sábado, 21 de outubro de 2023

Defesa do médico Rafael Macedo em oposição ao processo que lhe foi instaurado pela Ordem dos Médicos (feita com os grandes interesses da medicina privada)

 


Ordem dos Médicos

Conselho Disciplinar Regional do Sul

Proc. Disciplinar nº 44/20

 

EXMA. SENHORA PRESIDENTE

DO CONSELHO DISCIPLINAR REGIONAL DO SUL

 

CHARL RAFAEL MACEDO DA SILVA, médico com a cédula profissional nº 46302, notificado do Despacho de Acusação proferido nos presentes autos disciplinares, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 52º do Regulamento Disciplinar dos Médicos (Regulamento nº 631/2016, de 08/07) apresentar a sua

 

DEFESA

 

O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

 



I.               DA NULIDADE INSUPRÍVEL DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO

 

1.             É atribuição da Ordem dos Médicos, de acordo com o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 3.º do seu Estatuto, o exercício do poder disciplinar sobre os médicos.

 

2.             A tramitação a que deve obedecer o procedimento disciplinar está prevista no Regulamento nº 631/2016, de 08/07 (Regulamento Disciplinar dos Médicos).

 

3.             Determina o artigo 48º do referido regulamento que:

 

O despacho de acusação deve especificar a identidade e demais elementos pessoais relativos ao arguido, os factos imputados e as circunstâncias em que os mesmos foram praticados, as normas infringidas, a sanção aplicável e o prazo para apresentação de defesa.”

 

De tal preceito resulta claro que,

 

4.             A acusação num processo disciplinar tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstratas, devendo individualizar as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo.

 

5.             E é assim porque se a enunciação de tais factos é feita de forma vaga e imprecisa, impossibilita-se o eficaz exercício do direito de defesa, o que equivale à falta de concessão deste direito, geradora de uma nulidade insuprível.

 

6.             Tem sido jurisprudência uniforme no nosso Supremo Tribunal Administrativo que a falta de audiência do arguido e as situações à mesma equiparáveis constituem ilegalidade na modalidade de vício de forma que se traduz numa nulidade processual.

 

7.             Na verdade, a expressão falta de audiência do arguido tem sido interpretada pela doutrina e jurisprudência no sentido de abranger as situações em que a acusação se encontra despida de expressão factual ou contendo apenas juízos valorativos ou conclusivos, ausência de formalidades essenciais, falta da notificação da acusação, concessão de prazo insuficiente para defesa, não prorrogação suficiente de prazo para defesa, negação do direito de defesa ampla, falta de nomeação de curador quando necessário ou não notificação do arguido da junção de documentos.

 

8.             A título de exemplo veja-se o decidido no Acórdão de 03.02.2005 do Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo nº 05841/01 no sentido de que: “É requisito essencial dos artigos de acusação em processo disciplinar o da individualização ou discriminação dos factos que se tenham por averiguados e disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidas e com referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis.”[1]

 

9.             No mesmo sentido, veja-se também o Acórdão de 10.10.2014 do Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do processo nº 00770/08.8BEBRG onde se lê:

 

1. Nos termos do nº 4 do Artº 59º do Estatuto Disciplinar (DL nº 24/84) a acusação em processo disciplinar tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstratas, devendo individualizar as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo. 2. A enunciação de tais factos de forma vaga e imprecisa, impossibilitando o eficaz exercício do direito de defesa, equivale à falta de concessão deste direito, geradora da nulidade insuprível cominada no nº 1 do art. 42º. do citado Estatuto Disciplinar. 3. É pois requisito essencial dos artigos de acusação em processo disciplinar o da individualização ou discriminação dos factos que se tenham por averiguados e disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidas e com referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis.”[2]

 

10.         No mesmo acórdão decide-se, e bem, que:

 

No que concerne à referência aos correspondentes preceitos legais e às penas aplicáveis, embora não seja de exigir que ela seja feita imediatamente a seguir à imputação de cada facto, é necessário que para o arguido não se torne impossível ou especialmente difícil estabelecer a relação entre cada conduta fáctica descrita e cada violação disciplinar imputada. (realces nossos)

 

11.         Neste sentido, MARCELO CAETANO[3] ensina que a acusação se deduz por artigos para tornar mais fácil a defesa e cada artigo deve conter um facto imputado ao Arguido, indicando precisa e concretamente todas as circunstâncias de modo, lugar e tempo.

 

12.         É, pois, exigível, que numa acusação no âmbito de um procedimento disciplinar, nos termos do disposto no artigo 48º do Regulamento Disciplinar dos Médicos, além de outros requisitos, os artigos da acusação sejam formulados em termos claros e precisos.

 

13.         E isto porque uma acusação clara e precisa acode à garantia de audiência e defesa prevista no artigo 269, nº 3 da CRP.

Ora,

 

14.         A acusação deduzida neste processo disciplinar é tudo, menos clara e precisa como legalmente e constitucionalmente se lhe impunha.

 

Senão vejamos, atentando no despacho de acusação com que o Arguido foi confrontado:

 

15.         No despacho de acusação começa por ler-se:

 

Deduz-se acusação contra o médico Dr. Charl Rafael Macedo da Silva, inscrito na Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, com a cédula profissional nº 46302, uma vez que os autos revelam indícios de que terá praticado várias infracções disciplinares.

 

16.         Parece escusado notar que o despacho começa, desde logo, pela referência genérica a “várias” infracções disciplinares, sem qualquer concretização das mesmas.

 

17.         Mas atentemos então no que se lê logo após esta introdução e que se anuncia (de forma enganadora) como sendo a enunciação dos factos imputados ao Arguido:

 

Os factos que lhe são imputados são os seguintes:”

 

18.         Contudo, logo após a supra citada frase, ao invés de um elenco de factos, lê-se:

 

“Teve este Conselho Disciplinar conhecimento, através de várias participações, que se encontram vertidas nos autos e que aqui se reproduzem os excertos mais importantes, uma vez que o médico arguido tem na íntegra o respectivo conhecimento:

 

I.1.   Declarações assinadas por vários médicos que compõem o Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPE (doravante SESARAM) e remetidas pelo Presidente do Conselho regional do Sul da Ordem dos Médciso a este Conselho Disciplinar – cfr. fls 3-8 dos autos:

(...)

I.2.   Participações dos médicos visados pelo médico arguido no Jornal da Madeira e na comissão de Inquérito Parlamentar da Região Autónoma da Madeira sobre a Medicina Nuclear – cfr. fls 10-11 dos autos:

(...)

I.3.   Documentação remetida pelo Exmo. Bastonário da Ordem dos Médicos com os seguintes documentos – cfr. fls 12-57 dos autos

1.3.1. Participação do SESARAM contra o médico arguido, sobre as declarações que proferiu na opinião pública cfr. fls 14-19 dos autos:

(...)

1.3.2. Resposta da Comissão Nacional de Ética e Deontologia Médicas (CNEDM) ao pedido de parecer suscitado pelo Colégio da Especialidade de Medicina Nuclear – cfr. fls 23 dos autos

                        (...)

1.3.3. Fundamentação do pedido de parecer do Colégio da Especialidade de Medicina Nuclear ao CNEDM, com os demais documentos que a compõem e que fazem parte integrante da mesma – cfr. fls 28-30 dos autos:

                        (...)

I.4.   Participação do Exmo. Sr. Miguel Câncio de Jesus e Silva sobre atuação do médico arguido – cfr. fls 58-71 dos autos:

(...)

I.5.   Participação dos médicos, Dr. Quinídio Major Pinto Correira; Dr. António Alfredo Caldeira Ferreira; Dra. Mónica Clara Andrade Caldeira Ferreira e Dr. João Roberto da Silva Homem de Gouveia sobre o texto publicado pelo médico arguido na sua página de Facebook de livre acesso a qualquer pessoa – cfr. fls 72-77:

(...)

I.6.   Participação do médico, Dr. Miguel Alexandre Costa Reis contra o médico arguido – cfr. fls 78-80 dos autos.

(...)

I.7.   Documentação remetida pelo Presidente do Regional da Ordem dos Médciso – cfr. fls 81-133 dos autos.

I.7.1.        A transcrição das declarações prestadas pelo médico arguido em sede de Comissão de Inquérito ao funcionamento da Unidade de Medicina Núclear do SESARAM na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira – cfr. fls. 88 – 130 dos autos – cujo conteúdo faz parte integrante deste despacho de acusação.

I.7.2.        Parecer emitido pela relatora. Dra. Joana Dias da Comissão de Ética do SESARAM sobre a atuação do médico participado – cfr. fls 131 dos autos.

(...)

I.8.   Participação da médica Dra. Teresa Martins Lúcio, sobre a atuação do médico participado – cfr. fls 142 – 145 dos autos

(...)

I.9.   Participação do Bastonário da Ordem dos Médicos sobre uma publicação que o médico arguido escreveu na sua conta de Facebook e com acesso ao público em geral. – cfr. fls 165 – 166 dos autos.

(...)

 

19.         Como resulta do que se transcreveu supra, embora o despacho de acusação “anuncie” que vai proceder à enunciação dos factos imputados ao arguido, aquilo que faz é enumerar declarações e participações de médicos contra o Arguido, limitando-se a transcrever excertos de tais declarações e participações.

 

20.         Como é evidente, excertos de declarações e participações não são uma enunciação, indicação ou enumeração de factos imputados ao Arguido.

 

21.         Enunciação/indicação ou enumeração que, pura e simplesmente, não existe no despacho de acusação de que o Arguido foi notificado e que cabia ao relator do processo proceder.

 

22.         Não é, como é evidente, ao Arguido que cabe analisar as “várias” participações apresentadas e os seus “excertos” e dali selecionar e extrair os factos que possam ser, na perspectiva do Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos, comportamentos violadores do Estatuto da Ordem dos Médicos e, ainda, fazer corresponder esses factos à violação dos deveres identificados na acusação.

 

23.         Veja-se que, após as transcrições referidas e remissões para fls dos autos, lê-se no ponto 2 da acusação:

 

Sucede que verificou este Conselho Disciplinar terem sido abertos três Processos de Averiguação Sumária (PAS) com os nºs 171/19; 584/18 e 10/19, que versavam sobre os mesmos factos, entendendo-se a apensação dos PAS 584/18 e 10/19 ao PAS 171/19, por este ter a instrução em fase mais avançada.

 

24.         Notando-se que em nenhum desses processos foi proferido despacho de acusação pelo que também não existiu tal enunciação de factos.

Ora,

 

25.         Imediatamente após o ponto 2, no ponto 3, o despacho de acusação transcreve os esclarecimentos prestados pelo médico arguido naqueles processos:

 

Para instrução da presente situação foi o médico arguido notificado para se vir pronunciar, prestando vários esclarecimentos, que se transcrevem – cfr. fls 210; 212-222 dos autos: (...)”,

 

seguindo-se 15 fls que contêm os esclarecimentos do arguido.

 

26.         Lê-se seguidamente no ponto 4 que o Arguido juntou aos autos despacho de arquivamento em processo judicial que correu termos na 2ª secção do DIAP tendo por objeto declarações que prestou ao Jornal da Madeira e à Comissão de Inquérito ao Funcionamento da Unidade de Medicina Nuclear do SESARAM, procedendo-se no despacho de acusação à transcrição de excertos de afirmações do Arguido ao Jornal da Madeira, na Comissão de Inquérito referida e a parte do despacho de arquivamento.

 

27.         Mais constam da acusação “os trechos mais significativos” no entender da acusação, do Relatório Final do processo disciplinar instaurado ao Arguido pela sua entidade patronal, a SESARAM.

 

28.         E ainda a transcrição de duas comunicações electrónicas juntas aos autos.

 

29.         Depois de toda esta amálgama de  “trechos” de participações; “excertos” e “transcrições” – que ocupam 32 fls das 37 da acusação – e sem que um único facto concreto e individualizado seja imputado ao Arguido pela Sra. Dra. Relatora, (não se aceitando, como é evidente, que participações avulsas de colegas do Arguido possam substituir um despacho de um relator), conclui então a acusação pela existência de um “elo comum” de “desrespeito” aos pares do Arguido e em última instância à Ordem Profissional.

 

II.             O “ELO COMUM” DE “DESRESPEITO”

 

30.         Ora o tal elo comum de desrespeito segundo se percebe no ponto 10 da acusação corresponderá ao “extravasar” da “opinião” do médico Arguido sobre a “organização e funcionamento da sua, à altura, entidade patronal e, ainda, denegrindo a atividade médica exercida por alguns dos seus pares”.

 

31.         Mas não existe, em nenhum momento, a identificação das afirmações concretas do médico Arguido que tenham “extravasado” a sua opinião e que “denigram” a sua então entidade patronal e “alguns dos seus pares”,

 

32.         E que, consequentemente, preencham os pressupostos de violação de deveres previstos no Estatuto da Ordem dos Médicos.

 

33.         Veja-se, de resto, que a acusação não identifica sequer quem são os “alguns” dos pares do Arguido médico (!!).

 

34.         Ou deve o arguido presumir que de cada participação resulta automaticamente um “par denegrido” pelo seu “extravasar” de opinião?!

 

35.         E que cada participação é uma acusação e a violação dos 7 deveres indicados no despacho?!

 

36.         Perguntar parece ser responder, sendo certo que, como se disse, participações ou comunicações à Ordem dos Médicos não substituem um despacho de acusação.

 

37.         Sendo certo que, como é evidente, fazer corresponder ou substituir acusações por participações abriria lugar a que o participante/queixoso definisse aquilo que entendia como infracção disciplinar e esse entendimento fosse acriticamente tornado uma acusação.

 

38.         Sendo assim um eventual denunciado acusado em processos disciplinares por quaisquer factos escolhidos por um participante e sem que houvesse, da parte do órgão disciplinar, qualquer controlo e análise.

          Ora,

 

39.         A acusação deveria, necessariamente, e sob pena de nulidade, conter a descrição, de forma escorreita, clara e inequívoca, de todos os factos concretos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas, como “extravasares” de opinião ou “elos comuns de desrespeito”.

 

40.         Devia existir um elenco de factos, numerados, imputados ao Arguido, identificados no tempo e no espaço pela Sra. Dra. Relatora e, ainda, e necessariamente, a associação dos factos concretos à violação de um dever também ele concreto.

 

41.         Veja-se que, mesmo que a Relatora do processo considerasse que tudo o que o médico Arguido escreveu e/ou disse em redes sociais ou meios de comunicação social “extravasava” a sua opinião e “denegria” colegas e entidade patronal – o que, como é evidente, numa sociedade de direito democrática em que a liberdade de expressão é um pilar fundamental nunca seria aceitável – a verdade é que, ainda assim, a acusação teria de identificar as afirmações do Arguido e concretizar em que medida é que cada uma das afirmações consubstanciava uma violação de dever previsto no Estatuto da Ordem dos Médicos.

 

42.         O que não sucede numa flagrante violação do direito de defesa do Arguido.

 

43.         E o que torna todo o processo nulo, por violação do de tal direito, consagrado, constitucionalmente no nº 3 do artigo 269 e nº 5 do artigo 32º da CRP e aplicável ao processo disciplinar.

 

44.         Nulidade que expressamente se invoca, com todas as consequências legais, designadamente o arquivamento dos presentes autos disciplinares.

           

          Como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira,

 

45.         O processo disciplinar “deve configurar-se como um «processo justo», aplicando-se, na medida do possível, as regras ou princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, designadamente as garantias de legalidade, o direito à assistência de um defensor (CRP, art. 32.º, n.º 3), o princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 5), o direito de consulta do processo …, o sentido útil da explicitação constitucional do direito de audiência e defesa é o de se dever considerar a falta de audiência do arguido ou a omissão de formalidade essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa, daí resultando a nulidade de procedimento disciplinar…”[4]

 

46.         Na senda do que expôs, e na impossibilidade de impugnar factos concretos porque os mesmos não são elencados nem autonomizados na acusação de que o Arguido foi notificado, impugna-se o “elo comum de desrespeito” que é genericamente imputado ao Arguido e sem prejuízo de tudo quanto se disse e que determina, a priori, o arquivamento do presente processo disciplinar, em virtude da inequívoca nulidade invocada, o Arguido defender-se-á nos termos que infra se expõem e que entende serem os possíveis atenta a nulidade invocada:

 

III.           O ARGUIDO – DR. RAFAEL MACEDO DA SILVA – E A SUA HISTÓRIA

 

47.         O Arguido Dr. Rafael Macedo da Silva é médico há 15 anos, licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

 

48.         Com efeito, exerce medicina desde 2006, e é médico especialista em Medicina Nuclear desde o ano 2012.

 

49.         Ao longo da sua vida profissional o Arguido sempre fez bancos de urgência nos Hospitais da Universidade de Coimbra e no Funchal.

 

50.         O Arguido nunca teve quaisquer queixas ou reclamações de doentes e/ou colegas.

 

51.         Pelo contrário, o Arguido foi sempre elogiado pelos seus pares e doentes.

 

52.         O Arguido acompanhou todo o processo de construção, licenciamento e entrada em funcionamento da Unidade de Medicina Nuclear que sita no Hospital Dr. Nélio Mendonça.

 

53.         Na verdade, o Arguido foi convidado, em Janeiro de 2011, para acompanhar tal processo pelo Dr. António Miguel Freitas Ferreira, então Diretor Clínico e posteriormente Presidente do Conselho de Administração do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P.E.

 

54.         O Arguido aceitou prontamente tal convite, tendo iniciado o acompanhamento da unidade após o término da especialidade em Abril de 2012. 

 

55.         A inegável mais valia do Arguido para a instalação de uma Unidade radiológica e nuclear na Madeira com a complexidade inerente é reconhecida pelo Dr. António Miguel Freitas Ferreira – cfr. Documento nº ... que se junta.

 

56.         O Arguido procurou sempre apostar na sua formação e contribuiu sempre para a formação dos seus pares, tendo, designadamente colaborado em teses de mestrado como é o exemplo da tese “Medidor de Glicose Minimamente Invasivo - Prova de Conceito” da Dra. Joana Isabel Ferreira Santos Melo, disponível in https://estudogeral.uc.pt › bitstream.

Ora,

 

57.         A par do exercício da medicina, o Arguido sempre se interessou pela vida política por considerar, precisamente, que a política deveria lutar por uma melhor e mais eficaz prestação de cuidados médicos aos cidadãos.

 

58.         O Arguido é, assim, um cidadão ligado à política, com atividades políticas efetivas, desde 2017, defendendo pública e orgulhosamente o direito constitucional de todos os cidadãos – independentemente das suas capacidades financeiras – de terem acesso à saúde.

 

59.         O Arguido é deputado municipal no seu Concelho e foi candidato principal nas últimas eleições regionais por um partido de apresentação inaugural na Madeira.

 

60.         O Arguido sempre utilizou a sua página de facebook para divulgar ideias relacionadas com a proteção pública de cidadãos desprotegidos a nível da rede pública de Saúde Pública.

 

61.         E sempre deu a voz pelas causas que entendia deverem ser públicas, considerando que a sua liberdade de expressão não devia ser injustificadamente coartatada pelo facto de exercer medicina, profissão de que se orgulha.

 

62.         Na verdade, o Arguido entendeu fazer sempre medicina pública em exclusividade pelo espírito de missão com que vê a profissão.

 

63.         Sendo certo que o Arguido é e foi sempre consciente de que, além de médico, é cidadão e funcionário público; considerando ter a obrigação de reportar supostos crimes ou irregularidades de que tenha conhecimento.

 

64.         Tudo aquilo que o Arguido proferiu em meios de comunicação social e escreveu em redes sociais (o que efetivamente foi o próprio a escrever) foi com a exclusiva intenção de descrever aquilo que via suceder no serviço público da Região Autónoma da Madeira, onde o Arguido assumiu funções de comando e direção do seu serviço.

 

65.         O Arguido falou da realidade que conhecia e conhece na Região Autónoma da Madeira, concretamente no domínio da saúde pública, onde entende que existiram e existem poderes instalados que obstam ao desejado desenvolvimento da rede de saúde pública.

 

66.         E deu, nesse contexto, legítima e legalmente, no exercício do seu direito de liberdade de expressão, constitucionalmente consagrado, a opinião fundada que tinha sobre tal realidade.

 

67.         O Arguido nunca pretendeu caluniar, difamar ou cometer qualquer ilícito ou infração disciplinar; tendo apenas partilhado a sua opinião sobre, como se disse, uma realidade que conhecia de perto e que, de resto, era investigada e debatida na comunicação social.

 

68.         Admite o Arguido que se possa discordar das suas opiniões e até considerá-las contundentes – mas querer englobar todas as declarações públicas que fez num “saco” denominado “elo comum de desrespeito” e com tal chancela pretender suspender a sua inscrição na ordem dos médicos até um ano, é legalmente inadmissível.

 

69.         Vejamos então e contextualizemos as declarações públicas do Arguido (porque a acusação não o faz), sem prejuízo de se entender, como se disse, que os termos em que é deduzida a acusação a que responde não lhe permitem exercer de forma plena o seu direito de defesa, o que torna o presente processo nulo, por violação do de tal direito, consagrado, constitucionalmente no nº 3 do artigo 269 e nº 5 do artigo 32º da CRP e aplicável ao processo disciplinar.

         

A.            A REPORTAGEM DA TVI:

 

70.         Em Fevereiro de 2019 foi emitida uma reportagem no canal TVI a propósito do subaproveitamento de serviços nos hospitais públicos com encaminhamento de doentes para hospitais privados.

 

71.         Foi particularmente abordado o caso da unidade de medicina nuclear, no Hospital do Funchal, paga com dinheiros públicos e comunitários e que se encontrava nova, mas praticamente parada.

 

72.         Na reportagem, conduzida pela jornalista Alexandra Borges, são ouvidas várias pessoas, entre as quais o ora Arguido, Dr. Rafael Macedo, na altura responsável da unidade de medicina nuclear.

 

73.         Nas suas declarações, o Arguido refere que a unidade deveria estar a realizar um número muito superior de exames ao que efetivamente estava a realizar e que tal acontecia pela falta de compra dos fármacos necessários para a realização de exames.

 

74.         Além do Arguido, é ouvida uma paciente oncológica, Ivone Henriques, que descreve a sua situação contando que viu a sua doença avançar, o que seria evitável se tivesse realizado uma cintigrafia.

 

75.         Exame não disponível no hospital.

 

76.         Diz a jornalista que aquela doente viu a doença avançar enquanto aparelhos e médicos estavam parados.

 

77.         Além do Arguido, Dr. Rafael Macedo, e da referida paciente oncológica, é ainda entrevistado na reportagem o Dr. Miguel Ferreira, Ex-Presidente da SESARAM que realça a importância daqueles exames e aparelhos.

 

78.         É ouvido, também, o secretário da saúde da Madeira, Dr. Pedro Ramos, que refere à jornalista que não se trata de adquirir ou não radiofármacos, que não é uma questão financeira, mas que é “uma questão de opção”.

 

79.         Nas declarações prestadas pelo Dr. Rafael Macedo o mesmo identifica diversos tipos de exames que não são realizados no hospital e que no seu entendimento são exames essenciais e que deveriam ser disponibilizados aos doentes, havendo equipa e aparelhos disponíveis para os fazer.

 

80.         Também o Dr. Miguel Ferreira refere que o hospital dispõe de todas as condições para fazer os exames com muito menor custo do que o privado.

 

81.         A equipa da reportagem escolheu dois exames que não se realizavam no Hospital Nélio Mendonça e deslocou-se à Clínica Joaquim Chaves para saber os preços dos mesmos, tendo sido perentoriamente afirmado pelo Dr. Miguel Ferreira “estamos a beneficiar o negócio privado da saúde” referindo que quem ganhava dinheiro com tal negócio eram as empresas e os médicos.

 

82.         Na opinião do Arguido expressa naquela reportagem “não tem qualquer tipo de lógica enviar os doentes para o privado”.

 

83.         Veja-se que na reportagem se refere que o secretário da saúde da Madeira começa por negar a existência de aparelhos parados, mas acaba por reconhecer que se existir um equipamento que ainda não esteja a ser usado é por “não estarem reunidas as condições”.

 

84.         Refere-se na reportagem que a TVI esteve várias vezes na unidade de medicina nuclear, a diferentes horas e dias da semana e constatou que os equipamentos estiveram “sempre parados, arrumados e nalguns casos até escondidos sem sinais de uso

 

85.         Na reportagem em causa, o Arguido Dr. Rafael Macedo limita-se a dar a sua perspetiva, fundamentada, sobre o subaproveitamento que lamenta verificar-se no hospital público, considerando que, em detrimento de os doentes terem de recorrer ao privado para realizar determinados exames, deveriam poder realizar tais exames e tratamentos no público, a preços acessíveis, existindo meios e equipas para tal.

 

86.         A reportagem foca-se, também, no acordo existente entre o Serviço Regional de Saúde e a Clínica privada Quadrantes (agora Joaquim Chaves Saúde), celebrado em 2009 e válido até 2024, no âmbito do qual a SESARAM pagou à Clínica 22,5 milhões de euros, o que seria suficiente para montar 15 unidades de medicina nuclear como a que existe no Hospital Nélio Mendonça.

 

87.         A instalação da unidade de medicina nuclear no Hospital do Funchal foi co-financiada por fundos comunitários, enquanto o Dr. Miguel Ferreira era presidente do SESARAM tendo o mesmo referido expressamente na reportagem que se tivesse continuado a exercer funções teria a unidade a funcionar em dois meses.

 

88.         Refere-se na reportagem que foi aberto um processo-crime para averiguar tal situação, mas que o mesmo acabou por ser arquivado, referindo-se ainda a existência de uma investigação conduzida pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF)

 

89.         De acordo com a reportagem, o OLAF confirmou à TVI a existência de irregularidades no uso de fundos comunitários.

 

90.         Abordando-se na reportagem a dicotomia sector público / sector privado e as dificuldades sentidas por pacientes oncológicas que viram adiantar a sua doença em virtude de não deteção atempada do grau do doente pela não realização de exames no serviço público.

 

91.         Refere-se na reportagem que a TVI encontrou diversos casos semelhantes aos da paciente oncológica Ivone entrevistada, mas que os mesmos não quiseram dar o seu testemunho por “receio de represálias”.

 

92.         Toda a reportagem, filmada no Funchal e no Hospital Nélio Mendonça, tem a voz e o texto das jornalistas Alexandra Borges e Paula Alexandra Martins, então jornalistas da TVI.

 

93.         O Arguido, naturalmente, não teve qualquer intervenção na condução, elaboração ou orientação da reportagem.

 

94.         O Arguido, entrevistado pelas jornalistas em causa, limitou-se a relatar aquilo que acontecia na unidade de medicina nuclear pela qual era, na altura, responsável e relativamente à qual tinha conhecimento direto do funcionamento.

 

95.         O Arguido sabia os exames que eram realizados; os equipamentos que estavam parados e tinha e tem uma opinião sobre o que entende ser um subaproveitamento de meios que poderiam ser utilizados para tratar doentes que deles precisam.

 

96.         O Arguido limitou-se a expressar a sua opinião – não sendo possível detetar qualquer “extravasamento” de opinião ou “desrespeito” que possa ser violador de qualquer dever previsto no Estatuto da Ordem dos Médicos que, de resto, a acusação não identifica.

 

97.         O Arguido veio a saber que, a 11 de Janeiro de 2019, recebera em consulta uma suposta paciente – que o Arguido desconhecia ser jornalista da TVI, Paula Gonçalves – que pretendia realizar determinado exame.

 

98.         Nota-se que o Arguido nunca tivera contacto com aquela jornalista, mas apenas com a jornalista Alexandra Borges.

 

99.         Perante avaliação clínica e consentimento informado da requisitante, e tendo competência e autorização para realizar a prescrição do exame solicitado, o Arguido encaminhou a utente para a instalação mais próxima.

 

100.     Situação semelhante que o Arguido fez a utentes durante vários anos, sob a supervisão dos seus superiores e sem qualquer reparo.

 

101.     Nunca tendo ultrapassado as suas funções e competências.

 

102.     O que, de resto, também não é concretamente acusado na deficiente acusação de que foi notificado.

 

103.     O Arguido, reitera assim, que na sua conduta – que se limitou à participação numa reportagem sobre situação de interesse público de que tinha conhecimento – não existiu qualquer infracção disciplinar.

 

B.             A COMISSÃO DE INQUÉRITO:

 

104.     O conhecimento, através da reportagem da TVI, do contrato celebrado entre o Governo Regional da Madeira e a Quadrantes, clínica do grupo Joaquim Chaves Saúde, ao abrigo do qual entre 2009 e 2018, o Governo Regional da Madeira pagou 22 milhões àquela clínica para a prestação de serviços suscitou, legitimamente, suspeitas, ou pelo menos interesse, por parte da opinião pública.

 

105.     Na verdade, foram publicadas dezenas de notícias e artigos sobre tal contrato e sobre o funcionamento da unidade de medicina nuclear na clínica Quadrantes – o que a título de exemplo se junta como Documentos nºs ... a ...

 

106.     A divulgação da existência de tal contrato no contexto da reportagem da TVI veio, de resto, a dar origem a uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Madeirense em que foi solicitada a audição do Arguido Dr. Rafael Macedo.

 

107.     Nota-se que, nos termos do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração.

 

108.     Nos termos do artigo 16º do referido regime as comissões parlamentares de inquérito podem convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

 

109.     Sendo que a falta de comparência ou a recusa de depoimento perante a comissão parlamentar de inquérito por quem seja convocado só se tem por justificada nos termos gerais da lei processual penal.

 

110.     Também a forma dos depoimentos se rege pelas normas aplicáveis do Código de Processo Penal sobre prova testemunhal.

 

111.     O que significa que qualquer convocado a ser ouvido em sede de Comissão de Inquérito está obrigado a responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas.

 

112.     O que era o caso do Arguido Dr. Rafael Macedo.

          Ora,

 

113.     O Arguido, em sede de Comissão de Inquérito, limitou-se a responder com verdade às perguntas que lhe foram colocadas.

 

114.     O que, em grande parte, coincidiu com aquilo que já havia declarado na reportagem da TVI.

 

115.     Por outro lado, cumpre notar que a referida Comissão foi requerida pelo PSD – partido no poder da Madeira – e que se encontrava também no poder em 2009, data em que foi celebrado o referido contrato.

 

116.     Vale isto por dizer que tal Comissão teve, naturalmente, um manifesto pendor político.

 

117.     Visando credibilizar o partido no poder e responsável pelo contrato celebrado com a Quadrante.

 

118.     E, por outro lado, descredibilizar o Arguido, um dos “protagonistas” da reportagem da TVI que, através de investigação jornalística, concluiu que o Hospital do Funchal encaminhava pacientes para fazer exames de medicina nuclear numa clínica privada instalada na região em 2009, enquanto a sua própria unidade, inaugurada em 2013 e certificada em 2017, estava "praticamente parada".

 

119.     Nota-se, de resto, que a Comissão Parlamentar de Inquérito à Medicina Nuclear teve 24 votos a favor da maioria parlamentar do PSD que suportava o anterior Governo Regional da Madeira e 23 votos contra das restantes 7 forças partidárias.

 

120.     E, bem assim, que os deputados que votaram contra o relatório (do PS, BE, JPP e CDS-PP) votaram nesse sentido por considerarem que o texto não refletia na íntegra as audições em comissão, onde foram ouvidas mais de 20 entidades.

 

121.     Não podendo o Arguido também deixar de considerar que a Comissão de Inquérito e o que dela resultou, foi, na verdade, um ato político que visou, exclusivamente, a sua descredibilização e da reportagem emitida no canal TVI, visando-se legitimar as opções do Governo Regional e minimizar a circunstância de uma unidade de medicina nuclear, que resultou de um financiamento do Estado e de fundos comunitários, estar praticamente parada, em prejuízo de milhares de doentes.

 

122.     Não decorrendo também da participação do Arguido em tal inquérito parlamentar, qualquer infracção disciplinar!

 

C.             AS PUBLICAÇÕES NA REDE SOCIAL FACEBOOK

 

123.     O Arguido sempre utilizou as redes sociais para divulgar as ideias de protecção pública de cidadãos desprotegidos ao nível da rede pública de Saúde Pública.

 

124.     Na verdade, o Arguido confiou a password da sua conta de facebook com pessoa da sua confiança precisamente para o ajudar na divulgação das ideias supra referidas.

 

125.     Lamentavelmente, a sua conta veio a ser utilizada para publicar posts que não foram da sua Autoria, o que o Arguido suspeita terá sucedido através da utilização abusiva da sua conta por terceiro, mas também por ter sido vítima de ataque informático.

 

126.     Nesse sentido, o Arguido repudiou a autoria de posts ou envio de mensagens aos colegas Drs. António Caldeira, Quinídio Correia e Mónica Caldeira.

 

127.     Quanto a restantes posts, porque os mesmos não estão devidamente identificados na acusação nem da mesma se retira quais os deveres violados com cada post ou concreta afirmação, o arguido não tem sequer possibilidade de se defender,

 

128.     Notando apenas que, em nenhum momento, ofendeu ou pretendeu ofender ou difamar qualquer colega.

 

129.     Com referência ao post que publicou na sua página pessoa de facebook referindo-se à Ordem dos Médicos, e lamentando a falta de resposta às suas denúncias, o Arguido mais não fez que desabafar sobre a factual falta de resposta às suas interpelações,

 

130.     Considerando que, como associado da Associação Profissional Pública Ordem dos Médicos, merecia uma resposta.

 

D.            AS DECLARAÇÕES PRESTADAS NA RTP MADEIRA

 

131.     A 21 de Fevereiro de 2019 teve lugar um debate na RTP Madeira a propósito da relação público/privado no setor da saúde, promovido após a reportagem da TVI e reações à mesma.

 

132.     O Arguido Dr. Rafael Macedo foi um dos convidados e, mais uma vez, partilhou o seu dia-a-dia na unidade de medicina nuclear, designadamente a falta de trabalho que tinha numa unidade com equipamento e condições para realizar muitos mais exames do que aqueles que realizava.

 

133.     É, efetivamente, visível a indignação ou inconformismo do Arguido durante tal debate.

 

134.     Mas basta vê-lo integralmente para compreender a legitimidade do Arguido na sua posição, inevitavelmente emocional.

 

135.     O Arguido, desde 2016 (!), denunciava – designadamente à Ordem dos Médicos, na pessoa do Diretor do Colégio da Especialidade de Medicina Nuclear – a existência do que considerava serem irregularidades na prática da medicina nuclear na Região Autónoma da Madeira.

 

136.     O Arguido nunca recebeu qualquer resposta da Ordem a que pertence.

 

137.     E viu as suas denúncias serem desvalorizadas e descredibilizadas, com a justificação do “alarme social” que as mesmas causavam.

 

138.     Foi, precisamente, pela falta de acolhimento das entidades internas das suas denúncias que o Arguido aceitou e entendeu conveniente falar publicamente.

 

139.     O que fez, no exercício da sua liberdade de expressão no âmbito da discussão de questões de relevância pública, e tendo, como única motivação a busca por uma melhor prestação de cuidados de saúde aos doentes da Madeira – todos aqueles sem possibilidade de recurso à medicina privada.

 

140.     A única motivação pessoal do Arguido, em todas as suas atuações e intervenções, foi e é a de promover a melhor assistência para os doentes com os meios disponíveis e não utilizados.

 

141.     Não podendo concordar que a verdade seja ocultada do público pelo receio do alarme social.

 

142.     Nem se podendo conformar com as consequências que lhe advêm da denúncia de tal verdade.

 

143.     De que esta acusação representa um exemplo.

 

E.             O DESPEDIMENTO DO DR. RAFAEL MACEDO DA SESARAM

 

144.     Na sequência da reportagem da TVI e da comissão de inquérito o Arguido foi despedido da SESARAM.

 

145.     Recorde-se que o médico, estava vinculado por contrato individual de trabalho a exercer funções de Coordenador da Unidade de Medicina Nuclear.

 

146.     Entendeu o SESARAM que os comportamentos imputados ao então trabalhador constituíam “infracção disciplinar por violação dos deveres de respeito, urbanidade e probidade, dever de assiduidade, dever de realizar o trabalho com zelo e diligencia, dever de cumprir ordens e instruções do empregador, dever de lealdade ao empregador, deveres previstos nas al. a), b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, pela sua gravidade e consequências, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral e constituem justa causa de despedimento”.

 

147.     O Arguido discorda frontalmente da violação de quaisquer direitos – o único direito que o Arguido entendeu abdicar foi do direito ao silêncio, tendo optado por denunciar situações que considerava irregulares e graves com todas as consequências que denúncias do tipo, numa realidade como é a da Região Autónoma da Madeira, acarretam.

 

148.     O Arguido entendeu não impugnar o despedimento de que foi alvo, não por concordar com o mesmo, mas por considerar que o ambiente entretanto instalado nunca permitira um convívio são nem o exercício da sua profissão no SESARAM em condições adequadas.

 

          Dito isto, o Arguido reitera que,

 

149.     É, com orgulho, médico, mas, também cidadão e político, com direito à liberdade de expressão.

 

150.     O trabalho do Arguido foi enaltecido pelo Presidente do Conselho de Administração e Direção Clínica anterior a 2015 e nunca os seus doentes de si se queixaram.

 

151.     O Arguido nunca teve intenção de denegrir quem quer que fosse.

 

152.     E a decisão de arquivamento que juntou aos presentes autos disciplinares sublinhou e bem: não pode dizer-se que as afirmações do arguido Charl Rafael Macedo Silva sejam um ataque direto à honra e à consideração dos denunciantes (...) na medida em que mais não traduzem que uma crítica a uma atividade (...) e não um ataque pessoal e direto.

 

153.     Como profissional e responsável pelo seguimento de mais de 100 mil doentes durante a sua vida como médico, o Arguido nunca teve qualquer problema com os seus utentes e a sua intenção foi sempre a apenas de os proteger. 

 

154.     O Arguido envidou os seus melhores esforços para que os seus utentes tivessem acesso a um melhor seguimento na doença, situação bloqueada por várias direções de serviço.

 

155.     Como médico e tendo exercido atividade política desde 2017, o Arguido sempre primou pela elevação pessoal e profissional, elevação essa corroborada por milhares de madeirenses.

 

156.     Pelo que o Arguido entende nunca ter, em nenhum momento, violado os deveres a que está adstrito nos termos do Estatuto da Ordem dos Médicos, designadamente daqueles que nestes autos está – sem qualquer concretização fáctica como legalmente era exigível – acusado de violar, a saber:

 

    1. A violação do dever de conduta: o Arguido adoptou sempre comportamento público e profissional adequado à dignidade da sua profissão, sem prejuízo dos seus direitos de cidadania e liberdade individual.
    2. A violação do dever de não prescrição de atos médicos supérfluos – o Arguido sempre prescreveu os exames que lhe foram solicitados tendo em conta a sua avaliação da situação;
    3. A violação do dever de comunicação à Ordem dos Médicos de falta de condições para trabalhar: O Arguido, pelo contrario, foi e está a ser sancionado pela denuncia de irregularidades à Ordem dos Médicos, designadamente da falta de condições para trabalhar na unidade que coordenava;
    4. A violação do dever geral de colaboração: o Arguido com pleno respeito pelos preceitos deontológicos, sempre colaborou e apoiou as entidades prestadoras de cuidados de saúde.
    5. A violação do dever de prevenir a Ordem dos Médicos: o Arguido comunicou à Ordem, de forma rigorosa, objetiva e confidencial, as atitudes fraudulentas ou de incompetência no exercício da Medicina de que tinha conhecimento, tendo, de resto, na qualidade de diretor clínico e técnico do SMN do SESARAM enviado ao Presidente da Direção do colégio a 28 de Maio de 2016 um email em que denunciava a existência do que considera serem irregularidades na prática da medicina nuclear na Região Autónoma da Madeira, o que motivou visita do Organismo Europeu Anti-Fraude que verificou no local essas irregularidades.
    6. A violação do dever de proceder com correção e urbanidade: O Arguido nas suas relações recíprocas com colegas procedeu sempre com correção e urbanidade.
    7. A violação do dever de solidariedade: o Arguido nunca violou tal dever embora não o possa entender num sentido meramente corporativo, nomeadamente no de não criticar comportamentos que julga errados e prejudiciais sob pena de trair os seus deveres, enquanto médico, para com os seus doentes e a comunidade em geral. Observe-se, de resto, o disposto no nº 4 do artigo 108º do Regulamento de Deontologia Médica onde se lê “Não constitui falta ao dever de solidariedade, mas uma obrigação ética, o facto de um médico comunicar à Ordem, de forma objetiva e com a devida discrição, as infrações dos seus colegas contra as regras técnicas e deontológicas da profissão médica.”

 

          Por último,

 

157.     Conclui a acusação que o comportamento do médico arguido em nada dignifica a Ordem Profissional, contribuindo sim para uma desconfiança da população em geral para com a atividade médica e, bem assim, para com a própria prestação dos serviços de saúde de entidades públicas.

 

158.     Sublinha-se que o comportamento do Arguido foi o de, no exercício do seu direito de liberdade de expressão, denunciar e partilhar situações que considerava irregulares.

 

159.     Se a existência de situações irregulares e se o desaproveitamento de recursos no setor público criam desconfiança no público tal não decorre da denúncia do Arguido mas da existência, per si, de tais circunstâncias.

 

160.     Pelo que a Ordem dos Médicos punir disciplinarmente o Arguido por “contribuir para a desconfiança”, além de manifestamente injusto, é absolutamente desprovido de fundamento legal.

 

161.     A propósito da sanção “passível de aplicar” ao Arguido, lê-se no término da acusação que o Arguido cometeu infracções graves que são passíveis, no seu cúmulo, na aplicação de uma sanção de suspensão de um ano, nos termos dos artigos 14º nº 1 alínea c) e nº 4 do Regulamento Disciplinar dos Médicos.

 

162.     Dispõe o artigo 14º nº 1 que as sanções disciplinares são as seguintes: a) Advertência; b) Censura; c) Suspensão até ao máximo de 10 anos;  d) Expulsão.

 

163.     A suspensão é, pois, a segunda medida mais grave do elenco das sanções.

 

164.     Sendo aplicável, nos termos do nº 4 de tal preceito, aos casos de infrações graves, praticadas com negligência grosseira ou dolo eventual, e consiste no afastamento total do exercício da medicina durante o período de aplicação da sanção.

 

165.     Prevê-se ainda no mesmo preceito que constituem, entre outras, causas de suspensão, as seguintes infrações: a) Desobediência a determinações da Ordem, quando estas correspondam ao exercício de poderes vinculados conferido por lei; b) Violação de quaisquer deveres consagrados na lei ou no Estatuto e regulamentos da Ordem e que visem a proteção da vida, da saúde, do bem -estar ou da dignidade das pessoas, quando não lhe deva corresponder sanção superior; c) Encobrimento do exercício ilegal da medicina; d) Prática de infração disciplinar que também constitua crime punível com pena de prisão superior a um ano.

 

166.     O Arguido não cometeu nenhuma daquelas infrações.

 

167.     Nem qualquer outra que possa justificar a aplicação da segunda sanção mais grave do elenco de sanções disciplinares.

 

168.     Sendo certo que o tal “cúmulo” e o resultado de 1 (um) ano não está justificado na acusação,

 

169.     Como nem sequer, como se disse, é feito corresponder uma conduta a uma violação de dever e uma violação de dever a uma sanção.

 

170.     Sendo, pois, flagrante a violação do direito de defesa do Arguido Dr. Rafael Macedo neste processo. 

 

Termos em que, por tudo quanto se expôs deve a acusação ser considerada nula e o presente processo disciplinar arquivado, com todas as consequências legais.

 

 

Prova documental: ...

Prova testemunhal:

  1. Dr. Miguel Ferreira, ...

 

OS ADVOGADOS: 

Francisco  Teixeira da Mota



[1] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.02.2005, Proc. nº 05841/01, disponível in www.dgsi.pt

[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10.10.2014, Proc. nº 00770/08.8BEBRG, disponível in www.dgsi.pt

 

[3] MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 8ª reimpressão da 10ª edição, Tomo II, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 845, 846 e 854.

[4] CRP, Anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira, vol. II, 4ª Edição revista, Coimbra Editora, pág. 841

 

14 comentários:

  1. Então? Caladinhos. Esperem por amanhã. Se voltarem a difamar, levarão com mais.

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  2. Deves achar que temos medo de um exilado

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  3. So a maneira como foste posto a andar daqui já devias ter aprendido.

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  4. Amanhã primeira bomba nuclear demandada do Luxemburgo. :)

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  5. É com a ajuda do Putin, ou dos Hamas?

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  6. Caladinhos? Amanhã, virá bomba nuclear.

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    1. Conhecemos bem essas bombas que arranjas no Casal Ventoso

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