domingo, 15 de outubro de 2023

Morte de Dom Mauro marca a despedida dos ‘bispos vermelhos’, no Brasil

 Ele era o último dos seis religiosos conhecidos pela oposição à ditadura ainda vivo

 A morte de Dom Mauro Morelli, na última segunda-feira, virou a última página da história dos chamados bispos progressistas contra a ditadura e a tortura no país. Bispo emérito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Dom Mauro era o último dos religiosos que integraram o grupo de líderes da Igreja Católica mais críticos ao regime ainda vivo. A oposição rendeu a eles, dentro dos quartéis das Forças Armadas, o apelido de “Bispos Vermelhos” — uma alusão ao comunismo feita por agentes da repressão. No grupo ainda estavam nomes como Dom Adriano Hypólito (bispo de Nova Iguaçu), Dom Waldyr Calheiros (Volta Redonda) e Dom Clemente Isnard (Nova Friburgo), no Estado do Rio, além de Dom Helder Câmara (Olinda e Recife) e Dom Paulo Evaristo Arns (arcebispo de São Paulo). Mais novo do grupo, Mauro Morelli, que morreu aos 88 anos, atuou ativamente pela preservação dos direitos humanos e contra a ditadura na década de 1980, período de reabertura e transição do regime militar para o civil. No entanto, seu nome já era monitorado e citado pelo extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) ainda no início dos anos 1970 como “alguém perigoso” para a segurança nacional. Mesmo após o fim da ditadura, Dom Mauro permaneceu sendo monitorado pelo SNI até o início dos anos 1990, quando o órgão foi extinto pelo então presidente Fernando Collor. —Dom Mauro Morelli fez parte de um grupo de bispos progressistas da Teologia da Libertação que, mesmo depois da chegada do Papa João Paulo II ao Vaticano, que freou o movimento, continuou a defender as questões sociais — afirma o professor Paulo César Gomes, pesquisador do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor do livro “Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: A visão da espionagem”, Gomes afirma que a atuação dos bispos progressistas durante o regime contribuiu para a luta contra a tortura e a violação dos direitos humanos. Embora padres e frades tenham sido perseguidos pelo país, segundo o pesquisador, os militares tinham como estratégia não criar um impasse com a Igreja Católica, evitando atacar líderes religiosos do alto Clero, o que poderia provocar uma reação do Vaticano. Mesmo assim, o posicionamento das Forças Armadas não impediu, lembra o pesquisador, o atentado contra Dom Adriano Hypólito. 
 Em setembro de 1976, o então bispo de Nova Iguaçu foi sequestrado, espancado e abandonado em um matagal em Jacarepaguá, com o corpo pintado de vermelho. O carro do religioso, um Fusca, foi levado até próximo à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na Glória, na Zona Sul do Rio, e destruído com uma bomba. A Aliança Anticomunista Brasileira teria sido a autora do ataque, mas nenhum envolvido foi identificado ou punido. Em dezembro de 1979, uma bomba explodiu na Catedral de Santo Antônio de Jacutinga, sede da Diocese iguaçuana, destruindo o sacrário e ferindo um funcionário. Os ataques intimidatórios tiveram efeito reverso, e Dom Adriano acabou ampliando o apoio ao seu trabalho na Baixada. O local do atentado é preservado até hoje. 
 De acordo com o pesquisador, com a chegada do Papa João Paulo II os bispos progressistas aos poucos foram perdendo espaço nas discussões sociais e influência política. A abertura desse espaço permitiu que outras religiões ocupassem o vácuo nas últimas décadas, em especial as pentecostais e neopentecostais. — Embora nomes como Dom Mauro Morelli não tenham abandonado questões como a justiça social, outras igrejas, como as pentecostais e neopentecostais, foram crescendo, tendo maior influência. São conhecidas, em geral, como evangélicas, mas que não têm um líder único, como é o Papa. São mais fragmentadas. Porém, estão em praticamente todas as cidades do país — diz o pesquisador. (o Globo)

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