as Nações? Joaquim Carreira nasceu a 8 de setembro de 1908, em Souto de Cima, Caranguejeira, a 20 quilómetros de Fátima. Foi o único rapaz dos cinco filhos que o casal Joaquim e Maria Inácia tiveram, o que não obstou a que nesta família de pequenos lavradores houvesse certa preocupação com a educação académica de Joaquim. Católicos praticantes, desde cedo a mãe – de quem Joaquim ficou órfão aos 10 anos – terá procurado sensibilizá- lo para a vida eclesiástica, algo difícil de aceitar pelo pai.
Feitos os primeiros anos de seminário, Joaquim Carreira é enviado para Roma onde faz, na Universidade Pontifícia Gregoriana, a sua licenciatura em Filosofia e Direito Canónico e o doutoramento em Teologia. Em 1931 é ordenado sacerdote após o que regressa a Portugal. Vem cheio de projetos.
Professor no Seminário de Leiria, cria o primeiro laboratório para experiências de física e química. É nessa altura que tira o brevet de piloto, licença que o autoriza a voar em Portugal e Itália, tornando- se o primeiro padre aviador português, licença que utiliza depois em Itália quando se reforma; e lança a Rádio Esfola- Gatos, uma rádio local. Sem carro, utiliza a bicicleta para visitar quem dele precisa.
Em 1940, em plena guerra, é enviado de novo para Roma onde desempenha o cargo de vice- reitor do Colégio Pontíficio Português e, pouco tempo depois, o de reitor da instituição à entrada da qual existia um cartaz, escrito em alemão e em italiano, a alertar para a proibição de perseguições e buscas no edifício que dependia da Cidade do Vaticano. O que não impediu a entrada, pelo menos uma vez, dos nazis. No seu relatório de 1943- 44, a que António Marujo teve acesso, o padre Carreira justifica- se: “Concedi asilo e hospitalidade a pessoas que eram perseguidas na base de leis injustas e desumanas.”
Num momento em que a diplomacia oficial do Vaticano era particularmente cautelosa, não era fácil manter dezenas de refugiados mesmo sob o nariz dos nazis. O padre Carreira sabia- o mas isso não o impedia de, aos fins de semana, sair de Roma no carro do colégio e ir à procura do seus conhecidos “moleiros” para poder alimentar os seus “hóspedes”.
Joaquim Carreira foi ordenado em 1931 O louvor do Parlamento A Assembleia da República, na sessão do passado dia 16, aprovou um voto de louvor ao padre Joaquim Carreira e ao jornalista António Marujo. No texto, em que explica as razões que levaram a tal decisão, é afirmado que “a ação do padre Joaquim Carreira não se distingue da atuação de outros heróis portugueses que, em tempos de crise moral, fizeram prevalecer a sua compaixão e solidariedade. Ao lado de Aristides de Sousa Mendes, Carlos Sampayo Garrido e Teixeira Branquinho, encontra- se, hoje, o nome de Joaquim Carreira, fixado no Mural de Honra do Jardim dos Justos do Memorial do Holocausto. Um ato de justiça que devemos à publicação do excelente artigo de António Marujo, na revista 2 ( jornal Público), que assim espoletou a investigação e o processo de designação por parte do Instituto Yad Vashem”.



A decisão da Assembleia foi aprovada por unanimidade, é de Em 1940, o Padre Joaquim Carreira foi enviado para Roma, onde desempenhou o cargo de vice- reitor do Colégio Pontifício Português ( em cima) e, pouco tempo depois, o de reitor da instituição, à entrada da qual existia um cartaz, escrito em alemão e em italiano, a alertar para a proibição de perseguições e buscas no edifício. Foi também o primeiro padre aviador português ( foto à esquerda) sublinhar. Mas há que registar que o diplomata Teixeira Branquinho não é ainda um “Justo entre as Nações”, o seu processo está a decorrer. Para além de Aristides de Sousa Mendes, que salvou mais de 30 mil refugiados munindo- os com passaportes, e de Sampayo Garrido, o embaixador em Budapeste que salvou judeus húngaros, há o imigrante português em França José Brito Mendes. Operário, Brito Mendes e a sua mulher tomaram a seu cargo uma pequena judia, filha de um casal vizinho, salvando- a da morte. Estes são os três nomes que se encontram já na Alameda dos Justos do Yad Vashem e aos quais se juntou agora o do padre Carreira. (fonte Diário de Notícias de Lisboa, edição de hoje)
Fonte DN/Lisboa

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